O Sábado e o Domingo nos Primeiros Três Séculos: o Testemunho Completo dos Pais da Igreja
Testemunho de Clemente de Alexandria
Esse pai nasceu por volta de 160 d.C., e morreu por volta de 220 d.C. Ele escreveu por volta de 194 d.C., e é o primeiro dos pais que usa o termo “dia do Senhor” de forma a identificá-lo com o primeiro dia da semana. No entanto, ele fala expressamente do sábado como um dia de descanso, e do primeiro dia da semana como um dia de trabalho! A mudança do sábado e a instituição do suposto sábado cristão eram igualmente desconhecidas para ele. Sobre os dez mandamentos, ele diz o seguinte: SDS 61.1
Temos o decálogo dado por Moisés, o qual, seguindo um princípio elementar, simples e de um só tipo, define a designação dos pecados de uma maneira que promove a salvação, etc. – The Instructor [O Instrutor], livro 3, cap. 12. SDS 61.2
Então faz alusão ao sábado da seguinte maneira: SDS 61.3
Logo, o Senhor não deixou de fazer o bem enquanto guardava o sábado; mas nos permitiu comunicar dos mistérios divinos, e dessa santa luz àqueles que são capazes de recebê-los. The Miscellanies [Miscelâneas], livro 1, cap. 1. SDS 61.4
Restringir-se a si mesmo de fazer o bem é obra do vício; mas evitar o mal é o princípio da salvação. Assim, o sábado, pela abstinência dos males, parece indicar domínio próprio. — Livro 4, cap. 3. SDS 61.5
Ele afirma que o amor é o Senhor do sábado: SDS 61.6
Ele condenou o homem que se gloriava de ter cumprido os preceitos da lei, de não amar seu próximo; e é por intermédio da bondade que o amor que, segundo a escala ascendente dos agnósticos é Senhor do sábado, proclama a si mesmo. — Livro 4, cap. 6. SDS 61.7
Referindo-se ao caso dos sacerdotes em Ezequiel 44:27, ele diz o seguinte: SDS 61.8
E eles purificam-se a si mesmos por sete dias, período no qual a criação foi acabada. Pois no sétimo dia é celebrado o descanso; e no oitavo, ele traz uma propiciação, como está escrito em Ezequiel, propiciação segundo a qual a promessa deve ser recebida. — Livro 4, cap. 25. SDS 61.9
Chegamos agora ao primeiro caso, nos testemunhos dos pais, em que o termo “dia do Senhor” é expressamente aplicado ao domingo. Clemente é o pai que faz isso, devidamente fundamentando-se em evidências. Ele não diz que São João aplica esse nome dessa maneira, mas encontra autoridade para isso nos escritos do filósofo pagão Platão, o qual ele acredita que tenha falado disso profeticamente! SDS 62.1
Acerca do dia do Senhor, Platão fala profeticamente no décimo livro da República, usando as seguintes palavras: “E quando sete dias tiverem se passado para cada um deles na planície, no oitavo dia devem partir e chegar em quatro dias”. A planície deve ser compreendida como a região definida, um lugar tranquilo e aprazível, a localidade dos piedosos; os sete dias são interpretados como cada movimento dos sete planetas e toda a arte prática que acelera até o ponto final de descanso. Mas após as órbitas errantes, a jornada conduz ao céu, isto é, ao oitavo movimento e dia. E ele diz que as almas se vão no quarto dia, destacando a passagem através dos quatro elementos. — Livro 5, cap. 14. SDS 62.2
O oitavo dia, ao qual Clemente aqui utiliza o termo dia do Senhor, sem dúvida ele refere-se ao primeiro dia da semana, sendo este o dia seguinte após o sábado, ou o sétimo dia. Mas depois de ter falado tudo isso em favor do oitavo dia, logo na próxima sentença ele começa a estabelecer, a partir dos escritores gregos, a santidade desse sétimo dia que os hebreus santificavam. Isso mostra que, não importa o respeito que ele tivesse pelo oitavo dia, ele certamente considerava o sétimo dia como sagrado. Portanto, ele continua: SDS 62.3
Mas o sétimo dia é considerado santo, não só pelos hebreus, mas também pelos gregos; de acordo com o qual todo o mundo animal e vegetal se desenvolve. Hesíodo fala o seguinte acerca disso: —
“O primeiro, e o quarto, e o sétimo dias da semana eram considerados santos.”
SDS 62.4
E novamente: “E no sétimo o sol resplandecente em sua órbita.” SDS 63.1
E Homero: “E então no sétimo chegou o dia santo.” SDS 63.2
E “O sétimo era santo.” SDS 63.3
E novamente: “Era o sétimo dia, e todas as coisas foram acabadas.” E novamente: “E na sétima manhã nós deixamos o rio Aqueronte.” SDS 63.4
Calímaco, o poeta, também escreve: “Era a sétima manhã, e tinham terminado todas as coisas.” SDS 63.5
E novamente: “Entre os dias bons está o sétimo dia, e a sétima corrida.” SDS 63.6
E: “O sétimo está entre os nobres, e o sétimo é perfeito.” SDS 63.7
E: SDS 63.8
“Agora todos os sete foram transformados em céu estrelado,
em círculos brilhando ao surgirem os anos.”
SDS 63.9
“As Elegias de Sólon também santificam intensamente o sétimo dia.” Livro 5, cap. 14. SDS 63.10
Algumas dessas citações não são encontradas atualmente nos escritos que Clemente cita. E, se ele as emprega corretamente ao sábado do sétimo dia ou não, o fato de aplicá-las é uma prova incontestável de que ele honrava esse dia como sagrado, não importa qual fosse sua consideração pelo dia que ele chama de oitavo. SDS 63.11
No livro 6, no capítulo 5, ele faz alusão à celebração de alguns dos sábados anuais. E no capítulo dezesseis, ele comenta acerca do quarto mandamento da seguinte maneira: SDS 63.12
E a quarta palavra anuncia que o mundo foi criado por Deus e que Ele nos deu o sétimo dia como descanso, por causa das dificuldades que existem na vida, pois Deus é incapaz de ter cansaço, sofrimento e necessitar. Mas nós, que existimos na carne, necessitamos de descanso. Por isso, o sétimo dia foi proclamado como um descanso – separação dos males – preparando-nos para o dia primordial, nosso descanso verdadeiro; o qual, na verdade, é a primeira criação da luz, na qual todas as coisas são vistas e possuídas. Desse dia, a primeira sabedoria e o primeiro conhecimento nos iluminam. SDS 63.13
Isso certamente ensina que o sábado foi feito para o ser humano, e que agora precisa dele como um dia de descanso. Também indica que Clemente reconhecia a autoridade do quarto mandamento, pois aborda os dez mandamentos em ordem, e comenta o que cada um ordena ou proíbe. No parágrafo seguinte, porém, ele faz algumas sugestões dignas de nota: SDS 64.1
Tendo chegado a esse ponto, é importante mencionar, a propósito, essas coisas, uma vez que o discurso passou a se referir ao sétimo e ao oitavo. É possível, pois, que o oitavo venha a ser de maneira apropriada o sétimo, e o sétimo, manifestamente o sexto, e o último, apropriadamente o sábado, e o sétimo, um dia de trabalho. Pois a Criação do mundo foi concluída em seis dias. — Livro 6, cap. 16.4 SDS 64.2
Clemente acredita ser possível que o oitavo dia (domingo) realmente seja o sétimo dia, e que o sétimo dia (sábado) seja de fato o verdadeiro sexto dia. Mas não deixemos que nossos amigos defensores do primeiro dia se alegrem com isso, pois Clemente de forma nenhuma os auxilia. Tendo dito que o domingo pode ser apropriadamente o sétimo dia, e o sábado manifestamente o sexto dia, ele chama “o ÚLTIMO apropriadamente de sábado, e o sétimo, um dia de trabalho”! A expressão “O último” deve ser necessariamente compreendida como o último dia mencionado, o qual ele diz que deveria ser chamado não de sétimo, mas de sexto; e, ao falar “o sétimo”, ele certamente deve ser compreendido como aquele dia o qual ele diz não ser o oitavo, mas o sétimo, isto é, o domingo. Segue-se, portanto, que na opinião de Clemente o domingo era um dia comum de trabalho, e o sábado, o dia de descanso. Ele teve uma excelente oportunidade de dizer que o oitavo dia, ou domingo, não era apenas o sétimo dia, mas também o verdadeiro sábado, mas ao invés de fazê-lo, ele atribui essa honra ao dia que ele diz não ser o sétimo, mas o sexto, e declara que o real sétimo dia, ou domingo, é “um dia de trabalho”. E prossegue longamente para mostrar a santidade e importância do número seis. Sua opinião sobre a contagem dos dias não é importante; mas o fato de que esse pai o qual é o primeiro escritor a relacionar o termo “dia do Senhor” com o oitavo dia, ou domingo, expressamente apresenta esse dia como um dia de trabalho comum, e também atribui ao dia anterior a honra do sábado, é algo que deveria calar a boca daqueles que o reivindicam como um crente no suposto sábado cristão. SDS 64.3
No mesmo capítulo, esse escritor faz vaga alusão ao sábado, aparentemente compreendendo que ele prefigura o descanso que resta ao povo de Deus: SDS 65.1
Então, certamente eles consideram o número sete [como] órfão e sem filhos, interpretando o sábado, e figurativamente expressando a natureza do descanso, no qual “nem se casarão, nem se darão em casamento”. SDS 65.2
A seguinte citação encerra o testemunho de Clemente. Aqui, ele fala do preceito acerca do jejum, que é cumprido pela abstinência de prazeres pecaminosos. Ele diz o seguinte: SDS 65.3
Então, ele jejua segundo a lei, abstendo-se dos maus atos, e, segundo a perfeição do evangelho, dos maus pensamentos. Logo, as tentações lhe são aplicadas, não para sua purificação, mas, como já dissemos, para o bem do seu próximo, caso sendo tentado pelas dificuldades e dores, as tenha desprezado e não feito caso delas. As mesmas situações de prazer. Pois, a conquista é maior para alguém que já tenha experimentado, abster-se posteriormente. Pois que grande coisa é essa, alguém se restringir do que não conhece? Em cumprimento ao preceito, de acordo com o evangelho, o indivíduo guarda o dia do Senhor quando abandona uma disposição para o mal e assume a do gnóstico, glorificando a ressurreição do Senhor em si mesmo. — Livro 7, cap. 12. SDS 65.4
Clemente afirma que uma pessoa verdadeiramente jejua de acordo com a lei quando se abstém de praticar maus atos, e, de acordo com o evangelho, quando se abstém dos maus pensamentos. Ele mostra como se cumpre o preceito acerca do jejum ao falar de alguém que “em cumprimento do preceito, segundo o evangelho, guarda o dia do Senhor quando abandona uma disposição para o mal”. Esse abandono de uma disposição para o mal, segundo Clemente, representa a guarda do dia do Senhor, e a glorificação da ressurreição do Senhor. Mas esse dever não pertence apenas a um dia da semana, mas a todos igualmente, de forma que ele parece, evidentemente, inculcar um dia do Senhor perpétuo, como Justino Mártir ordena a observância de um “sábado perpétuo”, a ser aceitavelmente santificado por aqueles que observam o verdadeiro arrependimento. Apesar desses autores nem sempre serem consistentes consigo mesmos, ainda assim dois fatos vão mostrar que Clemente nesse livro quis dizer exatamente o que suas palavras literalmente dizem, isto é, que a guarda do dia do Senhor e a glorificação da ressurreição não são a observância de um determinado dia da semana, mas a prática de uma obra que envolve todos os dias da vida de uma pessoa. SDS 66.1
1. O primeiro desses fatos encontra-se em sua declaração expressa dessa doutrina, no primeiro parágrafo do sétimo capítulo desse livro onde ele diz o seguinte: SDS 66.2
Agora, é-nos ordenado reverenciar e honrar a mesma pessoa, estando convencidos de que Ele é a Palavra, o Salvador e o Líder, e por Ele, o Pai, NÃO EM DIAS ESPECIAIS, COMO EM ALGUNS OUTROS, mas fazendo isso continuamente por toda a nossa vida, e em todos os sentidos. Certamente, a raça eleita, justificada pelo preceito, diz: “sete vezes por dia tenho Te louvado”. Onde, não em um lugar específico, ou templo escolhido, ou em determinadas festas e em dias designados, mas durante toda a sua vida, o gnóstico em todos os lugares, mesmo se estiver sozinho e onde quer que esteja com aqueles que exercem a mesma fé, honra a Deus; isto é, reconhece sua gratidão pelo conhecimento do caminho para a vida. — Livro 7, cap. 7. SDS 66.3
2. O segundo desses fatos é que, no livro 6, capítulo 16, como já foi citado, ele expressamente apresenta o domingo como “um dia de trabalho”. SDS 67.1
Certamente, Clemente de Alexandria não deveria ser mencionado como alguém que ensina a mudança do sábado, ou que defende o suposto sábado cristão. SDS 67.2