Testemunhos para a Igreja 1

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Capítulo 11 — Casamento e trabalhos posteriores

Em 30 de Agosto de 1846 uni-me em casamento com o Pastor Tiago White. O Pastor White adquirira profunda experiência no movimento do advento, e seus trabalhos na proclamação da verdade tinham sido abençoados por Deus. Nossos corações uniram-se na grande obra e, juntos, viajamos e trabalhamos pela salvação de seres humanos. T1 75.1

Principiamos nossas atividades sem dinheiro, com poucos amigos e a saúde enfraquecida. Meu marido herdara uma constituição física vigorosa, mas sua saúde havia sido seriamente prejudicada por extrema dedicação ao estudo na escola, e às pregações. Eu tivera problemas de saúde desde a infância, como já relatei. Nessa condição, sem recursos, podendo contar com poucos simpatizantes de nosso trabalho, sem revistas e livros, iniciamos nossa obra. Não possuíamos casas de culto naquele tempo. E a idéia de usar uma tenda ainda não nos havia ocorrido. A maior parte de nossas reuniões era realizada em casas particulares. Nossas congregações eram pequenas. Raramente alguém vinha a nossas reuniões, excetuando-se os adventistas, a menos que fossem atraídos pela curiosidade de ouvir uma mulher falar. T1 75.2

No início, progredi muito lentamente no trabalho de falar em público. Se estivesse confiante, isso me vinha pelo Espírito Santo. Se falasse com liberdade e poder, era por concessão divina. Nossas reuniões eram geralmente realizadas de maneira tal que ambos tomávamos parte. Meu marido fazia um sermão doutrinário, então eu o seguia com uma exortação de certa extensão, buscando penetrar os sentimentos da congregação. Assim, meu marido semeava a semente da verdade, eu regava e Deus dava o crescimento. T1 75.3

No outono de 1846, começamos a observar o sábado bíblico, a ensiná-lo e defendê-lo. Minha atenção para o sábado foi primeiramente chamada enquanto eu estava em visita a New Bedford, Massachusetts, no início desse mesmo ano. Ali conheci o Pastor José Bates. Ele havia a princípio abraçado a fé do advento, e era trabalhador ativo na Causa. O Pastor Bates guardava o sábado, e salientava a sua importância. Eu não compreendia sua importância, e achava que ele errava em ocupar-se com o quarto mandamento mais do que com os outros nove. O Senhor, porém, me deu uma visão do santuário celestial, em que o templo de Deus foi aberto no Céu, e foi-me mostrada a arca de Deus coberta com o propiciatório. Em cada extremidade da arca havia um anjo com as asas estendidas sobre o propiciatório e a face voltada para ele. Isso, informou-me o meu anjo assistente, representava todo o exército celestial olhando com reverente temor para a lei divina, que foi escrita com o dedo de Deus. Jesus levantou a cobertura da arca, e contemplei as tábuas de pedra em que os Dez Mandamentos estavam escritos. Fiquei atemorizada quando vi o quarto mandamento bem no centro dos dez preceitos, com uma suave auréola de luz rodeando-o. Disse o anjo: “É o único dos dez que define o Deus vivo que criou os céus e a terra e todas as coisas que neles há.” Quando foram postos os fundamentos da Terra, também foi posto o fundamento do sábado. T1 75.4

Foi-me mostrado que se o verdadeiro sábado houvesse sido guardado, jamais teria havido um incrédulo ou ateu. A observância do sábado teria preservado da idolatria o mundo. O quarto mandamento tem sido pisado a pés; por isso, somos chamados para reparar a brecha na lei de Deus e defender o sábado profanado. O homem do pecado, que se exalta acima de Deus, e pensou mudar os tempos e a lei, efetuou a mudança do sábado, do sétimo para o primeiro dia da semana. Fazendo isso, criou uma brecha na lei de Deus. Precisamente antes do grande dia de Deus, é enviada uma mensagem para exortar o povo a voltar à obediência à lei de Deus, quebrantada pelo anticristo. Por preceito e exemplo devemos chamar a atenção para a brecha feita na lei. Foi mostrado que o terceiro anjo, que proclama os mandamentos e a fé de Jesus (Apocalipse 14:9-14), representa o povo que recebe essa mensagem, e ergue a voz de advertência ao mundo para que guarde os mandamentos de Deus e a Sua lei como a menina dos olhos; e em resposta a esta advertência muitos abraçariam o sábado do Senhor. T1 76.1

Quando recebemos a luz sobre o quarto mandamento, já havia cerca de vinte e cinco adventistas no Maine que observavam o sábado; mas divergiam tanto sobre outros pontos de doutrina, e estavam tão espalhados que sua influência era muito pequena. Houve mais ou menos o mesmo número e em condições similares, em outras partes da Nova Inglaterra. Parecia ser nosso dever visitá-los com mais freqüência em seus lares, e fortalecê-los no Senhor e em Sua verdade, e, como estivessem muito dispersos, era-nos necessário permanecer na estrada a maior parte do tempo. Por falta de recursos, tomávamos os transportes particulares mais baratos, e viajávamos em vagões de segunda classe ou no convés inferior dos navios. Por causa de minha condição debilitada, procurava viajar por meios de transportes particulares mais cômodos. Quando em vagões de segunda classe, éramos geralmente envolvidos pela fumaça dos cigarros, cujo efeito me fazia desmaiar com freqüência. Quando em navios, no convés inferior, sofríamos os mesmos efeitos do fumo, além do praguejar e da conversação vulgar da tripulação e dos viajantes de camada social inferior. À noite, dormíamos sobre assoalhos duros, caixotes de mantimentos ou sacos de cereais, com malas de viagem como travesseiros, e sobretudos e xales como cobertas. Quando sofrendo os rigores do inverno, andávamos pelo convés para manter-nos aquecidos. Quando sob o calor do verão, íamos ao convés superior para usufruir do fresco ar noturno. Tudo isso me era muito cansativo, especialmente quando viajava com uma criança nos braços. Esse modo de vida não era, de forma alguma, de nossa escolha. Deus chamou-nos em nossa pobreza e conduziu-nos através da fornalha da aflição, para dar-nos uma experiência que nos seria de grande valor, e para que fôssemos um exemplo àqueles que posteriormente se uniriam a nós no trabalho. T1 77.1

Nosso Mestre foi um homem de dores; estava familiarizado com o sofrimento. E aqueles que sofrem com Ele, também com Ele reinarão. Quando o Senhor apareceu a Saulo, por ocasião de sua conversão, não procurou mostrar-lhe as boas coisas que poderia desfrutar, mas quanto importava sofrer pelo Seu nome. Sofrimento tem sido a porção do povo de Deus desde os dias do mártir Abel. Os patriarcas sofreram por serem verdadeiros a Deus e obedientes aos Seus mandamentos. O grande Líder da igreja sofreu por nossa causa; Seus primeiros apóstolos e a igreja primitiva sofreram; milhões de mártires padeceram; os reformadores também. E por que deveríamos nós, que temos a bendita esperança da imortalidade, a se consumar na breve volta de Cristo, recuarmos de uma vida de sofrimento? Fosse possível alcançar a árvore da vida no meio do Paraíso de Deus sem sofrimento, não fruiríamos com tanto gosto a rica recompensa pela qual não houvéssemos sofrido. Fugiríamos da glória; ficaríamos envergonhados na presença daqueles que combateram o bom combate, correram a carreira com paciência e lançaram mão da vida eterna. Mas, ninguém estará ali se, como Moisés, não escolher sofrer aflição com o povo de Deus. O profeta João viu uma multidão de redimidos, e um ancião perguntou quem eram. A imediata resposta foi: “Estes são os que vieram de grande tribulação, lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro.” Apocalipse 7:14. T1 78.1

Quando começamos a apresentar a luz sobre a questão do sábado, não tínhamos uma idéia bem definida da mensagem do terceiro anjo de Apocalipse 14:9-12. O peso de nosso testemunho enquanto nos achávamos perante o povo era que o grande movimento da volta de Cristo era procedente de Deus; que a primeira e a segunda mensagens haviam sido pregadas e que a terceira devia ser proclamada. Vimos que a terceira mensagem se encerrava com estas palavras: “Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus.” Apocalipse 14:12. E percebemos com a mesma clareza de agora, que essas palavras proféticas sugeriam a reforma do sábado; mas o que a adoração da besta mencionada na mensagem, ou sobre o que seriam a imagem e o sinal da besta, não tínhamos posição definida. T1 78.2

Por Seu Santo Espírito, Deus verteu luz sobre Seus servos, e o assunto foi-lhes pouco a pouco aberto à mente. Sua pesquisa exigiu muito estudo e ansiosa atenção, ponto por ponto. Por meio de cuidados, ansiedade e incessante empenho o trabalho progrediu, até as grandes verdades de nossa mensagem, num claro, completo e consolidado todo, serem transmitidas ao mundo. T1 79.1

Já tive a oportunidade de mencionar sobre como conheci o Pastor Bates. Descobri ser ele um verdadeiro cavalheiro cristão, polido e bondoso. Tratou-me com tanta ternura como se eu fosse sua própria filha. A primeira vez que me ouviu falar, demonstrou profundo interesse. Depois que parei de falar, levantou-se e disse: “Sou como o duvidoso Tomé. Não creio em visões. Se, porém, pudesse crer que o testemunho que a irmã deu esta noite é, realmente, a voz de Deus para nós, seria o mais feliz dos homens. Meu coração está profundamente comovido. Creio que a oradora é sincera, mas não consigo entender como lhe foram mostradas as coisas maravilhosas que ela nos relatou.” T1 79.2

Poucos meses após meu casamento, assisti com meu esposo a uma assembléia em Topsham, Maine, na qual o Pastor Bates estava presente. Ele não cria então inteiramente que minhas visões provinham de Deus. Aquela reunião foi uma ocasião de muito interesse. O Espírito de Deus repousou sobre mim; tive uma visão da glória de Deus e, pela primeira vez, me foram mostrados outros planetas. Depois que voltei da visão, relatei o que vira. O Pastor Bates perguntou então se eu havia estudado astronomia. Disse-lhe que não tinha lembrança de já haver contemplado um livro de astronomia. Volveu ele, então: “Isto é do Senhor.” Eu nunca o vira tão espontâneo e feliz. Seu rosto resplandeceu com a luz do Céu, e ele exortou a igreja com poder. T1 79.3

Da reunião voltei com meu marido a Gorham, onde então moravam meus pais. Caí muito doente, e sofri extremamente. Meus pais, marido e irmãs uniram-se em oração por mim, mas continuei a sofrer por três semanas. Freqüentemente desfalecia como morta, mas em resposta à oração me reanimava. Minha angústia era tão grande que eu rogava àqueles que me rodeavam que não orassem por mim, pois pensava que suas orações me estivessem prolongando os sofrimentos. Nossos vizinhos, já sem esperanças, abandonaram-me para morrer. Durante algum tempo, aprouve ao Senhor nos provar a fé. Por fim, quando meus amigos se reuniram para orar por mim, um irmão que estava presente e parecia muito sobrecarregado, e com o poder de Deus repousando sobre ele, levantou-se, atravessou o quarto, pôs as mãos sobre minha cabeça, dizendo: “Irmã Ellen, Jesus Cristo lhe dá saúde”, e caiu para trás, prostrado pelo poder de Deus. Acreditei que aquilo era de Deus, e a dor deixou-me. Meu coração encheu-se de gratidão e paz. A linguagem de meu coração era: “Não há auxílio para nós senão em Deus. Podemos estar em paz unicamente quando descansamos nEle e esperamos Sua salvação.” T1 80.1

No dia seguinte houve uma forte tempestade, e nenhum de nossos vizinhos pôde vir à nossa casa. Levantei-me e fui até a sala de estar; e como alguns viram abertas as janelas de meu quarto, acharam que eu havia morrido. Eles não sabiam que o Grande Médico esteve graciosamente em casa, repreendeu a enfermidade e me curou. No dia seguinte, viajamos sessenta quilômetros até Topsham. Os vizinhos perguntaram a papai a que horas seria o funeral. Meu pai perguntou: “Que funeral”? “O de sua filha”, foi a resposta. Meu pai replicou: “Ela foi curada pela oração da fé e está a caminho de Topsham.” T1 80.2

Poucas semanas depois, em viagem para Boston, embarcamos num navio em Portland. Uma violenta tempestade desabou sobre o navio e ficamos em grande perigo. A embarcação era terrivelmente sacudida e as ondas se chocavam contra as janelas das cabinas. Havia grande temor nos camarotes das senhoras. Muitas confessavam seus pecados e clamavam a Deus por misericórdia. Algumas pediam à Virgem Maria que as guardasse, enquanto outras faziam solenes votos a Deus, prometendo que se alcançassem a terra dedicariam a vida a Seu serviço. Tudo era terror e confusão. Enquanto o barco se agitava, uma senhora perguntou-me: “Você não está aterrorizada? Suponho que não chegaremos à terra.” Disse-lhe que fizera de Cristo meu refúgio; e, se meu trabalho estava concluído, eu poderia jazer tanto no fundo do oceano quanto em qualquer outro lugar; se meu trabalho, porém, não estava terminado, todas as águas do oceano não poderiam afogar-me. Minha confiança estava em Deus. Se fosse para Sua glória, Ele nos faria aportar em segurança. T1 80.3

Nesse instante pude avaliar a esperança do cristão. A cena diante de mim trouxe-me vividamente ao espírito o dia da ira do Senhor, quando a tempestade de Sua ira se abater sobre o pobre pecador. Haverá então amargas lágrimas e clamores, confissão de pecados, súplicas por misericórdia, mas será tarde demais. “Porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a Minha mão, e não houve quem desse atenção; antes, rejeitastes todo o Meu conselho e não quisestes a Minha repreensão; também Eu Me rirei na vossa perdição e zombarei, vindo o vosso temor.” Provérbios 1:24-26. T1 81.1

Pela misericórdia de Deus, todos desembarcamos sãos e salvos. Alguns dos passageiros, porém, que haviam demonstrado tanto pavor durante a tormenta, agora nem a mencionavam, a não ser para fazer troça de seus temores. Uma senhora que solenemente prometera tornar-se cristã, caso fosse preservada, exclamou zombeteiramente ao deixar o barco: “Glória a Deus! Estou feliz por pisar novamente em terra firme.” Pedi-lhe que voltasse algumas horas no tempo e se lembrasse de seus votos a Deus. Ela, porém, evitou-me com um sorriso sarcástico. T1 81.2

Veio-me claramente à memória a questão do arrependimento de última hora. Alguns vivem para servirem a si mesmos e a Satanás, e então, quando lhes sobrevêm doenças ou enfrentam terríveis incertezas, demonstram alguma tristeza pelo pecado, e talvez digam que estão preparados para morrer. Seus amigos são persuadidos a crer que eles se converteram genuinamente, estando portanto qualificados para o Céu. Mas, se eles se recuperassem, continuariam a ser tão rebeldes como antes. Lembrei-me de Provérbios: “Vindo como assolação o vosso temor, e vindo a vossa perdição como tormenta, sobrevindo-vos aperto e angústia. Então a Mim clamarão, mas Eu não responderei; de madrugada Me buscarão, mas não Me acharão.” Provérbios 1:27, 28. T1 81.3

Em Gorham, Maine, em 26 de Agosto de 1847, nasceu nosso filho mais velho, Henrique Nichols White. Em Outubro, o irmão e irmã Howland, de Topsham, amavelmente nos ofereceram uma parte de sua casa, que alegremente aceitamos e demos início às ocupações domésticas com mobília emprestada. Éramos pobres, e passamos por tempos apertados. Tínhamos resolvido não depender de ninguém, mas sustentar-nos a nós mesmos, e ter algo com que auxiliar outros. Mas não prosperávamos. Meu marido trabalhava muito arduamente transportando pedra na estrada de ferro, mas não ganhava o que lhe era devido por seu esforço. O irmão e irmã Howland liberalmente dividiam conosco sempre que podiam; mas eles também se encontravam em circunstâncias prementes. Criam amplamente na primeira e segunda mensagens, e haviam generosamente concedido de seus recursos para fazer avançar a obra, até que ficaram a depender de seu trabalho cotidiano. T1 82.1

Meu marido deixou de transportar pedra, e com seu machado foi à mata para rachar lenha. Com uma dor contínua no lado, trabalhava desde a madrugada até ao escurecer para ganhar cerca de cinqüenta centavos de dólar por dia. A dor severa o impedia de dormir à noite. Nós nos esforçávamos por conservar bom ânimo, e confiar no Senhor. Eu não murmurava. Pela manhã sentia-me grata a Deus por nos haver guardado mais uma noite, e à noite sentia-me agradecida por ter-nos guardado mais um dia. Certo dia em que se haviam acabado as nossas provisões, meu marido foi ao seu patrão para obter dinheiro ou provisões. Era um dia tempestuoso, e ele andou quase cinco quilômetros sob a chuva, tanto na ida quanto na volta. Trouxe para casa às costas um saco de provisões amarrado em várias porções, havendo desta maneira atravessado a aldeia de Brunswick, onde muitas vezes ele realizara conferências. Ao entrar ele em casa, muito cansado, meu coração desfaleceu dentro de mim. Minha primeira impressão foi que Deus nos havia abandonado. Disse ao meu marido: “Chegamos a este ponto? Deixou-nos o Senhor?” Não pude conter as lágrimas, e chorei amargamente durante horas, até que desmaiei. Fez-se oração em meu favor. Logo senti a influência animadora do Espírito de Deus, e lamentei que tivesse sucumbido ao desânimo. Desejamos seguir a Cristo e ser semelhantes a Ele; mas algumas vezes desfalecemos sob provações, e ficamos distantes dEle. Os sofrimentos e as provações aproximam-nos de Jesus. A fornalha consome a escória e dá brilho ao ouro. T1 82.2

Foi-me mostrado nessa ocasião que o Senhor estivera a provar-nos para o nosso bem, e para preparar-nos a fim de trabalhar pelos outros; que Ele nos estivera agitando o ninho para que não acontecesse ficarmos ali muito bem acomodados. Nossa obra consistia em trabalhar pelas pessoas; se prosperássemos materialmente, o lar se tornaria tão agradável que não teríamos desejo de o deixar. Deus permitiu que nos sobreviessem provações a fim de que estas nos preparassem para as lutas ainda maiores que encontraríamos em nossas viagens. Logo recebemos cartas dos irmãos de vários Estados, convidando-nos para visitá-los; não tínhamos, porém, meios para sair de nosso Estado. Nossa resposta foi que o caminho não estava aberto diante de nós. Eu achava que me seria impossível viajar com nosso filhinho. Não desejávamos depender de ninguém, e tínhamos o cuidado de viver dentro de nossos recursos. Estávamos resolvidos a sofrer, de preferência a contrair dívidas. Eu só usava cerca de meio litro de leite para mim e meu filho, cada dia. Certa manhã, antes de sair para o trabalho, meu marido deixou-me nove centavos para comprar leite durante três dias. Foi-me difícil decidir se devia comprar leite para mim e o bebê ou um casaquinho para ele. Desisti da idéia do leite e comprei o tecido para fazer um casaquinho que cobrisse os bracinhos nus de meu filho. T1 83.1

O pequenino Henrique logo caiu muito doente, e piorou tão depressa que ficamos bastante apreensivos. Estava em estado de torpor, com a respiração rápida e pesada. Demos-lhe remédios, mas sem resultados. Chamamos uma pessoa com prática de doença, a qual disse que seu restabelecimento era duvidoso. Tínhamos orado por ele, mas não houve mudança. Havíamos feito da criança uma desculpa para não viajar e trabalhar pelo bem de outros, e receávamos que o Senhor estivesse para tirá-lo de nós. De novo fomos perante o Senhor, orando para que tivesse compaixão de nós e poupasse a vida da criança, e comprometendo-nos solenemente a sair confiando em Deus, para onde quer que Ele nos mandasse. T1 84.1

Nossas orações eram fervorosas e aflitas. Reclamávamos pela fé as promessas de Deus, e cremos que Ele ouviu os nossos clamores. A luz do Céu rompeu as nuvens e resplandeceu sobre nós. Nossas orações foram misericordiosamente ouvidas. Desde aquela hora a criança começou a restabelecer-se. T1 84.2

Estando nós em Topsham, recebemos uma carta do irmão Chamberlain, de Connecticut, insistindo conosco para assistirmos a uma assembléia naquele Estado, em Abril de 1848. Decidimos que iríamos, se pudéssemos conseguir os meios. Meu marido ajustou contas com seu patrão, verificando que tinha dez dólares a receber. Com cinco desses comprei roupa, de que estávamos muito necessitados, e então remendei o casaco de meu marido, remendando mesmo os remendos, a tal ponto que era difícil dizer qual era o pano original das mangas. Tínhamos de resto cinco dólares, com que faríamos a viagem até Dorchester, Massachusetts. Nossa mala continha quase tudo que possuíamos na Terra; sentíamos, porém, paz de espírito e consciência limpa, e apreciávamos isso mais do que os confortos terrestres. Em Dorchester, fomos visitar o irmão Nichols e, ao sairmos dali, a irmã Nichols entregou a meu marido cinco dólares, com que custeamos nossa passagem para Middletown, Connecticut. Éramos estranhos naquela cidade, pois nunca tínhamos visto qualquer irmão de Connecticut. De nosso dinheiro não restavam senão cinqüenta centavos de dólar. Meu marido não se atreveu a gastá-los numa corrida de carruagem, de modo que pôs a nossa mala sobre uma pilha alta de tábuas em um terreno próximo em que se guardavam madeiras, e fomos a pé à procura de alguém que tivesse a mesma crença que nós. Logo encontramos o irmão Chamberlain, que nos recebeu em sua casa. T1 84.3

A reunião teve lugar em Rocky Hill, e realizou-se num aposento grande e inacabado da casa do irmão Belden. Os irmãos foram chegando até completarmos cinqüenta ouvintes, mas nem todos estavam plenamente fortalecidos na verdade. Nosso encontro foi interessante. O irmão Bates apresentou os mandamentos de Deus sob uma luz muito clara, e sua importância foi enfatizada através de poderosos testemunhos. A palavra teve como resultado firmar os que já haviam aceito a verdade, e despertar os que ainda não se haviam decidido. T1 85.1

Fomos convidados a visitar os irmãos no Estado de Nova Iorque no próximo verão. Os crentes eram pobres e não podiam prometer muito para custear nossas despesas. Não tínhamos meios com que viajar. A saúde de meu marido era precária, mas apresentou-se-lhe a oportunidade para trabalhar no corte de feno, e decidiu aceitar o trabalho. Pareceu-nos então que deveríamos viver pela fé. Quando nos levantávamos pela manhã, prostrávamo-nos ao lado da cama, e rogávamos a Deus que nos desse forças para trabalhar durante o dia, e não ficávamos satisfeitos a menos que tivéssemos certeza de que o Senhor ouvira nossas orações. Meu marido saía então para manejar a foice, não em sua própria força, mas na força do Senhor. À noite, quando voltava para casa, novamente rogávamos a Deus forças com que ganhar recursos a fim de disseminar a verdade. Éramos freqüentemente abençoados. Numa carta enviada ao irmão Howland, datada de Julho de 1848, meu marido escreveu: “Deus me concede forças para trabalhar arduamente o dia todo. Louvado seja o Seu nome! Espero ganhar alguns dólares para usá-los em Sua obra. Temos padecido com o trabalho e sofrido fadiga, dor, fome, frio e calor, enquanto nos esforçamos pelo bem de nossos irmãos e irmãs. Estamos prontos a sofrer mais, se assim a vontade de Deus dispuser. Regozijo-me porque o bem-estar, o prazer e os confortos desta vida já foram oferecidos em sacrifício no altar da fé e da esperança. Se nossa felicidade consiste em tornar os outros felizes, então somos realmente felizes. O verdadeiro discípulo não viverá para satisfazer o eu, mas para Cristo e para o bem dos Seus pequeninos. Ele está pronto a sacrificar sua comodidade, prazer, conforto, conveniência, vontade e desejos egoístas, pela causa de Cristo, ou nunca reinará com Ele em Seu trono.” T1 85.2

Os recursos conseguidos no campo de feno foram suficientes para suprir nossas necessidades imediatas, e cobrir nossas despesas de ida e de volta à região ocidental de Nova Iorque. T1 86.1

Nossa primeira reunião em Nova Iorque teve lugar em Volney, no celeiro de um irmão. Cerca de 35 pessoas estavam presentes — todos os que, naquele Estado, tinham condições de vir. Desses, contudo, dificilmente haveria dois que estivessem de acordo entre si. Alguns nutriam e defendiam erros graves, cada qual justificando arduamente seus próprios pontos de vista, e declarando estarem eles de acordo com a Bíblia. T1 86.2

Essas estranhas diferenças de opinião traziam-me grande peso ao coração, pois me parecia que Deus estava sendo desonrado; e desmaiei sob aquele fardo. Alguns recearam que eu estivesse morrendo, mas o Senhor ouviu as orações de Seus servos e restabeleceu-me. A luz do Céu repousou sobre mim e logo perdi a noção das coisas terrestres. Meu anjo assistente apresentou diante de mim alguns dos erros dos presentes, e também a verdade em contraste com seus erros. Essas opiniões contraditórias que eles diziam estar de acordo com a Bíblia, estavam tão-somente de acordo com seu modo pessoal de interpretar a Bíblia. Eles deviam submeter seus erros e unir-se em torno da terceira mensagem angélica. Nosso encontro encerrou-se triunfalmente. A verdade obteve a vitória. Os irmãos abandonaram seus erros e se uniram sob a terceira mensagem angélica. Deus os abençoou grandemente e aumentou seu número. T1 86.3

De Volney fomos a Port Gibson para assistir a uma reunião realizada no celeiro do irmão Edson. Havia entre os presentes aqueles que amavam a verdade, mas estavam ouvindo e acalentando erros. O Senhor atuou poderosamente em nosso favor antes do encerramento daquele encontro. Novamente me foi revelada em visão a importância dos irmãos do oeste de Nova Iorque porem de lado suas diferenças e se unirem sob a verdade bíblica. T1 86.4

Voltamos para Middletown, onde havíamos deixado nosso filho durante a viagem para o Oeste. Agora era-nos apresentado um doloroso dever. Pelo bem das pessoas, sentimos que precisávamos sacrificar a convivência com nosso pequeno Henrique, para poder entregar-nos sem reservas ao trabalho. Minha saúde era debilitada e ele certamente ocuparia grande parte do meu tempo. Essa foi uma prova dificílima, mas não ousei permitir que meu filho se interpusesse no caminho do dever. Eu cria que o Senhor poupara sua vida quando esteve gravemente enfermo e que, se eu consentisse que ele me estorvasse no cumprimento de meu dever, Deus o tiraria de mim. Sozinha diante do Senhor, com os mais penosos sentimentos e muitas lágrimas, fiz o sacrifício e entreguei meu único filho, então com cerca de um ano de idade, para que outra lhe manifestasse os sentimentos maternos e agisse como sua mãe. Nós o deixamos com a família do irmão Howland, em quem depositávamos extrema confiança. Eles estavam dispostos a assumir essa responsabilidade, a fim de deixar-nos tão livres quanto possível para trabalhar na causa de Deus. Sabíamos que podiam cuidar melhor de Henrique do que nós poderíamos enquanto em viagem, e que era para seu bem-estar ter um lar permanente e uma boa disciplina. Foi-me penoso partir sem meu filho. Seu rostinho triste no dia em que o deixei, estava dia e noite diante de mim, contudo, na força do Senhor, consegui retirá-lo de minha mente e procurar fazer o bem a outros. A família Howland cuidou de Henrique durante cinco anos. T1 86.5