O Sábado e o Domingo nos Primeiros Três Séculos: o Testemunho Completo dos Pais da Igreja

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Testemunho de Orígenes

Orígenes nasceu por volta de 185 d.C., provavelmente em Alexandria, no Egito. Ele era um homem de grande conhecimento, mas infelizmente adotou um sistema espiritual de interpretação das Escrituras, que foi o meio pelo qual a igreja foi inundada com muitos erros. Ele escreveu durante a primeira metade do terceiro século. Eu examinei cuidadosamente todos os escritos de cada um dos escritores cristãos que antecederam ao Concílio de Niceia, com exceção apenas de Orígenes. Até o momento não consegui obter algumas das suas obras. Por enquanto, apresento o testemunho completo de todos os outros pais sobre o assunto em questão, considerando que não posso dizer isso no caso dele. Todavia, posso apresentar seu testemunho com suficiente plenitude para que ele seja visto sob uma perspectiva justa. Sua primeira referência ao sábado é uma negação de que o mesmo deve ser compreendido literalmente. Ele diz o seguinte: SDS 87.2

Existem incontáveis multidões de crentes que, embora incapazes de desdobrar de forma metodológica e clara os frutos de sua compreensão espiritual, estão, contudo, convencidos, mui firmemente, de que nem a circuncisão, nem o descanso do sábado, nem o derramamento do sangue de um animal devem ser compreendidos literalmente, e nem que Deus tenha dado respostas a Moisés sobre esses pontos. E esse método de aprendizagem é, sem dúvida, sugerido às mentes de todos pelo poder do Espírito Santo. — De Principiis, livro 2, cap. 7. SDS 87.3

Orígenes afirma que a interpretação espiritual das Escrituras, pela qual seu significado literal é posto de lado, é algo divinamente inspirado! Mas quando isso é aceito como verdade, quem pode entender o que querem dizer pelo que estão falando? SDS 88.1

No capítulo seguinte, ele cita Isaías 1:13, 14, mas com referência ao assunto da alma, e não ao assunto do sábado. No capítulo 11, fazendo novamente alusão ao significado oculto das coisas ordenadas nas Escrituras, ele afirma que, quando o cristão “retorna a Cristo”, o indivíduo verá também, entre outras coisas enumeradas, “as razões para os dias de festa, para os dias santos, e para todos os sacrifícios e purificações”. Então, parece que Orígenes pensava que o significado espiritual do sábado, o qual ele apresentou em substituição ao literal, deveria ser conhecido somente no estado futuro! SDS 88.2

No livro 4, capítulo 1, ele cita Colossenses 2:16, mas não faz nenhuma exposição de seu significado. Mas tendo afirmado que as coisas ordenadas na lei não deviam ser entendidas literalmente, e, tendo sugerido que seu significado oculto não pode ser conhecido até que os santos estejam com Cristo, ele prossegue, na sessão 17 desse capítulo, tentando provar que a interpretação literal da lei é impossível. Um dos argumentos com os quais ele prova seu ponto é que os homens foram ordenados a não sair de suas casas no sábado. Assim, ele cita e comenta Êxodo 16:29: SDS 88.3

“Cada um fique onde está, ninguém saia do seu lugar no sétimo dia”; preceito que é impossível de se observar literalmente; pois ninguém pode permanecer sentado um dia inteiro de modo a não se mover do lugar onde se sentou. SDS 88.4

Orígenes cita um certo samaritano que declara que um indivíduo não deve mudar de postura no sábado; e acrescenta: “além disso, a ordem que diz: ‘não leve cargas no dia de sábado’, me parece uma impossibilidade”. SDS 89.1

Esse argumento é emoldurado a fim de provar que as Escrituras não devem ser consideradas em seu sentido literal. Mas, caso ele tivesse citado o texto corretamente, não haveria nenhuma força para o seu argumento. Eles não deveriam sair para colher o maná, mas foram ordenados expressamente a usar o sábado para santas convocações, isto é, para assembleias religiosas (Levítico 23:3). E quanto aos fardos mencionados em Jeremias 17:21-27, eles são suficientemente explicados em Neemias 13:15-22. Razões como estas por negar o óbvio, o simples significado do que Deus ordenou, não são dignas de nenhuma confiança. Em sua carta a Africano, Orígenes faz alusão ao sábado, mas sem comentários adicionais acerca esse dia: SDS 89.2

Você vai encontrar a lei sobre não carregar fardos no dia de sábado em Jeremias, bem como em Moisés. SDS 89.3

Embora essas alusões de Orígenes ao sábado não tenham em si muita importância, nós apresentamos todas elas, para que o seu testemunho seja exposto da forma mais completa possível. Sua próxima menção do sábado, parece, pelo contexto, estar relacionada a Paulo: SDS 89.4

Seria impiedade abster-se em seu sentido literal, da circuncisão, dos sábados, das festas, das luas novas, dos alimentos puros ou impuros, e voltar a mente para a boa, verdadeira e espiritual lei de Deus...? — Origen against Celsus [Orígenes contra Celso], livro 2, cap. 7. SDS 89.5

Logo compreenderemos sua ideia sobre o verdadeiro sábado, como distinto do “literal”. Ele apresenta a seguinte razão para o “sábado literal” entre os hebreus: SDS 89.6

A fim de que houvesse um tempo para ouvir às suas leis divinas, foram instituídos os dias chamados “sábados”, como também outras festas que existiam entre eles. — Livro 4, cap. 32. SDS 89.7

O que Orígenes menciona como a razão para a instituição do sábado é, na verdade, apenas um de seus benefícios casuais. A real razão para sua instituição, isto é, que a criação dos céus e da terra fosse lembrada, ele parece ter passado por alto, em razão de estar tão literalmente expressa no mandamento. Acerca do dia de descanso de Deus, ele fala o seguinte: SDS 90.1

No que diz respeito à criação do mundo e do “descanso sabático [sabbatismou] reservado depois dela ao povo de Deus”, o assunto é místico, profundo, e de difícil explanação. — Livro 5, cap. 59. SDS 90.2

A citação seguinte de Orígenes sobre o sábado não apenas relaciona a sua instituição à criação, mas nos dá uma ideia de seu sábado “místico”, distinto de um sábado “literal”. Ao falar sobre o descanso do trabalho de seis dias do Criador, ele faz alusão a Celso dessa forma: SDS 90.3

Pois ele [Celso] nada sabe sobre o dia de sábado e do descanso de Deus, que ocorreu após a conclusão da criação do mundo, que dura enquanto o mundo existir, e no qual todos aqueles que tiverem feito todas as suas obras em seus seis dias guardarão uma festa com Deus, os quais, por não terem se omitido de nenhum de seus deveres, irão ascender à contemplação [das coisas celestiais], e à assembleia dos seres justos e abençoados. — Livro 6, cap. 51. SDS 90.4

Aqui temos um vislumbre acerca do sábado místico de Orígenes. Ele começou na criação, e perdurará enquanto o mundo existir. Para aqueles que seguem a letra, é de fato apenas um descanso semanal, mas para aqueles que conhecem a verdade, é um sábado perpétuo, desfrutado por Deus durante todos os dias do tempo, e que os crentes começam a desfrutar na conversão ou na morte. E este último talvez explique porque ele disse antes, que as razões para os dias observados pelos judeus seriam entendidas depois dessa vida. SDS 90.5

Mas por último, chegamos à menção do suposto dia do Senhor por Orígenes. Como ele tem um sábado místico ou perpétuo, um dia do Senhor, como alguns dos antigos pais tinham e que, sob o pretexto de guardar cada dia como um sábado, na verdade trabalhavam todos os dias, assim também ele possui um dia do Senhor, que não é apenas um determinado dia da semana, mas que envolve todos os dias, e cobre todo o tempo. Aqui estão as suas palavras: SDS 90.6

Pois, “guardar uma festa”, como bem disse um dos sábios gregos, “nada mais é do que cumprir o seu dever”; e, o indivíduo que cumpre seu dever e ora sempre, verdadeiramente celebra uma festa, oferecendo continuamente sacrifícios sem sangue em oração a Deus. Por essa razão, julgo excelentes as palavras de Paulo: “Vocês estão observando dias especiais, meses, ocasiões específicas e anos. Temo que os meus esforços por vocês tenham sido inúteis”. SDS 91.1

Caso nos seja dirigida objeção a esse respeito, sob o argumento de que estamos acostumados a observar determinados dias, como por exemplo o dia do Senhor, a Preparação, a Páscoa ou o Pentecostes, preciso responder que, para o cristão perfeito, que em pensamento, palavra e ação está sempre servindo a seu Senhor natural – Deus, a Palavra –, todos os dias são do Senhor, e ele está sempre guardando o dia do Senhor. — Livro 8, fechamento do capítulo 21 e início do capítulo 22. SDS 91.2

Em relação ao que ele chama de dia do Senhor, Orígenes divide seus irmãos em duas classes, como ele havia dividido antes o povo de Deus em duas classes com respeito ao sábado. Uma classe compreende os cristãos imperfeitos que se contentam com o dia literal; e a outra classe compreende os cristãos perfeitos cujo dia do Senhor envolve todos os dias da vida. Sem dúvida, Orígenes se considerava um dos cristãos perfeitos. Sua observância do dia do Senhor não consistia na elevação de um dia acima do outro, pois ele considerava a todos iguais, assim constituindo um perpétuo dia do Senhor, a exata doutrina que ele encontrou em Clemente de Alexandria, que foi instrutor de Orígenes no início de sua vida. A guarda do dia do Senhor com Orígenes, assim como com Clemente, envolvia todos os dias de sua vida, e consistia, segundo Orígenes, em servir continuamente a Deus em pensamento, palavra e ação; ou, como Clemente expressa, a pessoa “guarda o [dia] do Senhor quando abandona uma disposição perversa e assume a do gnóstico”. SDS 91.3

Essas coisas provam que Orígenes não considerava o sábado como o dia do Senhor, para ser honrado acima dos outros dias como um memorial divino da ressurreição, pois ele guardava o dia do Senhor durante todos os dias da semana. Ele também não defendia o domingo como o dia do Senhor, para ser guardado como um dia de abstinência do trabalho enquanto todos os outros dias seriam dias de negócio, pois o que quer que fosse necessário para guardar o dia do Senhor, ele fazia em todos os dias da semana. SDS 92.1

Quanto ao cristão imperfeito, que honrava um dia literal como o dia do Senhor, Orígenes mostra em qual classificação esse dia se encontrava, associando-o com a Preparação, a Páscoa e o Pentecostes, os quais, nessa dispensação, são meras instituições da igreja, e nenhum deles, dias de abstinência do trabalho. A mudança do sábado do sétimo dia para o primeiro, ou a existência do suposto sábado cristão, na época de Orígenes, eram absolutamente desconhecidas. SDS 92.2