Testemunhos para a Igreja 1

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Capítulo 8 — Chamado para viajar

Relatei essa visão aos crentes em Portland, os quais tinham plena confiança de que ela procedia de Deus. O Espírito do Senhor acompanhou o testemunho e uma solene sensação de eternidade repousou sobre nós. Uma indizível reverência tomou conta de mim porque eu, tão jovem e fraca, havia sido escolhida como instrumento pelo qual Deus enviaria luz a Seu povo. Enquanto sob o poder do Senhor, eu estava plena de alegria, parecendo estar cercada por santos anjos na gloriosa corte celestial, onde tudo é paz e alegria. Foi uma triste e amarga mudança ao despertar para as realidades da vida mortal. T1 62.1

Em minha segunda visão, cerca de uma semana depois da primeira, o Senhor me apresentou uma perspectiva das provas por que eu iria passar, e disse-me que eu deveria ir relatar a outros o que Ele me havia revelado. Foi-me mostrado que meus trabalhos encontrariam grande oposição, e meu coração seria ferido pela angústia; mas a graça de Deus seria suficiente para amparar-me em tudo. Fiquei imensamente perturbada com o assunto dessa visão, pois ela indicava o meu dever de ir entre o povo e apresentar a verdade. T1 62.2

Eu tinha a saúde tão debilitada que constantemente me encontrava em sofrimento físico, e pelas aparências, não tinha senão pouco tempo de vida. Eu tinha, então, apenas dezessete anos de idade, era pequena e franzina, não acostumada à sociedade, e naturalmente tão tímida e reservada que era penoso para mim enfrentar estranhos. Durante vários dias e até tarde da noite, orei para que este encargo fosse removido de mim e posto sobre alguém mais capaz de o suportar. Não se me alterou, porém, a consciência do dever, e soavam-se continuamente aos ouvidos as palavras do anjo: “Torne conhecido a outros o que lhe revelei.” T1 62.3

Não me conformava em ter de sair pelo mundo e receava enfrentar seus escárnio e oposição. Eu tinha pouco autoconfiança. Até então, quando o Espírito de Deus comigo instava a respeito do meu dever, eu me dominava, esquecendo todo receio e timidez, pelo pensamento do amor de Jesus e da obra maravilhosa que Ele por mim fizera. A constante certeza de estar cumprindo meu dever e obedecendo à vontade do Senhor, dava-me uma confiança que me surpreendia. Nessas ocasiões eu me sentia disposta a fazer ou sofrer qualquer coisa, para ajudar outros a terem a luz e a paz de Jesus. T1 63.1

Parecia-me, porém, impossível realizar esse trabalho que me era apresentado. Achava que, se tentasse, seria fracasso certo. As provações que o acompanhariam me aparentavam ser mais do que poderia suportar. Como podia eu, ainda tão jovem, sair de um lugar para outro, para explicar ao povo as santas verdades de Deus? Meu coração estremecia de terror àquele pensamento. Meu irmão Roberto, apenas dois anos mais velho do que eu, não podia acompanhar-me, pois era de saúde frágil, e sua timidez maior do que a minha; nada o podia induzir a dar semelhante passo. Meu pai tinha a família para sustentar e não poderia abandonar suas ocupações; mas repetidas vezes me afirmava que se Deus me havia chamado para trabalhar noutros lugares, não deixaria de abrir o caminho para mim. Mas essas palavras de animação pouco conforto traziam ao meu desalentado coração; o caminho diante de mim parecia obstruído com dificuldades que eu era incapaz de superar. T1 63.2

Eu desejava a morte como livramento das responsabilidades que sobre mim convergiam. Finalmente a doce paz que havia tanto tempo eu sentia, deixou-me, e o desespero novamente me oprimia o coração. Todas as minhas orações pareciam inúteis e minha fé se fora. Palavras de conforto, reprovação ou animação eram iguais para mim, pois ninguém parecia compreender-me, exceto Deus, e Ele me desamparara. O grupo de crentes de Portland ignorava a preocupação de espírito que me prostrara nesse estado de desânimo; mas sabiam que por qualquer razão eu estava abatida e, considerando a maneira misericordiosa como o Senhor Se manifestara a mim, opinavam que esse meu desalento era pecaminoso. T1 63.3

Eu temia que Deus havia retirado de mim, para sempre, o Seu favor. Enquanto pensava sobre a luz que havia anteriormente iluminado meu coração, ela me pareceu duplamente mais preciosa em contraste com a escuridão que agora me envolvia. Realizavam-se reuniões em casa de meu pai, mas tão grande era a minha angústia de espírito, que a elas não assisti por algum tempo. Meu fardo tornava-se mais e mais pesado, até que minha agonia de espírito parecia ser superior às minhas forças. T1 64.1

Finalmente fui induzida a comparecer a uma das reuniões em minha própria casa. A igreja fez de meu caso um assunto especial de oração. O irmão Pearson que se opusera às manifestações do poder de Deus sobre mim nas minhas primeiras experiências, orava agora fervorosamente por mim e me aconselhava a submeter-me à vontade do Senhor. Como um pai carinhoso procurava animar-me e consolar-me, convidando-me a crer que não fora esquecida pelo Amigo dos pecadores. T1 64.2

Eu me sentia demasiadamente fraca e desanimada para fazer por mim mesma qualquer esforço especial; mas meu coração se unia às petições de meus amigos. Agora eu pouco me incomodava com a oposição do mundo, e sentia-me disposta a fazer qualquer sacrifício, se tão-somente pudesse reaver o favor de Deus. Enquanto se fazia oração por mim, dissiparam-se as densas trevas que me haviam rodeado, e uma súbita luz veio sobre mim. Faltaram minhas forças. Pareceu-me estar na presença dos anjos. Um destes seres santos, de novo repetiu as palavras: “Torne conhecido a outros o que lhe revelei.” T1 64.3

Oprimia-me o grande receio de que, se eu obedecesse ao chamado do dever e fosse declarar-me favorecida do Altíssimo com visões e revelações para o povo, pudesse entregar-me à exaltação pecaminosa, e elevar-me acima da posição que me cumpria ocupar, bem como trazer sobre mim o desagrado de Deus e perder a própria alma. Eu sabia de casos tais, e meu coração recuava ante a severa prova. T1 64.4

Supliquei então que, se eu devesse ir relatar o que o Senhor me mostrara, fosse preservada de exaltação. Disse o anjo: “Suas orações são ouvidas e serão atendidas. Se esse mal que você receia a ameaçar, a mão de Deus estará estendida para salvá-la; por meio de aflições Ele a trará a Si, e preservará sua humildade. Apresente a mensagem fielmente; resista até ao fim, e você comerá do fruto da árvore da vida e beberá da água da vida.” T1 65.1

Depois de readquirir consciência das coisas terrestres, entreguei-me ao Senhor, pronta para cumprir Sua ordem, fosse qual fosse. Providencialmente, o Senhor abriu o caminho para eu ir com meu cunhado visitar minhas irmãs em Poland, quarenta e cinco quilômetros distante de casa. Enquanto estava ali, tive oportunidade de dar meu testemunho. T1 65.2

Por três meses eu tivera a garganta e os pulmões tão doentes que apenas podia falar pouco, e isso mesmo em tom baixo e rouco. Nessa ocasião levantava-me em reunião e começava a falar como em cochicho. Continuava assim por uns cinco minutos, quando aquele estado de sensibilidade e obstrução passava, minha voz ficava clara e forte, e eu falava com toda a facilidade e liberdade por quase duas horas. Terminada a minha mensagem, enfraquecia-se-me a voz até que de novo me achasse perante o povo, quando a mesma singular restauração se repetia. Eu sentia uma constante certeza de que estava fazendo a vontade de Deus, e via assinalados resultados acompanhando meus esforços. T1 65.3

Providencialmente o caminho abriu-se para eu ir à parte oriental do Estado do Maine. O irmão Guilherme Jordan, acompanhado de sua irmã, devia ir a negócios a Orrington, e foi-me solicitado ir com eles. Como eu prometera ao Senhor andar no caminho que Ele abrisse diante de mim, não ousei recusar. Em Orrington encontrei o Pastor Tiago White. Ele era conhecido de meus amigos, e estava empenhado no trabalho da salvação de seres humanos. T1 65.4

O Espírito de Deus assistiu a mensagem que eu transmitia; os corações se tornavam jubilosos na verdade e os desesperançados eram consolados e animados a renovar sua fé. Em Garland, um grande número de pessoas procedentes de diversos lugares veio ouvir a mensagem. Mas meu coração estava abatido. Eu recebera uma carta de mamãe pedindo que retornasse para casa, pois estavam circulando boatos a meu respeito. Esse foi um golpe inesperado. Meu nome sempre havia estado livre da sombra de censura, e minha reputação me era muito cara. Também me afligi porque mamãe estava sofrendo por mim. Ela era muito dedicada aos filhos e extremamente sensível com respeito a eles. Se tivesse havido oportunidade, eu teria voltado para casa imediatamente, mas isso era impossível. T1 65.5

Minha tristeza era tão grande que me senti muito deprimida para falar naquela noite. Meus amigos insistiam comigo para que confiasse no Senhor; e finalmente, os irmãos empenharam-se em oração por mim. A bênção do Senhor logo veio sobre mim e pude dar meu testemunho com grande liberdade. Parecia que um anjo se colocara a meu lado para fortalecer-me. Brados de glória e vitória ecoaram naquela casa e a presença de Jesus foi ali sentida. T1 66.1

Em meu trabalho, fui chamada a opor-me à conduta de alguns, os quais, por seu fanatismo, estavam trazendo vergonha sobre a causa de Deus. Esses fanáticos pareciam pensar que a religião consistia em grande agitação e barulho. Falavam de um modo que irritava os descrentes e os compelia a odiá-los e às doutrinas que ensinavam, então, regozijavam-se por estarem sofrendo perseguição. Os incrédulos não podiam ver nenhuma coerência em suas atitudes. Os irmãos de alguns lugares foram impedidos de reunir-se para os cultos. O inocente sofria com o culpado. Tive de suportar tristeza e aflição por muito tempo. Parecia-me cruel que a causa de Cristo devesse ser prejudicada pelo procedimento desses homens insensatos. Eles não apenas estavam arruinando o próprio coração, como também pondo sobre a causa um estigma que não seria facilmente removido. Satanás apreciava que assim fosse. Era-lhe conveniente ver a verdade manipulada por homens não santificados; vê-la mesclada com o erro e então lançada ao pó. Ele via com triunfo o estado confuso e disperso dos filhos de Deus. T1 66.2

Um desses fanáticos trabalhou com certo sucesso para incitar meus amigos e familiares contra mim. Porque eu havia fielmente referido o que me fora mostrado com respeito à sua atitude não cristã, ele fez circular falsidades para destruir minha influência e justificar-se. Minha sorte parecia-me dura. O desânimo abateu-se pesadamente sobre mim. A condição do povo de Deus enchia-me de angústia, e tanto que, por duas semanas, fiquei prostrada e enferma. Meus amigos pensavam que eu não sobreviveria, mas os irmãos e irmãs que se solidarizaram comigo nessa aflição reuniram-se para orar por mim. Percebi de pronto que orações eficazes e fervorosas eram feitas em meu favor. A oração prevaleceu. O poder do forte inimigo foi subjugado e eu libertada. Imediatamente fui tomada em visão. Vi que se eu sentisse que a influência humana afetasse meu testemunho, não importava onde pudesse estar, apenas deveria clamar a Deus e um anjo seria enviado em meu auxílio. Eu já possuía um anjo da guarda a me assistir continuamente, mas, quando necessário, o Senhor enviaria outro para erguer-me acima do poder de toda influência terrena. T1 67.1