Daniel e Apocalipse
Daniel 2 — A Grande Estátua
VERSÍCULO 1. No segundo ano do reinado de Nabucodonosor, teve este um sonho; o seu espírito se perturbou, e passou-se-lhe o sono. DAP 29.1
Daniel foi levado cativo no primeiro ano de Nabucodonosor. Por três anos, ele foi ensinado por instrutores. Durante esse período ele não seria, é claro, contado entre os sábios do reino, nem participaria do serviço público. No entanto, os acontecimentos registrados neste capítulo ocorreram no segundo ano do reinado de Nabucodonosor. Como, então, Daniel teria sido levado para interpretar o sonho do rei em seu segundo ano de governo? A explicação se encontra no fato de Nabucodonosor ter sido corregente do pai Nabopolassar por dois anos. Os judeus contavam a partir desse momento, ao passo que os caldeus consideravam o início de seu reinado a partir do momento em que começou a governar sozinho, por ocasião da morte do pai. Logo, o ano aqui mencionado corresponde ao segundo ano de seu reinado de acordo com o sistema caldeu de contagem, mas o quarto segundo o judaico. Parece que no ano seguinte ao término do preparo para participar da administração do império caldeu, a providência de Deus colocou Daniel em súbita e maravilhosa notoriedade em todo o reino. DAP 29.2
VERSÍCULO 2. Então, o rei mandou chamar os magos, os encantadores, os feiticeiros e os caldeus, para que declarassem ao rei quais lhe foram os sonhos; eles vieram e se apresentaram diante do rei. DAP 29.3
Os magos eram aqueles que praticavam a magia, usando o termo em seu sentido negativo, isto é, praticavam todos os ritos e as cerimônias supersticiosas dos adivinhadores, bruxos etc. Os encantadores ou astrólogos (ARC) eram homens que diziam poder prever acontecimentos futuros por meio do estudo das estrelas. A ciência, ou a superstição, da astrologia era vastamente cultivada pelas nações orientais da antiguidade. Os feiticeiros imaginavam poder se comunicar com os mortos. Cremos que é nesse sentido que o termo é sempre usado nas Escrituras. O espiritualismo moderno não passa de um reavivamento da antiga feitiçaria pagã. Os caldeus aqui mencionados eram um grupo de filósofos semelhante aos magos e astrólogos, que estudavam física, adivinhação etc. Todos esses grupos ou profissões existiam em abundância em Babilônia. O objetivo de cada um deles era o mesmo, a saber, explicar os mistérios e prever acontecimentos futuros. A principal diferença era o meio usado para alcançar esse alvo. A dificuldade do rei dizia respeito igualmente ao campo de explicação de cada um, por isso convocou todos. Era um assunto importante para o monarca. Ele estava extremamente perturbado e, por isso, concentrou toda a sabedoria do reino na solução de sua perplexidade. DAP 29.4
VERSÍCULO 3. Disse-lhes o rei: Tive um sonho, e para sabê-lo está perturbado o meu espírito. 4. Os caldeus disseram ao rei em aramaico: Ó rei, vive eternamente! Dize o sonho a teus servos, e daremos a interpretação. DAP 30.1
Quaisquer que fossem as deficiências dos magos e astrólogos, eles pareciam ser perfeitamente escolados na arte de extrair informações suficientes a fim de formar a base para um cálculo astuto, ou para proferir uma resposta tão ambígua que seria igualmente aplicável, qualquer que fosse o resultado. Na presente situação, em consonância com o instinto de sagacidade, eles tentaram convencer o rei a lhes revelar qual havia sido o sonho. Se conseguissem reunir todas as informações a esse respeito, facilmente concordariam em alguma interpretação que não prejudicasse a reputação deles. Eles se dirigiram ao rei em siríaco, dialeto da língua dos caldeus usado pelas classes educadas e cultas. Desse ponto até o fim do capítulo 7, o registro continua em caldeu, ou aramaico. DAP 30.2
VERSÍCULO 5. Respondeu o rei e disse aos caldeus: Uma coisa é certa: se não me fizerdes saber o sonho e a sua interpretação, sereis despedaçados, e as vossas casas serão feitas monturo; 6. mas, se me declarardes o sonho e a sua interpretação, recebereis de mim dádivas, prêmios e grandes honras; portanto, declarai-me o sonho e a sua interpretação. 7. Responderam segunda vez e disseram: Diga o rei o sonho a seus servos, e lhe daremos a interpretação. 8. Tornou o rei e disse: Bem percebo que quereis ganhar tempo, porque vedes que o que eu disse está resolvido, 9. isto é: se não me fazeis saber o sonho, uma só sentença será a vossa; pois combinastes palavras mentirosas e perversas para as proferirdes na minha presença, até que se mude a situação; portanto, dizei-me o sonho, e saberei que me podeis dar-lhe a interpretação. 10. Responderam os caldeus na presença do rei e disseram: Não há mortal sobre a terra que possa revelar o que o rei exige; pois jamais houve rei, por grande e poderoso que tivesse sido, que exigisse semelhante coisa de algum mago, encantador ou caldeu. 11. A coisa que o rei exige é difícil, e ninguém há que a possa revelar diante do rei, senão os deuses, e estes não moram com os homens. 12. Então, o rei muito se irou e enfureceu; e ordenou que matassem a todos os sábios da Babilônia. 13. Saiu o decreto, segundo o qual deviam ser mortos os sábios; e buscaram a Daniel e aos seus companheiros, para que fossem mortos. DAP 30.3
Esses versículos contêm o relato da disputa desesperada entre os supostos sábios e o rei; os primeiros tentando encontrar algum meio de escape, ao perceber que haviam sido pegos nas próprias artimanhas, e o último determinado a ordenar que eles deveriam revelar qual fora o sonho, nada além do que a profissão deles permitiria que ele exigisse. Há quem censure Nabucodonosor duramente por essa questão, afirmando que a ordem partiu de um tirano irracional e sem coração. Mas o que esses magos afirmavam ser capazes de fazer? Revelar coisas ocultas; prever acontecimentos futuros; tornar conhecidos mistérios muito além da visão e da perspicácia humana. E alegavam fazer isso por intermédio do auxílio de agentes sobrenaturais. Se o que diziam tinha qualquer valor, não teriam condições de contar ao rei o que ele havia sonhado? Sem dúvida! E se eram capazes, após saber qual era o sonho, de prover uma interpretação confiável do mesmo, também não teriam condições de revelar o sonho em si que o rei tivera? Certamente, caso houvesse qualquer virtude em sua suposta conexão com o outro mundo. Logo, não havia nada de injusto na exigência feita por Nabucodonosor de que lhe revelassem o sonho. E quando declararam (v. 11), que ninguém, a não ser os deuses que não moram com mortais, poderia tornar conhecida a questão ao rei, tratava-se de um reconhecimento tácito de que eles não tinham nenhum meio de comunicação com esses deuses e nada sabiam além do que a sabedoria e o discernimento humanos são capazes de revelar. É por isso que o rei ficou irado e muito furioso. Percebeu que ele e todo seu povo haviam sido vítimas de engano. Ele os acusou (v. 9) de tentarem enrolar e ganhar tempo até “que se mude a situação”, ou seja, até o assunto sair da cabeça do rei, sua ira por causa da duplicidade dos sábios se esfriar e ele próprio contar o sonho ou não se importar se seu conteúdo fosse revelado e interpretado ou não. Muito embora não possamos justificar as medidas extremas às quais ele recorreu, condenando-os à morte e suas casas à destruição, só conseguimos sentir profunda simpatia pelo monarca ao condenar uma classe de impostores miseráveis. A gravidade da sentença provavelmente se atribui mais aos costumes daquela época do que a qualquer perversidade da parte do rei. Mesmo assim, foi um passo ousado e desesperado. Pense em quem foram os indivíduos que incorreram de tal modo na ira do rei. Eram grupos numerosos, abastados e influentes. Além disso, formavam a classe instruída e culta daqueles dias. O soberano, porém, não se encontrava tão apegado à falsa religião deles a ponto de poupá-los, mesmo com toda a influência a seu favor. Caso o sistema fosse fraudulento e opressor, deveria cair, por mais elevados que fossem seus partidários em número ou posição ou que muitos deles se envolvessem em sua ruína. O rei não toleraria desonestidade, nem engano. DAP 30.4
VERSÍCULO 14. Então, Daniel falou, avisada e prudentemente, a Arioque, chefe da guarda do rei, que tinha saído para matar os sábios da Babilônia. 15. E disse a Arioque, encarregado do rei: Por que é tão severo o mandado do rei? Então, Arioque explicou o caso a Daniel. 16. Foi Daniel ter com o rei e lhe pediu designasse o tempo, e ele revelaria ao rei a interpretação. 17. Então, Daniel foi para casa e fez saber o caso a Hananias, Misael e Azarias, seus companheiros, 18. para que pedissem misericórdia ao Deus do Céu sobre este mistério, a fim de que Daniel e seus companheiros não perecessem com o resto dos sábios da Babilônia. DAP 31.1
Nessa narrativa, vemos a providência de Deus operando em vários detalhes notáveis. DAP 31.2
1. Foi providencial o sonho do rei ter deixado uma impressão tão poderosa em sua mente a ponto de despertar nele o mais alto nível de ansiedade, mas não conseguir se recordar dos fatos em si. Isso levou à exposição completa do falso sistema dos magos e outros mestres pagãos; pois, quando colocados à prova para revelar o sonho, descobriu-se que eram incapazes de fazer aquilo que sua profissão os encarregava de realizar. DAP 31.3
2. É digno de nota o fato de Daniel e seus amigos, considerados pelo rei, pouco tempo antes, dez vezes superiores a todos os magos e astrólogos, não terem sido consultados antes a esse respeito, ou melhor, não terem sido consultados em momento nenhum. Mas houve a mão da providência nisso. Assim como a lembrança do sonho foi oculta do rei, ele também inexplicavelmente foi impedido de convocar Daniel para resolver o mistério. Pois, caso tivesse chamado Daniel logo de início, e este tivesse revelado toda a questão, os magos não teriam sido colocados à prova. Mas Deus deu a chance primeiro aos sistemas pagãos dos caldeus. Permitiu que eles tentassem e falhassem vergonhosamente, mesmo sob ameaça de pena de morte, a fim de estarem mais preparados para reconhecer Sua mão quando finalmente a estendesse em favor de Seus servos cativos e para a honra do próprio nome. DAP 31.4
3. Parece que a primeira notícia que Daniel teve sobre a questão foi a presença dos executores, que foram levá-lo preso. Com a própria vida correndo perigo, ele buscaria ao Senhor de todo o coração até que Este agisse para sua libertação. O pedido de Daniel ao rei de um tempo para analisar a questão é concedido, privilégio que nenhum dos magos teria conseguido, uma vez que o rei já os acusara de elaborar palavras mentirosas e corruptas e de tentar ganhar tempo justamente para esse fim. De imediato, Daniel procurou seus três amigos e pediu que se unissem a ele suplicando a misericórdia do Deus dos céus acerca desse segredo. Ele poderia ter orado sozinho e, sem dúvida, seria ouvido. Mas, naquela época, bem como agora, há grande poder na união do povo de Deus. E a promessa de cumprir aquilo que é pedido é feita aos dois ou três que se reúnem com o mesmo propósito (Mateus 18:20). DAP 32.1
VERSÍCULO 19. Então, foi revelado o mistério a Daniel numa visão de noite; Daniel bendisse o Deus do Céu. 20. Disse Daniel: Seja bendito o nome de Deus, de eternidade a eternidade, porque Dele é a sabedoria e o poder; 21. é Ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; Ele dá sabedoria aos sábios e entendimento aos inteligentes. 22. Ele revela o profundo e o escondido; conhece o que está em trevas, e com Ele mora a luz. 23. A Ti, ó Deus de meus pais, eu Te rendo graças e Te louvo, porque me deste sabedoria e poder; e, agora, me fizeste saber o que Te pedimos, porque nos fizeste saber este caso do rei. DAP 32.2
Não nos é dito se a resposta veio enquanto Daniel e seus amigos ainda estavam em oração. Caso isso tenha ocorrido, percebe-se a perseverança deles na questão. Pois foi por meio de uma visão noturna que Deus Se revelou em favor deles. Isso mostraria que deram continuidade às súplicas, conforme é razoável inferir, até tarde da noite, sem cessar até a resposta ser obtida. Ou, caso a sessão de orações tenha se encerrado e Deus enviado uma resposta em um momento posterior, o fato revela que, conforme às vezes nos ocorre, as orações não são sem valor mesmo que não recebam resposta imediata. Alguns acreditam que o conteúdo foi revelado a Daniel por meio de um sonho idêntico ao que Nabucodonosor tivera; mas Matthew Henry considera mais provável que, “enquanto ele estava acordado, perseverando firme em oração, o sonho em si e sua interpretação lhe foram comunicados pelo ministério de um anjo, para sua evidente satisfação”. A expressão “visão de noite” significa qualquer coisa que é vista, seja por meio de sonhos ou de visões. DAP 32.3
Daniel imediatamente louvou a Deus por Sua graça para com eles. Embora a oração não esteja registrada, sua reação de agradecimento é devidamente relatada. Deus é honrado quando O louvamos pelas coisas que Ele faz por nós, assim como por reconhecermos em oração nossa necessidade de Sua ajuda. Que a atitude de Daniel seja nosso exemplo a esse respeito. Que nenhuma misericórdia das mãos de Deus deixe de receber o devido retorno em ações de graças e louvor. Não foram dez os leprosos curados? “Onde estão” — perguntou Cristo com tristeza — “os outros nove?” (Lucas 17:17, NVI). DAP 33.1
Daniel teve a mais absoluta confiança naquilo que lhe foi mostrado. Ele não procurou o rei primeiro, a fim de ver se aquilo que lhe fora revelado era de fato o sonho do monarca; mas louvou a Deus imediatamente por ter atendido sua oração. DAP 33.2
Embora o caso tenha sido revelado a Daniel, ele não assumiu os créditos, como se somente suas orações houvessem alcançado tal feito, mas logo associou os amigos a si e reconheceu que fora uma resposta às orações deles, tanto quanto às próprias. Foi, disse ele, “o que Te pedimos” e “nos fizeste saber”. DAP 33.3
VERSÍCULO 24. Por isso, Daniel foi ter com Arioque, ao qual o rei tinha constituído para exterminar os sábios da Babilônia; entrou e lhe disse: Não mates os sábios da Babilônia; introduze-me na presença do rei, e revelarei ao rei a interpretação. DAP 33.4
O primeiro pedido de Daniel foi pelos sábios de Babilônia. Não os destrua, pois o segredo do rei foi revelado. É verdade que a revelação não ocorreu por nenhum mérito deles ou de seus sistemas pagãos de adivinhação. Eles continuavam tão merecedores de condenação quanto antes. Mas a confissão que fizeram da total impotência diante do caso já fora humilhação suficiente para eles, e Daniel estava ansioso de que participassem dos benefícios a ele revelados e tivessem a vida poupada. Logo, foram salvos porque um homem de Deus se encontrava entre eles. E sempre é assim. Por causa de Paulo e Silas, todos os prisioneiros que estavam na prisão com eles foram soltos (Atos 16:26). Por causa de Paulo, a vida de todos os que estavam no navio com ele foi salva (Atos 27:24). Dessa maneira são os ímpios beneficiados pela presença dos justos. Seria muito bom se estes se lembrassem das obrigações que isso lhes traz. O que salva o mundo hoje? Por causa de quem ele ainda é poupado? Pelos poucos justos que ainda restam. Se estes fossem retirados, por quanto tempo se toleraria que os maus continuassem em seu caminho de culpa? Não mais do que os antediluvianos foram tolerados, depois que Noé entrou na arca, ou os habitantes de Sodoma, após Ló se afastar de sua presença poluída e poluente. Se tão somente dez pessoas justas houvessem sido encontradas em Sodoma, por causa deles, a multidão de habitantes ímpios teria sido poupada. Mesmo assim, os maus desprezam, ridicularizam e oprimem justamente aqueles que são o motivo de ainda terem permissão para desfrutar a vida e todas as suas bênçãos. DAP 33.5
VERSÍCULO 25. Então, Arioque depressa introduziu Daniel na presença do rei e lhe disse: Achei um dentre os filhos dos cativos de Judá, o qual revelará ao rei a interpretação. DAP 33.6
Ministros e cortesãos sempre têm a característica de buscar o favor do soberano. Nessa ocasião, Arioque se apresentou como aquele que encontrara o homem capaz de trazer a interpretação desejada, como se, sem interesse algum, apenas em favor do rei, ele estivesse em busca de alguém para resolver aquela dificuldade, até finalmente encontrar. A fim de identificar esse engano da parte do chefe dos algozes, o rei só precisaria se lembrar, como muito provavelmente o fez, de sua conversa com Daniel (v. 16), e da promessa que este fizera, caso tivesse um tempo, de dizer qual era a interpretação do sonho. DAP 34.1
VERSÍCULO 26. Respondeu o rei e disse a Daniel, cujo nome era Beltessazar: Podes tu fazer-me saber o que vi no sonho e a sua interpretação? 27. Respondeu Daniel na presença do rei e disse: O mistério que o rei exige, nem encantadores, nem magos, nem astrólogos o podem revelar ao rei; 28. mas há um Deus no Céu, o qual revela os mistérios, pois fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de ser nos últimos dias. O teu sonho e as visões da tua cabeça, quando estavas no teu leito, são estas: DAP 34.2
“Podes tu fazer-me saber o que vi no sonho?” — foi a saudação duvidosa do rei a Daniel, quando este se apresentou diante dele. Apesar de já ter conhecimento prévio sobre Daniel, o rei parece ter questionado a habilidade de alguém tão jovem e inexperiente para revelar um caso que os veneráveis magos e feiticeiros mais velhos haviam falhado completamente em resolver. Daniel foi bem claro em dizer que nem sábios, nem encantadores, nem magos, nem astrólogos seriam capazes de tornar conhecido o segredo. Era algo além de seu poder. Por isso, o rei não deveria se irar com eles, nem depositar confiança em suas superstições inúteis. Continuou então contando que o Deus verdadeiro, que governa no Céu, é o único capaz de revelar mistérios. E foi Ele, declarou Daniel, quem tornou conhecido ao rei Nabucodonosor o que aconteceria nos últimos dias. DAP 34.3
VERSÍCULO 29. Estando tu, ó rei, no teu leito, surgiram-te pensamentos a respeito do que há de ser depois disto. Aquele, pois, que revela mistérios te revelou o que há de ser. 30. E a mim me foi revelado este mistério, não porque haja em mim mais sabedoria do que em todos os viventes, mas para que a interpretação se fizesse saber ao rei, e para que entendesses as cogitações da tua mente. DAP 34.4
Esta passagem revela mais uma das características louváveis do caráter de Nabucodonosor. Ao contrário de alguns governantes, que preenchem o presente com insensatez e devassidão, sem se preocupar com o futuro, ele pensava sobre os dias vindouros, com o ansioso desejo de saber o que haveria de ser depois. Sem dúvida, seu objetivo com isso era saber como fazer o uso mais sábio do presente. Por essa razão Deus lhe deu o sonho, o que pode ser visto como sinal do favor divino para com o rei, uma vez que a verdade a esse respeito poderia ser trazida à tona de diversas outras maneiras, concedendo igual glória ao nome de Deus e visando ao bem das pessoas tanto daquela época quanto das gerações vindouras. Mas Deus não operaria em favor do rei independentemente de Seu povo. Por isso, embora tenha concedido o sonho ao monarca, enviou a interpretação por intermédio de um de Seus reconhecidos servos. Em primeiro lugar, Daniel tirou de si todo o crédito pela revelação. Em seguida, para desviar o sentimento de orgulho que seria natural que o rei tivesse, ao perceber que recebera tamanha atenção do Deus do Céu, o hebreu lhe informou de maneira indireta que, embora o sonho lhe houvesse sido dado, não fora apenas para seu benefício que Deus concedera a interpretação, mas para o bem daqueles que tomariam conhecimento dela. Ah! Deus tinha alguns servos ali, e era para eles que estava operando. Estes têm mais valor a Seus olhos do que os mais poderosos reis e potentados da Terra. Não fosse por eles, o rei nunca teria ficado sabendo da interpretação do sonho e provavelmente nem do sonho em si. Assim, sempre que investigarmos a fonte de todos os favores, não importa a quem tenham sido concedidos, veremos que eles se devem à consideração de Deus por Seus filhos. Quão ampla é a obra divina em favor deles. Por meio desse único ato de revelar o sonho do rei a Daniel, Ele cumpriu os seguintes objetivos: 1) revelou ao rei as coisas que desejava; 2) salvou os servos que confiavam Nele; 3) levou à nação caldeia, sem sombra de dúvidas, o conhecimento do Deus verdadeiro; 4) promoveu o desprezo pelos falsos sistemas dos magos e feiticeiros; e 5) honrou o próprio nome, além de exaltar Seus servos diante dos olhos da corte babilônica. DAP 34.5
VERSÍCULO 31. Tu, ó rei, estavas vendo, e eis aqui uma grande estátua; esta, que era imensa e de extraordinário esplendor, estava em pé diante de ti; e a sua aparência era terrível. 32. A cabeça era de fino ouro, o peito e os braços, de prata, o ventre e os quadris, de bronze; 33. as pernas, de ferro, os pés, em parte, de ferro, em parte, de barro. 34. Quando estavas olhando, uma pedra foi cortada sem auxílio de mãos, feriu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmiuçou. 35. Então, foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, os quais se fizeram como a palha das eiras no estio, e o vento os levou, e deles não se viram mais vestígios. Mas a pedra que feriu a estátua se tornou em grande montanha, que encheu toda a Terra. DAP 36.1
Nabucodonosor, praticante da religião caldeia, era idólatra. Uma estátua era um objeto que prontamente despertaria sua atenção e seu respeito. Além disso, conforme veremos a seguir, os reis terrenos representados por esse tipo de estátua eram alvo de estima e valor a seus olhos. Com a mente desprovida do esclarecimento concedido pela luz da revelação, ele não estava preparado para fazer uma correta avaliação da glória e riqueza terrenas, de modo a ver os governos terrenos como Deus os vê. Por isso encontramos tamanha harmonia entre o valor que ele atribuía a essas coisas e o objeto representado diante dele. Para Nabucodonosor, os fatos foram apresentados sob a forma de uma grande estátua, um objeto digno de valor e admiração a seus olhos. Com Daniel, o caso era bem diferente. Ele era capaz de entender o real significado de toda a grandeza e glória não edificadas sobre o favor e a aprovação de Deus. Para ele, então, esses mesmos reinos terrenos foram mostrados posteriormente (ver capítulo 7) sob a forma de animais cruéis e ferozes. DAP 36.2
Mas que adaptação admirável foi essa representação para comunicar uma grande e necessária verdade à mente de Nabucodonosor! Além de delinear o progresso dos eventos no decorrer do tempo para o benefício de Seu povo, Deus mostrou a Nabucodonosor todo o vazio e a futilidade da pompa e da glória terrenas. De que modo isso seria mais impressionante do que por meio de uma estátua iniciando com o mais precioso dos metais até finalmente chegarmos aos materiais mais rudes e ásperos — ferro misturado com barro lamacento —, sendo então totalmente partida em pedaços? Tudo ficou como a palha que o vento leva, sem qualquer valor, mais leve que a vaidade, sendo soprada para um lugar onde ninguém seria capaz de encontrar, até que, por fim, algo durável e de valor celestial ocupou seu lugar. Assim, Deus revelou aos filhos dos homens que os reinos terrenos passarão, e a grandeza e a glória deste mundo, como uma bolha pomposa, estourarão e desaparecerão. Então o reino de Deus, cujo lugar foi usurpado por eles durante tanto tempo, será estabelecido, não terá fim e todos que por ele se interessaram descansarão à sombra de suas asas pacíficas para todo o sempre. Mas estamos adiantando o assunto. Voltemos à interpretação. DAP 36.3
VERSÍCULO 36. Este é o sonho; e também a sua interpretação diremos ao rei. 37. Tu, ó rei, rei de reis, a quem o Deus do Céu conferiu o reino, o poder, a força e a glória; 38. a cujas mãos foram entregues os filhos dos homens, onde quer que eles habitem, e os animais do campo e as aves do céu, para que dominasses sobre todos eles, tu és a cabeça de ouro. DAP 37.1
Neste momento se abre um dos capítulos mais sublimes da história humana. Oito versículos curtos do registro inspirado contam o caso inteiro; contudo, esse caso abarca toda a história da pompa e do poder até o momento. Bastam alguns instantes para memorizá-los, porém o período que abrangem, começando há 25 séculos, se estende desde esse ponto remoto do passado, passando pela ascensão e queda de reinos, a criação e o esfacelamento de impérios, por ciclos e eras até nossos dias, chegando ao estado eterno. É tão abrangente que engloba tudo isso. Contudo, é também tão minucioso que nos apresenta todo o grande esboço dos reinos terrenos daqueles dias até o momento presente. A sabedoria humana nunca seria capaz de elaborar um relato em tão poucas palavras, contendo tantas verdades históricas. O dedo de Deus está ali. Aprendamos bem a lição. DAP 37.2
Com que interesse e perplexidade o rei deve ter ouvido, ao ser informado pelo profeta que ele, ou melhor, seu reino, o rei simbolizando o reino (veja o versículo seguinte), era a cabeça de ouro da estátua magnífica que ele contemplara. Os reis da antiguidade eram agradecidos pelo sucesso; em caso de prosperidade, a divindade tutelar a quem atribuíam o sucesso era o objeto de adoração, e sobre ela derramavam os mais ricos tesouros e a mais profunda devoção. Daniel informa indiretamente ao rei que, no caso dele, tudo aquilo se devia ao Deus do Céu, uma vez que fora Ele quem concedera o reino e o transformara em governante sobre tudo. Isso impediria Nabucodonosor de se orgulhar ao pensar que havia alcançado aquela posição por sabedoria ou poder próprios, direcionando a gratidão de seu coração ao Deus verdadeiro. DAP 37.3
O reino de Babilônia, que finalmente veio a se tornar a cabeça de ouro dessa grande estátua histórica, foi fundado por Ninrode, bisneto de Noé, mais de dois mil anos antes de Cristo: DAP 37.4
“Cuxe gerou a Ninrode, o qual começou a ser poderoso na terra. Foi valente caçador diante do Senhor; daí dizer-se: Como Ninrode, poderoso caçador diante do Senhor. O princípio do seu reino foi Babel [Babilônia, na margem da KJV], Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar” (Gênesis 10:8-10). DAP 37.5
Parece que Ninrode também fundou a cidade de Nínive, que posteriormente se tornou a capital da Síria (confira a referência marginal sobre Gênesis 10:11, na KJV, e o verbete Síria na Cyclopedia de Johnson). A síntese a seguir da história de Babilônia, da Universal Cyclopedia de Johnson, verbete Babilônia, está de acordo com as mais recentes autoridades sobre o assunto: DAP 38.1
“Por volta de 1270 a.C., os reis assírios se tornaram senhores da Caldeia, ou Babilônia, cuja capital era Babilônia. A partir de então, o país foi governado por uma dinastia de reis assírios, que reinavam em Babilônia e, às vezes, guerreavam contra os que governavam a Assíria propriamente dita. Em outras ocasiões, os reis de Babilônia eram vassalos dos da Assíria. Vários séculos se passaram nos quais a história de Babilônia é quase uma lacuna. Na época de Tiglate-Pileser da Assíria, Nabonassar ascendeu ao trono de Babilônia em 747 a.C. Ele é celebrado pela era cronológica que leva seu nome, a qual iniciou em 747 a.C. Por volta de 720, Merodaque-Baladã se tornou rei de Babilônia e enviou embaixadores a Ezequias, rei de Judá (ver 2Rs 20 e Isaías 39). Alguns anos mais tarde, Sargão, rei da Assíria, derrotou e destronou Merodaque-Baladã. Senaqueribe concluiu a conquista de Babilônia, que foi anexada ao império assírio por volta de 690 a.C. A conquista de Nínive e a derrocada do império assírio, efetuada em torno de 625 a.C., pelo medo Ciaxares e seu aliado Nabopolassar, governador rebelde de Babilônia, permitiram que o último fundasse o império babilônico, a quarta das “cinco grandes monarquias” de Rawlinson, que incluía o vale do Eufrates, Selêucia, Síria e Palestina. Seu reinado durou em torno de 21 anos, e provavelmente era um monarca pacifico, já que sua história passa praticamente despercebida. Em 605 a.C., porém, seu exército derrotou Neco, rei do Egito, que havia invadido a Síria. Foi sucedido pelo filho, mais célebre que ele, Nabucodonosor (604 a.C.), o maior de todos os reis de Babilônia.” DAP 38.2
Jerusalém foi tomada por Nabucodonosor no primeiro ano de seu reinado e terceiro de Jeoaquim, rei de Judá (Daniel 1:1), em 606 a.C. Nabucodonosor reinou dois anos em corregência com o pai, Nabopolassar. Os judeus contam seu reinado desde esse momento, já os caldeus, a partir do momento em que começou a reinar sozinho, em 604 a.C., conforme explicado anteriormente. A respeito dos sucessores de Nabucodonosor, a autoridade acima acrescenta: DAP 38.3
“Ele morreu em 561 a.C., e foi sucedido por seu filho, Evil-Merodaque, que reinou por apenas dois anos. Nabonido subiu ao trono em 555 a.C. e fez aliança com Creso contra Ciro, o Grande. Ao que parece, ele compartilhava o poder real com o filho Belsazar, cuja mãe era filha de Nabucodonosor. Ciro cercou Babilônia e a tomou por meio de um estratagema em 538 a.C. Com a morte de Belsazar, executado pelos persas, o reino de Babilônia deixou de existir.” DAP 38.4
Quando afirmamos que a estátua de Daniel 2 simboliza as quatro grandes monarquias universais proféticas e consideramos Babilônia a primeira delas, alguns perguntam como isso pode ser verdade, já que os outros países do mundo nunca se encontraram sob seu domínio absoluto. Assim, Babilônia nunca conquistou a Grécia ou Roma; mas Roma foi fundada antes que Babilônia chegasse ao auge de seu poder. Contudo, a posição e a influência de Roma ainda pertenciam ao futuro. Logo, nada há contra a profecia no fato de Deus começar a preparar Seus agentes muito antes de desempenharem o papel proeminente que lhes foi reservado no cumprimento da profecia. Devemos nos posicionar junto ao profeta e olhar para esses reinos do mesmo ponto de vista. Então analisaremos suas declarações da forma devida à luz do local em que ele se encontrava, da época em que escreveu e das circunstâncias que o cercavam. Uma regra clara de interpretação é que as nações passam a receber destaque nas profecias quando sua ligação com o povo de Deus se torna tão forte que é necessário mencioná-las a fim de que os registros da história sagrada sejam completos. Quando isso aconteceu com Babilônia, do ponto de vista do profeta, aquele era o grande e poderoso centro do mundo político. A seus olhos, obscurecia todos os outros, e naturalmente ele se referiria a esse reino como dominador de toda a Terra. Até onde sabemos, todas as províncias ou países que Babilônia atacou durante o auge de seu poder foram subjugados por seu braço. Nesse sentido, tudo se encontrava sob seu domínio e tal fato explica a linguagem um tanto quanto hiperbólica do versículo 38. O fato de haver, na época, alguns territórios e um número considerável de povos, desconhecidos para a história, fora do espectro da civilização então existente, que não haviam sido nem descobertos nem dominados, não é um fato de força ou importância suficientes para condenar a expressão do profeta, ou para tornar falsa sua declaração. DAP 38.5
Em 606 a.C., Babilônia entrou em contato com o povo de Deus quando Nabucodonosor conquistou Jerusalém e levou Judá para o cativeiro. Como consequência, a nação entra para o campo da profecia, ao fim da teocracia judaica. DAP 39.1
O caráter desse império é indicado pela natureza do material que compõe a parte da estátua que o simbolizava — a cabeça de ouro. Foi o reino de ouro de uma era áurea. Babilônia, a metrópole, ergueu-se a uma altura que nunca foi alcançada por nenhuma de suas sucessoras. Situada no jardim do oriente, seu perímetro de 96 quilômetros formava um quadrado perfeito, cada lado com 24 quilômetros; cercada por muros de mais de cem metros de altura e 26 de largura, com um fosso, ou vala, em volta dele com a mesma capacidade cúbica do muro em si. Era dividida em 676 quarteirões, cada um deles com 3,6 quilômetros de circunferência. Contava com 50 ruas, todas elas com 45 metros de largura, cruzando umas às outras em ângulos retos, 25 de cada lado. Todas eram planas, niveladas e com 24 quilômetros de comprimento. Seus mais de 580 metros quadrados de superfície interna, divididos conforme a descrição acima, eram repletos de magníficas praças e jardins e pontilhados de residências esplendorosas. Com seus 95 quilômetros de fosso, 95 quilômetros de muralhas, 48 quilômetros de barreira pluvial passando por seu centro, 150 portões de bronze sólido, jardins suspensos, que se elevavam terraço sobre terraço, até alcançarem a mesma altura dos muros, o templo de Belus, com quase cinco quilômetros de circunferência, os dois palácios reais, um com 5,6 quilômetros e o outro com quase 13 quilômetros de circunferência, o túnel subterrâneo sob o rio Eufrates ligando os dois palácios, sua disposição perfeita para conveniência, ornamento e defesa, bem como seus recursos ilimitados, essa cidade, que continha em si tantas coisas que eram, por si sós, maravilhas do mundo, era, ela própria, outra maravilha ainda mais esplendorosa. Nunca antes a Terra viu uma cidade como aquela e, desde então, jamais houve outra igual. E ali, com toda a Terra prostrada a seus pés, uma rainha de grandeza sem rival, que extraiu da própria pena inspirada o título reluzente de “a joia dos reinos, glória e orgulho dos caldeus” (Isaías 13:19), se encontrava a cidade, a mais apropriada capital para o reino que constituiu a cabeça de ouro da grande estátua histórica. DAP 39.2
Assim era Babilônia, quando Nabucodonosor, no auge da vida, cheio de vigor e conquistas, se assentava no trono, no momento em que Daniel adentrou seus muros inexpugnáveis a fim de servir como cativo ao longo de 70 anos em seus palácios magníficos. Ali os filhos do Senhor, mais oprimidos do que animados pela glória e prosperidade da terra de seu cativeiro, penduraram suas harpas nos salgueiros do resplendente Eufrates, chorando ao se lembrarem de Sião. DAP 40.1
Ali começou o estado de cativeiro da igreja em um sentido mais amplo, pois, desde então, o povo de Deus se encontra sujeito a poderes terrenos, com variados graus de opressão. E assim será até que todos os poderes deste mundo finalmente se prostrem diante Daquele que tem direito de reinar. Mas, oh, o dia do livramento logo se aproxima! DAP 40.2
Em outra cidade, não só Daniel, mas todos os filhos de Deus, desde o menor até o maior, do mais simples ao mais exaltado, do primeiro ao último, muito em breve entrarão! Uma cidade com mais do que meros 95 quilômetros de circunferência; em vez disso, serão 2.400 quilômetros. Uma cidade que não será feita de tijolos e betume, mas de pedras preciosas e jaspe; cujas ruas não serão pavimentadas em pedra como as de Babilônia, por mais regulares e belas que fossem, mas, sim, de ouro transparente; cujo rio não será como as águas pesarosas do Eufrates, mas o rio da vida; cuja música não será formada por suspiros e lamentos de cativos com o coração partido, mas por empolgantes hinos de vitória sobre a morte e a sepultura, que as multidões resgatadas erguerão em louvor; cuja luz não será a iluminação intermitente da Terra, mas a glória inefável e incessante de Deus e do Cordeiro. Nessa cidade eles entrarão, não como cativos que adentram uma terra estrangeira, mas como exilados que retornam à casa do Pai; não em um lugar onde palavras arrepiantes como “jugo”, “servidão” e “opressão” abaterão seu espírito, mas, sim, onde as doces palavras “lar”, “liberdade”, “paz”, “pureza”, “alegria inexprimível” e “vida eterna” empolgarão seu interior com deleites para todo o sempre. Sim, nossa boca se encherá de riso e nossos lábios de cânticos quando o Senhor restaurar a nossa sorte em Sião (Salmos 126:1-2; Apocalipse 21:1-27). DAP 40.3
VERSÍCULO 39. Depois de ti, se levantará outro reino, inferior ao teu; e um terceiro reino, de bronze, o qual terá domínio sobre toda a Terra. DAP 40.4
Nabucodonosor reinou por 43 anos e foi sucedido pelos seguintes monarcas: seu filho, Evil-Merodaque, dois anos; Neriglissar, seu genro, quatro anos; Labashi-Marduque, filho de Neriglissar, nove meses, o qual, por ter reinado menos de um ano, não consta do cânon de Ptolomeu; e, por último, Nabonido, cujo filho, Belsazar, neto de Nabucodonosor, dividia com ele o trono e com quem o reino chegou ao fim. DAP 40.5
No primeiro ano de Neriglissar, somente dois anos após a morte de Nabucodonosor, teve início uma guerra fatal entre babilônios e medos, a qual resultaria na total destruição do império babilônico. Ciaxares, rei dos medos, chamado de “Dario” em Daniel 5:31, convocou para auxiliá-lo seu sobrinho, Ciro, da linhagem persa, no conflito contra os babilônios. A guerra prosseguiu com sucesso ininterrupto da parte dos medos e persas até que, no décimo oitavo ano de Nabonido (o terceiro de seu filho Belsazar), Ciro sitiou Babilônia, a única cidade de todo o oriente que ainda resistia a seu poder. Os babilônios, reunidos dentro de seus muros inexpugnáveis, com provisão para vinte anos, além de terra dentro dos limites da grande cidade para fornecer alimento aos habitantes e soldados por um período indefinido, zombavam de Ciro de dentro de suas altas muralhas, ridicularizando seus esforços aparentemente inúteis de conquistar a cidade. De acordo com todo e qualquer cálculo humano, eles tinham bons motivos para a sensação de segurança. Nunca, dentro de qualquer probabilidade terrena, utilizando os instrumentos de guerra conhecidos naquele tempo, uma cidade como aquela poderia ser tomada. Por isso, eles respiravam com a mesma liberdade e dormiam tranquilos como se não houvesse inimigo algum esperando e vigiando para sua destruição em volta de seus muros sitiados. Mas Deus havia decretado que a orgulhosa e ímpia cidade cairia de seu trono de glória e, quando Ele fala, que braço mortal é capaz de subverter Sua palavra? DAP 41.1
Na própria sensação de segurança é que repousava o perigo. Ciro resolveu realizar por meio de um estratagema aquilo que não conseguiu fazer pela força; e, ao saber da aproximação de uma festa anual, durante a qual toda a cidade se entregaria ao divertimento e à devassidão, determinou que aquele seria o momento de executar seu propósito. Não havia nenhuma entrada que pudesse lhe dar acesso à cidade, a menos que ele providenciasse uma onde o rio Eufrates entrava na cidade e dela saía, passando sob seus muros. E decidiu transformar o canal do rio na própria estrada que o levaria ao interior da fortaleza inimiga. A fim de fazer isso, a água deveria ser desviada do canal que passava dentro da cidade. Com esse objetivo, na véspera do dia de festa supramencionado, ele destacou três grupos de soldados: o primeiro, para desviar o rio em determinada hora em direção a um grande lago artificial bem próximo da cidade; o segundo, para se posicionar no local em que o rio entrava na cidade; o terceiro, para ficar cerca de 24 quilômetros abaixo, onde o rio saía de Babilônia. Os dois últimos receberam a instrução de entrar no canal, assim que a água estivesse transponível, e, nas trevas da noite, explorar o caminho por baixo dos muros, seguindo até o palácio do rei, onde o surpreenderiam, matariam os guardas e capturariam ou executariam o soberano. Quando a água foi desviada até o lago, logo as águas do rio baixaram o suficiente para que conseguissem andar e os soldados destacados para esse fim seguiram o canal até o coração da cidade de Babilônia. DAP 41.2
Mas tudo isso teria sido em vão se a cidade inteira, naquela fatídica noite, não estivesse entregue ao mais inconsequente descuido e à presunção, situação que Ciro levou em conta para o cumprimento de seus propósitos. Pois dos dois lados do rio, ao longo de toda a cidade, havia muralhas altíssimas e tão grossas quanto os muros exteriores. Nessas muralhas, encontravam-se imensas portas de bronze sólido, as quais, quando fechadas e guardadas, impediam a saída do leito do rio para se ter acesso a todas as 25 ruas que o atravessavam. Caso estivessem fechadas nessa ocasião, os soldados de Ciro teriam marchado dentro da cidade pelo leito do rio e sairiam do outro lado, e isso seria tudo que conseguiriam realizar na tentativa de dominar o local. Todavia, em meio à festança e bebedeira daquela noite fatal, as portas do rio ficaram abertas e a entrada dos soldados persas não foi percebida. Muitos rostos teriam se empalidecido de terror caso houvessem notado a súbita queda do nível do rio e compreendido seu temível significado. Muitas bocas teriam espalhado o terrível alarme pela cidade, caso tivessem visto a silhueta sombria dos inimigos armados entrando sorrateiramente na cidadela de sua força. Mas ninguém observou a repentina diminuição das águas do rio; ninguém viu a entrada dos guerreiros persas; ninguém se importou em fechar e guardar as portas do rio; ninguém ligava para nada, a não ser no quanto poderiam se afundar na mais irresponsável e selvagem devassidão. A operação daquela noite lhes custou o reino e a liberdade. Adentraram o bárbaro festim como súditos do rei de Babilônia, mas dele acordaram como escravos do rei da Pérsia. DAP 41.3
Os soldados de Ciro tornaram perceptível sua presença na cidade pela primeira vez atacando os guardas reais no vestíbulo do palácio do rei. Belsazar logo ficou ciente do motivo da confusão e morreu em vão, tentando proteger sua vida em perigo. Essa festa de Belsazar é narrada no quinto capítulo de Daniel; e a cena se encerra com o simples registro: “Naquela mesma noite, foi morto Belsazar, rei dos caldeus. E Dario, o medo, com cerca de sessenta e dois anos, se apoderou do reino” (Daniel 5:30-31). DAP 43.1
Assim se conclui a primeira divisão da grande estátua. Outro reino se levantara, assim como o profeta havia declarado. A primeira etapa do sonho profético estava cumprida. DAP 43.2
Mas antes de partirmos de Babilônia, olhemos para o futuro, para o fim de sua melancólica história. Seria natural supor que o conquistador, ao tomar posse de uma cidade tão nobre, que superava em muito qualquer outro lugar do mundo, a transformaria na sede de seu império e conservaria seu esplendor inicial. Mas Deus havia declarado que essa cidade se tornaria um montão de ruínas, lar das feras do deserto; suas casas se encheriam de criaturas sombrias, as bestas selvagens das ilhas lamentariam dentro de suas habitações desoladas e os chacais em seus palácios de prazer (Isaías 13:19-22). Ela precisava primeiro ser desertada. Ciro transferiu o trono imperial para Susa, célebre cidade da província de Elão, a leste de Babilônia, às margens do rio Choaspes, um afluente do Tigre. Prideaux (i.180) afirma que isso provavelmente foi feito no primeiro ano de seu reinado como único monarca. O orgulho dos babilônios foi provocado ao extremo por esse ato. Por isso, no quinto ano de Dario Histaspes, 517 a.C., eles se rebelaram, recebendo em troca toda a força do império persa. Mais uma vez, a cidade foi tomada por meio de um estratagema. Zópiro, um dos principais comandantes de Dario, cortou fora o próprio nariz e as orelhas, além de lacerar o corpo inteiro com chicotadas. Nessa condição, fugiu para os sitiados, aparentemente inflamado pelo desejo de se vingar de Dario por causa de sua grande crueldade em mutilá-lo. Dessa maneira, ganhou a confiança dos babilônios até que eles o nomearam seu comandante-chefe. Em seguida, ele traiu a cidade e a entregou a seu senhor. Além disso, a fim de deter rebeliões futuras, Dario mandou empalar os três mil mais ativos na revolta, tirou os portões de bronze da cidade e reduziu os muros de 100 metros para 25. Esse foi o início da destruição de Babilônia. Por meio desse ato, a cidade ficou exposta ao ataque de todo e qualquer grupo hostil. Xerxes, ao voltar da Grécia, saqueou a imensa riqueza do templo de Belus e deixou em ruínas a magnífica estrutura. Alexandre, o Grande, tentou reconstruir a cidade, mas depois de designar dez mil homens para limpar as ruínas durante dois meses, morreu de embriaguez e libertinagem excessivas, e a obra foi interrompida. Em 294 a.C., Seleuco Nicator construiu a cidade de Nova Babilônia em suas imediações, usando boa parte do material e muitos dos habitantes da nova cidade, a fim de edificar e povoar a nova. Agora quase sem moradores, o esquecimento e a decadência recaíam temerariamente sobre a antiga cidade. A violência dos príncipes partos acelerou sua ruína. Por volta do fim do quarto século, era usada pelos reis persas como refúgio para feras selvagens. No fim do século 12, segundo um célebre viajante, as poucas ruínas restantes do palácio de Nabucodonosor se encontravam tão repletas de serpentes e répteis venenosos que não era possível vê-las de perto sem correr grande perigo. E hoje quase nem restam ruínas para marcar o lugar onde antes se encontrava a maior, mais rica e mais orgulhosa cidade que o mundo já viu. Logo, a queda da grande Babilônia nos mostra como Deus cumpre Sua palavra com precisão e faz as dúvidas do ceticismo parecerem cegueira voluntária. DAP 43.3
“Depois de ti, se levantará outro reino, inferior ao teu”. O uso da palavra reino aqui demonstra que as diferentes partes da estátua representam reinos, não reis específicos. Logo, quando Daniel disse para Nabucodonosor “Tu és a cabeça de ouro”, embora lance mão do pronome pessoal, estava se referindo ao reino como um todo, não à pessoa do rei em si. DAP 45.1
O reino seguinte, a Medo-Pérsia, equivale ao peito e aos braços de prata da grande estátua. Seria inferior ao reino que o precedeu. Inferior em que sentido? Não em poder, pois foi seu conquistador. Não em extensão, pois Ciro dominou todo o oriente, desde o mar Egeu até o rio Indo, construindo assim o mais vasto império já existente até aquela época. Era inferior em riqueza, luxo e esplendor. DAP 45.2
Do ponto de vista bíblico, o principal acontecimento durante o império babilônico foi o cativeiro dos filhos de Israel. Da mesma forma, o principal evento durante o reino medo-persa foi a restauração de Israel à própria terra. Quando Ciro tomou Babilônia em 538 a.C., em um gesto de cortesia, designou o primeiro lugar no reino a seu tio Dario. Mas em 536 a.C., dois anos depois, Dario morreu; no mesmo ano faleceu também Cambises, rei da Pérsia, pai de Ciro. Tais ocorridos fizeram de Ciro o único monarca de todo o império. Nesse ano, que encerrou os setenta anos do cativeiro de Israel, Ciro promulgou o famoso decreto permitindo o retorno dos judeus e a reconstrução do templo. Essa foi a primeira etapa do grande decreto para a restauração e reconstrução de Jerusalém (Esdras 6:14), que foi concluída no sétimo ano do reinado de Artaxerxes, 457 a.C., e marcou, conforme demonstraremos posteriormente, o início das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8, o período profético mais longo e mais importante mencionado na Bíblia (Daniel 9:25). DAP 45.3
Após reinar por sete anos, Ciro deixou o reino para o filho Cambises, chamado de Assuero em Esdras 4:6, o qual reinou por sete anos e cinco meses até 522 a.C. Oito monarcas, cujos reinados variaram de sete meses a 46 anos, assumiram o trono até o ano 336 a.C., na seguinte ordem: Esmérdis, o mago, chamado de Artaxerxes em Esdras 4:7, por sete meses, no ano 522 a.C.; Dario Histaspes, de 521 a 486 a.C.; Xerxes, de 485 a 465 a.C.; Artaxerxes Longímano, de 464 a 424 a.C.; Dario Nótus, de 423 a 405 a.C.; Artaxerxes Mnemon, de 404 a 359 a.C.; Ochus, de 358 a 338 a.C.; Arses, de 337 a 336 a.C. O ano 335 foi o primeiro do reinado de Dario Codomano, o último da linhagem dos antigos reis persas. Esse homem, de acordo com Prideaux, era de nobre estatura, bom caráter, grande valor pessoal e disposição dócil e generosa. Caso tivesse nascido em qualquer outra era, sem dúvida teria conquistado uma longa e esplêndida carreira. Mas teve a má sorte de confrontar alguém designado para ser um agente no cumprimento das profecias; e nenhuma qualidade, natural ou adquirida, seria capaz de lhe conferir êxito nessa disputa desigual. Mal havia esquentado o trono, diz o último historiador citado, e já deparou com seu espantoso inimigo, Alexandre, à frente dos soldados gregos, preparado para tirá-lo dali. DAP 46.1
A causa e os detalhes do conflito entre gregos e persas deixaremos para as obras históricas especialmente dedicadas a tais questões. Basta dizer que o momento de decisão ocorreu no campo de Gaugamela, em 331 a.C., do qual os gregos, embora em quantidade 20 vezes menor do que os persas, saíram completamente vitoriosos. A partir de então, Alexandre se transformou no senhor absoluto do império persa até a mais distante fronteira já possuída por qualquer um de seus reis. DAP 46.2
“E um terceiro reino, de bronze, o qual terá domínio sobre toda a Terra”, disse o profeta. Quão poucas e breves são as palavras inspiradas cujo cumprimento envolveu a mudança nos governantes do mundo. No caleidoscópio político em constante mudança, agora a Grécia surge no campo de visão para se tornar, por um tempo, o alvo de todas as atenções, constituindo o terceiro império universal da Terra. DAP 46.3
Após a batalha fatal que decidiu o destino do império, Dario ainda tentou convocar os restos esfacelados de seu exército, a fim de defender seu reino e seus direitos. Mas de todas as hostes de seu exército pouco antes tão numeroso, não conseguiu reunir uma força grande o bastante para considerar prudente o risco de entrar em mais um conflito com os gregos vencedores. Alexandre foi a seu encalço a todo vapor. Vez após vez, Dario mal conseguia escapar das garras do inimigo que celeremente o seguia. Por fim, dois traidores, Bessos e Nabarzanes, se apoderaram do miserável príncipe, o trancaram em um carro fechado e o levaram como prisioneiro até Báctria. Caso Alexandre os procurasse, tinham o propósito de comprar a própria segurança ao lhe entregar seu rei. Quando Alexandre ficou sabendo da situação perigosa em que Dario se encontrava nas mãos de seus traidores, imediatamente partiu acompanhado de uma pequena parte de seu exército em uma busca compulsória. Após vários dias de marcha exaustiva, encontrou os traidores. Eles insistiram para que Dario montasse a cavalo e fugisse com maior velocidade. Quando este se recusou, infligiram-lhe várias feridas mortais e o deixaram para morrer no carro. Montaram então em seus corcéis e foram embora. DAP 46.4
Alexandre chegou e deparou apenas com o corpo sem vida do rei persa. Ao olhar para o cadáver, poderia ter aprendido a valiosa lição da instabilidade da sorte humana. Ali se encontrava um homem que, poucos meses antes, havia se assentado no trono do império universal, cheio de nobres e generosas qualidades. Desastre, derrota e deserção logo lhe sobrevieram. Seu reino fora conquistado, seus tesouros levados embora e sua família reduzida ao cativeiro. E agora, brutalmente assassinado por traidores, seu corpo ensanguentado jazia em uma rude carroça. A visão desse melancólico espetáculo arrancou lágrimas até mesmo dos olhos de Alexandre, por mais familiarizado que estivesse com todas as vicissitudes terríveis e cenas sangrentas da guerra. Jogando seu manto sobre o defunto, ordenou que fosse transportado às mulheres cativas de Susa. Ele próprio providenciou os recursos necessários para um sepultamento real. Que ele receba o crédito por esse ato de generosidade, pois tristemente carece de todos os méritos que lhe são devidos. DAP 47.1
Com a queda de Dario, Alexandre se viu livre de seu último grande inimigo. Daí em diante, poderia gastar o tempo da maneira que quisesse, desfrutando o descanso e prazeres, além de empreender pequenas conquistas. Ele realizou uma campanha pomposa contra a Índia, pois, de acordo com a mitologia grega, Baco e Hércules, dois filhos de Júpiter, de quem ele também afirmava ser filho, haviam feito o mesmo. Com arrogância desprezível, reivindicava para si honras divinas. Ele deixava as cidades conquistadas à mercê absoluta de seus soldados sanguinários e devassos, por vontade própria e sem ser provocado. Ele mesmo assassinava amigos e favoritos com frequência, em seus delírios de embriaguez. Ia em busca das pessoas mais vis para a gratificação de sua luxúria. Instigado por uma mulher dissoluta e bêbada, junto com alguns de seus cortesãos, todos em um estado de embriaguez alucinada, saíram numa investida, com tochas em mãos, e incendiaram a cidade e o palácio de Persépolis, um dos lugares mais sofisticados do mundo. Ele incentivava tamanha bebedeira entre seus seguidores que, em certa ocasião, 20 deles morreram juntos em consequência do excesso. Por fim, depois de sair de uma longa farra com bebidas alcoólicas, foi em seguida convidado para mais outra. Conta a história, por mais inacreditável que pareça, que, depois de beber cumprimentando cada um dos 20 convidados, ele tomou duas taças hercúleas cheias, com capacidade para cinco litros e meio cada uma. Depois disso, caiu no chão, tomado por uma febre violenta, da qual morreu 11 dias depois, em maio ou junho de 323 a.C., ainda às portas de adentrar a fase madura da vida, aos 32 anos de idade. DAP 47.2
Precisaremos interromper o progresso do império grego, já que suas características distintivas serão notadas de maneira mais específica em outras profecias. Daniel continua da seguinte maneira a interpretação da grande estátua: DAP 47.3
VERSÍCULO 40. O quarto reino será forte como ferro; pois o ferro a tudo quebra e esmiúça; como o ferro quebra todas as coisas, assim ele fará em pedaços e esmiuçará. DAP 47.4
Até aqui, existe consenso geral entre os comentaristas na aplicação desta profecia. Todos reconhecem que Babilônia, Medo-Pérsia e Grécia são representadas respectivamente pela cabeça de ouro, o peito e os braços de prata e o ventre e os quadris de bronze. Contudo, mesmo com tão pouco espaço para diversidade de ponto de vista, é estranho constatar que há forte diferença de opinião quanto ao reino simbolizado pela quarta divisão da grande estátua — as pernas de ferro. A esse respeito, precisamos tão somente indagar: que reino sucedeu a Grécia como império mundial? Pois as pernas de ferro denotam o quarto reino da série. O testemunho da história é completo e explícito a esse respeito. Um e somente um reino fez isso, e foi Roma. Ela conquistou a Grécia e subjugou todas as coisas. Assim como o ferro, se partiu em pedaços e foi ferida. Gibbon, usando as imagens simbólicas de Daniel, descreve esse império da seguinte maneira: DAP 49.1
“Os braços da República, às vezes vencidos em batalhas, mas sempre vitoriosos na guerra, avançavam com passos rápidos até o Eufrates, o Danúbio, o Reno e o oceano. As metáforas do ouro, da prata e do bronze, que servem para representar as nações ou seus reis, foram sucessivamente quebradas pela monarquia férrea de Roma.” DAP 49.2
No início da era cristã, esse império abrangia todo o sul da Europa, a França, Inglaterra, grande parte da Holanda, Suíça e o sul da Alemanha, Turquia e Grécia, sem falar em seus territórios na Ásia e na África. Gibbon disse muito bem a seu respeito: DAP 49.3
“O império dos romanos se estendeu por todo o mundo. E quando esse império caiu nas mãos de uma só pessoa, o mundo se transformou em uma prisão certeira e temível para seus inimigos. Resistir era fatal; e fugir, impossível.” DAP 49.4
É importante notar que, a princípio, o reino é descrito sem restrições com a força do ferro. Esse foi o período de sua força, durante o qual pode ser comparado a um poderoso colosso, cavalgando as nações, conquistando tudo e distribuindo leis para o mundo. Mas as coisas não continuariam assim. DAP 49.5
VERSÍCULO 41. Quanto ao que viste dos pés e dos artelhos, em parte, de barro de oleiro e, em parte, de ferro, será esse um reino dividido; contudo, haverá nele alguma coisa da firmeza do ferro, pois que viste o ferro misturado com barro de lodo. 42. Como os artelhos dos pés eram, em parte, de ferro e, em parte, de barro, assim, por uma parte, o reino será forte e, por outra, será frágil. DAP 49.6
O elemento de fraqueza simbolizado pelo barro se encontra tanto nos pés quanto nos artelhos. Antes de ser dividida em dez reinos, Roma perdeu a tenacidade do ferro que possuía em grau superlativo durante os primeiros séculos de sua carreira. A luxúria, que anda de mãos dadas com a perda da virilidade e a degeneração, a destruidora de nações bem como de indivíduos, começou a corroer e enfraquecer seus tendões de ferro, abrindo caminho para o esfacelamento posterior em dez reinos. DAP 49.7
As pernas de ferro da estátua terminam, a fim de manter a consistência da figura, em pés e dedos. Aos dedos dos pés, que somavam dez, é claro, a profecia nos chama atenção ao fazer menção específica a eles. E o reino representado pela parte da estátua à qual os dedos dos pés pertenciam foi, por fim, dividido em dez partes. A pergunta que surge naturalmente é: os dez dedos dos pés da estátua representam as dez divisões do império romano? Para aqueles que preferem o que transparece ser a interpretação mais natural e direta da Palavra de Deus, traz grande espanto que um questionamento desse tipo seja feito. Considerar que os dez dedos dos pés representam os dez reinos nos quais Roma foi dividida parece um procedimento tão fácil, coerente e natural que é necessário um esforço elaborado para interpretar de outra maneira. Todavia, esse é o esforço que alguns empreendem — os católicos de maneira universal e os protestantes que ainda se apegam aos erros romanos. DAP 49.8
Uma obra do Dr. H. Cowles pode ser considerada uma exposição representativa desse lado da questão. O autor dá total evidência de ampla erudição e grande habilidade. Logo, é de se lamentar que tais habilidades tenham sido dedicadas à propagação do erro e a desviar o ansioso interessado que deseja saber em que ponto se encontra na grande estrada do tempo. DAP 50.1
Só podemos expor brevemente suas posições. São elas: 1) que o terceiro reino foi a Grécia, apenas enquanto Alexandre estava vivo; 2) que o quarto reino foram os sucessores de Alexandre; 3) que o último momento até o qual o reino podia se estender é a manifestação do Messias; porque 4) nessa ocasião, o Deus do Céu estabeleceu Seu reino; nesse tempo, a pedra atingiu os pés da estátua e começou o processo de destruí-la. DAP 50.2
Tampouco teremos tempo para responder em grandes detalhes a essas posições. DAP 50.3
1. Podemos muito bem confinar o império babilônico ao reinado de Nabucodonosor, ou o da Pérsia ao de Ciro, do mesmo modo que desejam reduzir o terceiro reino, a Grécia, ao reinado de Alexandre. DAP 50.4
2. Os sucessores de Alexandre não constituíram outro reino, mas uma continuação do mesmo, a parte grega da estátua, pois, nessa linha temporal da profecia, a sucessão dos reinos ocorre por conquista. Quando a Pérsia conquistou Babilônia, começou o segundo império; e quando a Grécia dominou a Pérsia, iniciou o terceiro. Mas os sucessores de Alexandre (seus quatro generais mais importantes) não conquistaram seu império para construir outro em seu lugar. Eles simplesmente dividiram entre si o império que Alexandre havia conquistado e deixara pronto em suas mãos. DAP 50.5
“Cronologicamente”, diz o professor Cowles, “o quarto império deve suceder a Alexandre imediatamente e se limitar por completo entre ele e o nascimento de Cristo”. Cronologicamente, respondemos, não é necessário ocorrer nada disso, pois o nascimento de Cristo não foi a introdução do quinto reino, conforme observaremos no momento apropriado. Ao fazer isso, ele negligencia quase toda a duração da terceira parte da estátua, misturando-a com a quarta, sem deixar espaço para a condição dividida do império grego, simbolizada pelas quatro cabeças do leopardo do capítulo 7 e os quatro chifres do bode do capítulo 8. DAP 50.6
“Territorialmente”, continua o professor Cowles, “ele [o quarto reino] deve ser encontrado na Ásia ocidental, não na Europa; de modo geral, no mesmo território onde se localizavam o primeiro, o segundo e o terceiro reinos”. Por que não na Europa, perguntamos? Cada um dos três primeiros reinos possuía territórios peculiares a si. Por que não o quarto? A analogia requer que sim. E o terceiro reino não foi um império europeu? Isto é, não surgiu em território europeu e usou o nome da terra de seu nascimento para designar seu reino? Logo, por que não dar mais um passo a oeste até o local em que o quarto grande reino seria fundado? E como a Grécia algum dia ocupou o território do primeiro e segundo reinos? Somente por conquista. Roma fez o mesmo. Portanto, levando em conta os requisitos territoriais da teoria do professor, Roma poderia ser o quarto reino tão verdadeiramente quanto a Grécia corresponde ao terceiro. DAP 50.7
“Politicamente”, acrescenta ele, “deve ser o sucessor imediato do império de Alexandre, [...] mudando a dinastia, mas não as nações”. A analogia o contraria nesse ponto. Cada um dos três primeiros reinos se distinguia por possuir uma nacionalidade peculiar. Os persas não eram babilônios, nem os gregos os mesmos que os dois anteriores. A analogia requer que o quarto reino, em vez de composto por um fragmento do império grego, possua nacionalidade própria, diferente da dos outros três. E isso encontramos no império romano e somente nele. Mas: DAP 51.1
3. A grande falácia subjacente a todo esse sistema de interpretação equivocada é a teoria tão ensinada de que o reino de Deus foi estabelecido no primeiro advento de Cristo. É fácil entender como é fatal para essa teoria a admissão de que o quarto império é Roma. Pois é após a divisão do quarto império que o Deus do Céu deveria estabelecer Seu reino. Mas a divisão do império romano em dez partes só ocorreu em 476 d.C.; em consequência, o reino de Deus não poderia ter sido fundado por ocasião do primeiro advento de Cristo, ocorrido quase 500 anos antes dessa data. Do ponto de vista deles, embora corresponda admiravelmente à profecia em todos os detalhes, Roma não poderia ser o reino em questão. Esses intérpretes parecem pensar que a opinião de que o reino de Deus foi fundado nos dias em que Cristo andou sobre a Terra deve ser mantida a qualquer custo. DAP 51.2
Pelo menos é com essa base que alguns comentaristas aparentam argumentar. E é com o propósito de defender tal teoria que nosso autor reduz o terceiro grande império mundial ao insignificante período de cerca de oito anos! Para isso, ele tenta provar que o quarto império universal estava a pleno vapor no período em que a providência de Deus estava apenas dando os contornos do terceiro! Procura então fixar os períodos de tempo que devem limitar o aparecimento do quarto reino, muito embora a profecia nada fale acerca de datas. Assim, qualquer reino que encontrar no período predeterminado, ele aponta como o quarto reino, tentando torcer a profecia para se enquadrar em sua interpretação, sem considerar de modo nenhum o material tão superior que pode encontrar fora desse pequeno limite, como resposta ao cumprimento de um relato profético. Esse procedimento é lógico? O limite de tempo é o ponto a ser determinado em primeiro lugar? Não. Os reinos são os grandes protagonistas da profecia e é por eles que devemos procurar. Quando os encontramos, devemos aceitá-los, independentemente de sua cronologia ou localização. Deixemos que eles ditem tempo e lugar, não que tempo e lugar ditem quem eles são. DAP 51.3
No entanto, esse ponto de vista, a causa de todas as aplicações incorretas e da confusão, não passa de pressuposição. Cristo não esmiuçou a estátua em Seu primeiro advento. Veja bem! Quando a pedra atinge os pés da estátua, ela se quebra em pedaços. Há uso de violência. A consequência é imediata. A estátua fica como palha. E depois? Ela é absorvida pela pedra e gradualmente incorporada a ela? Nada disso. É soprada, removida, por ser um material incompatível e indisponível; e não se encontra lugar nenhum para ela. O território fica totalmente limpo; em seguida, a pedra se transforma em uma montanha e enche toda a Terra. A que ideia poderíamos ligar essa obra de quebrar e esmiuçar? Seria uma atividade tranquila, pacífica e silenciosa? Ou uma manifestação de vingança e violência? Como os reinos da profecia sucederam um ao outro? Por meio da violência e do estrondo da guerra, do confronto de exércitos e do bramido da batalha. “Tumulto da batalha e toda veste revolvida em sangue”, afirma-se acerca da força e violência usadas por uma nação para conquistar outra. Todavia, nada disso é chamado de “ferir” e “esmiuçar”. DAP 52.1
Quando a Pérsia conquistou Babilônia e, depois, a Grécia dominou a Pérsia, não se afirma que nenhum dos impérios subjugados foi esmiuçado, muito embora tenha sido oprimido pelo poder avassalador de uma nação hostil. Mas, quando chegamos à introdução do quinto reino, a estátua é ferida com violência; ela se quebra em pedacinhos, tão espalhados e destruídos que não se encontra lugar para eles. O que podemos entender a partir disso? Devemos compreender que se encontra aqui uma cena na qual se manifesta muito mais violência, força e poder do que as que acompanham a conquista de uma nação por meio da guerra, de tal modo que o último reino não é nem digno de ser mencionado em conexão com o reino introduzido pela pedra. A conquista de uma nação por outra mediante a guerra é uma cena de paz e tranquilidade em comparação com o que transparece quando a estátua é esmiuçada em pedacinhos pela pedra extraída de uma montanha sem mãos humanas. DAP 52.2
No entanto, o que o ferimento da estátua significa segundo a teoria em análise? A pacífica introdução do evangelho de Cristo! A tranquila disseminação da luz da verdade! O ajuntamento de algumas nações da Terra a fim de se prepararem, por meio da obediência à verdade, para Sua segunda vinda e Seu reino! A calma e despretensiosa formação da igreja cristã — uma igreja que foi dominada, perseguida e oprimida pelos poderes arrogantes e triunfantes da Terra desde aquela época até hoje! Esse seria o esmiuçamento da estátua! Isso seria quebrá-la em pedaços e remover com violência os fragmentos esfacelados da face da Terra! Haveria absurdo maior do que esse? DAP 52.3
Após essa digressão, voltamos à pergunta: os dedos dos pés representam as dez divisões do império romano? Nossa resposta é sim, porque: DAP 52.4
1. A estátua do capítulo 2 é um paralelo exato da visão dos quatro animais do capítulo 7. O quarto animal do capítulo 7 representa o mesmo que as pernas de ferro da estátua. Os dez chifres do animal correspondem, muito naturalmente, é claro, aos dedos dos pés da estátua. E afirma-se claramente que os chifres são dez reinos que surgiriam. E são reinos independentes tanto quanto os próprios animais. Pois se faz referência aos animais exatamente da mesma maneira, a saber, como “quatro reis que se levantarão” (v. 17). Eles não denotam uma linhagem de reis sucessivos, mas, sim, reis ou reinos que coexistem contemporaneamente, uma vez que três deles são arrancados pelo chifre pequeno. Os dez chifres, não há controvérsias, representam os dez reinos nos quais Roma se dividiu. DAP 52.5
2. Vimos que, na interpretação de Daniel sobre a estátua, as palavras rei e reino são usadas de maneira intercambiável, ou seja, a última significando o mesmo que a primeira. No versículo 44, ele diz que “nos dias destes reis, o Deus do Céu suscitará um reino”. Isso mostra que, no momento do estabelecimento do reino de Deus, haverá uma pluralidade de reis contemporâneos. Não pode ser uma referência aos quatro reinos anteriores, pois seria absurdo usar esse tipo de linguagem em referência a uma série de reis sucessivos, já que, nesse caso, o reino de Deus seria fundado apenas nos dias do último rei, época diferente da de qualquer um dos anteriores. DAP 53.1
Logo, é apresentada uma divisão. E o que temos em símbolo para identificá-la? Nada além dos dedos dos pés da estátua. Caso eles não o façam, ficamos sem nenhuma informação quanto à natureza e extensão da divisão que a profecia revela existir. Fazer tal suposição equivaleria a lançar sérias dúvidas sobre a profecia em si. Somos, portanto, levados à conclusão de que os dez dedos dos pés da estátua simbolizam as dez partes nas quais o império romano foi dividido. 1 DAP 53.2
Uma objeção às vezes feita ao ponto de vista de que os dez dedos dos pés da estátua denotam dez reinos é o lembrete de que, antes de se dividir em dez reinos, Roma dividiu-se em duas partes, o império ocidental e oriental, correspondendo às duas pernas da estátua. E uma vez que todos os dez reinos surgiram da divisão ocidental, caso sejam representados pelos dedos dos pés, conforme defendemos, então os dez dedos teriam de se encontrar todos em um dos pés da estátua, sem nenhum na outra, fato que seria anormal e inconsistente. DAP 53.3
Mas tal objeção invalida a si própria; pois é certo que, se as duas pernas representam uma divisão, os dedos dos pés também devem fazê-lo. Seria inconsistente dizer que as pernas simbolizam divisão, mas os dedos dos pés não. Caso, porém, os dedos dos pés indiquem algum tipo de divisão, só pode ser a divisão de Roma em dez partes. DAP 53.4
No entanto, a falácia que forma a base dessa objeção é a ideia de que as duas pernas da estátua significam a separação do império romano em suas divisões oriental e ocidental. Há diversas objeções a esse ponto de vista: DAP 54.1
1. As duas pernas de ferro simbolizam Roma, não meramente durante seus anos finais, mas desde o início de sua existência como nação. E caso as pernas denotem divisão, o reino deveria ter se dividido desde o início de sua história. Esse argumento é embasado pelos outros símbolos. A divisão (isto é, os dois elementos) do reino persa, simbolizados pelos dois chifres do carneiro (Daniel 8:20), também pela elevação de um dos lados do urso (Daniel 7:5) e talvez pelos dois braços da estátua deste capítulo, existia desde o princípio. A divisão do reino grego, representada pelos quatro chifres do bode e as quatro cabeças do leopardo, data de cerca de oito anos depois do momento em que o império foi introduzido na profecia. Logo, Roma deveria ter se dividido desde o princípio, caso as pernas denotassem divisão, em vez de permanecer unida por cerca de 600 anos, para só se separar nas partes oriental e ocidental alguns anos antes de sua dissolução final em dez reinos. DAP 54.2
2. Nenhuma divisão em duas grandes partes é simbolizada pelos outros símbolos que representam Roma no livro de Daniel; a saber, o animal terrível e espantoso de Daniel 7, e o chifre pequeno do capítulo 8. Logo, é razoável concluir que as duas pernas da estátua não tinham o propósito de representar tal divisão. DAP 54.3
Mas é possível questionar: por que não supor que as duas pernas denotam divisão, assim como os dedos dos pés? Não seria um tanto quanto incoerente dizer que os dedos dos pés denotam divisão, mas as pernas não, assim como dizer que as pernas denotam divisão, mas os dedos dos pés não? Respondemos que a própria profecia deve dirigir nossas conclusões a esse respeito e, embora nada diga a respeito da divisão ligada às penas, introduz o tema da divisão quando chegamos aos pés e seus dedos. O texto declara: “Quanto ao que viste dos pés e dos artelhos, em parte, de barro de oleiro e, em parte, de ferro, será esse um reino dividido” (v. 41). Nenhuma divisão poderia ocorrer, ou, no mínimo, não se afirma que ocorreu, até a introdução do barro, elemento enfraquecedor. Isso só acontece quando chegamos aos pés e seus dedos. Entretanto, não devemos interpretar que o barro simboliza uma divisão e o ferro outra, pois depois que a longa unidade do reino se rompeu, nenhum dos fragmentos permaneceu tão forte quanto o ferro original. Em vez disso, todos passaram a um estado de fraqueza representado pela mistura de ferro e barro. A conclusão inevitável é que o profeta indicou aqui a causa do efeito resultante. A introdução da fraqueza presente no elemento barro, ao nos aproximarmos dos pés, resultou na divisão do reino em dez partes, conforme representado pelos dez dedos dos pés; e esse resultado, ou divisão, é mais do que subentendido pela súbita menção a uma pluralidade de reis contemporâneos. Logo, embora não encontremos evidência alguma de que as pernas denotem divisão, mas sérias objeções a esse ponto de vista, acreditamos ter bons motivos para supor que os dedos dos pés simbolizam divisão, conforme aqui defendido. DAP 54.4
3. Todas as quatro monarquias tiveram um território específico, que consistia no reino propriamente dito, no qual devemos procurar os principais eventos históricos prefigurados pelo símbolo. Logo, não devemos ir em busca das divisões do império romano dentro do território anteriormente ocupado por Babilônia, Pérsia ou Grécia, mas na região do reino romano propriamente dito, que, por fim, se tornou conhecido como império ocidental. Roma dominou o mundo, mas o reino de Roma em si ficava a oeste da Grécia. É isso que as pernas de ferro representavam. Ali, então, podemos procurar os dez reinos e encontrá-los. Não é preciso mutilar ou deformar o símbolo a fim de transformá-lo em uma representação fiel de acontecimentos históricos. DAP 56.1
VERSÍCULO 43. Quanto ao que viste do ferro misturado com barro de lodo, misturar-se-ão mediante casamento, mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro não se mistura com o barro. DAP 56.2
Com Roma, caiu o último dos impérios universais pertencentes ao mundo em sua condição presente. Até então, os elementos da sociedade haviam possibilitado que uma nação se elevasse sobre as vizinhas em proeza, bravura e ciência bélica, anexando uma após a outra às rodas de seus carros de guerra, até se consolidar em um vasto império. Assim, um só homem assentado sobre o trono dominante era capaz de transformar sua vontade em lei em todas as nações da Terra. Quando Roma caiu, tais possibilidades terminaram para sempre. Esmagada sob o peso das próprias vastas proporções, sucumbiu em pedaços, para nunca mais se unir. O ferro se misturou ao barro. Seus elementos perderam o poder de coesão e nenhum ser humano ou grupo será capaz de consolidá-los novamente. Essa ideia foi tão bem expressa por outro autor que citamos com prazer suas palavras: DAP 56.3
“Desse estado dividido, partiu a primeira força do império; mas não como os outros haviam feito. Nenhum outro reino o sucederia, como ocorreu com os três anteriores. Ele continuaria em sua divisão em dez partes até o reino de pedra ferir seus pés, quebrá-los em pedaços e espalhá-los como o vento faz com a palha no chão da eira durante o verão! Todavia, ao longo de todo esse tempo, uma parte de sua força permaneceria. Por isso, o profeta diz: ‘Como os artelhos dos pés eram, em parte, de ferro e, em parte, de barro, assim, por uma parte, o reino será forte e, por outra, será frágil” (v. 42). Como seria possível representar os fatos de qualquer outra maneira, de forma tão marcante? Essa divisão em dez partes existe há mais de mil e quatrocentos anos. Vez após vez, indivíduos sonharam em estabelecer nesses domínios um só reino poderoso. Carlos Magno tentou. Carlos V tentou. Luís XVI tentou. Napoleão tentou. Mas nenhum conseguiu. Um único verso da profecia foi mais forte do que todos os seus exércitos. O poder de cada um foi dispersado, anulado, destruído. Mas os dez reinos não se tornaram um. ‘Parcialmente forte e parcialmente quebrado’ [v. 42, KJV] foi a descrição profética. E é exatamente isso que os fatos históricos revelam sobre eles. Com o livro da história aberto à sua frente, eu lhe pergunto: essa não é uma representação exata dos remanescentes desse império tão poderoso no passado? Ele governava com poder ilimitado. Era o senhor entronizado do mundo. Seu cetro se quebrou; seu trono foi derrubado e seu poder, retirado. Dez reinos se formaram a partir dele, e, mesmo ‘quebrado’, ainda continua; ou seja: ‘parcialmente quebrado’, pois suas dimensões permanecem as mesmas de quando o reino de ferro permanecia orgulhoso de pé. Mas ao mesmo tempo ‘parcialmente forte’, ou seja, mesmo quebrado, conserva o suficiente da força do ferro para resistir a todas as tentativas de unir seus pedaços. “Assim não será”, diz a Palavra de Deus. “E assim não tem sido”, responde o livro da história. DAP 56.4
“‘Mas então’ — podem os homens dizer — ‘outro plano permanece. Se a força não adiantar, diplomacia e motivos políticos podem resolver; tentaremos tais estratégias’. E a profecia previu isso quando disse: “misturar-se-ão com semente humana” (Daniel 2:43, ARC), isto é, casamentos serão feitos na esperança de consolidar seu poder e, por fim, unir em um os reinos divididos. DAP 57.1
“E tal estratégia logrará êxito? Não. O profeta responde: ‘Mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro não se mistura com o barro’. E a história da Europa não passa de um comentário contínuo do cumprimento exato dessas palavras. Desde os tempos de Canuto até a era presente, essa tem sido a política dos monarcas governantes, o velho caminho que trilham a fim de alcançar um cetro mais poderoso e influência mais abrangente. O exemplo mais assinalado disso na história foi registrado em nossos dias, no caso de Napoleão. Ele reinou em um desses reinos. [...] Tentou obter por aliança aquilo que não conseguiu pela força, ou seja, estabelecer um império poderoso e consolidado. Mas teve sucesso? Não. O próprio poder ao qual se aliou promoveu sua destruição, nas tropas de Luche, no campo de Waterloo! O ferro não era para se misturar com o barro. Os dez reinos continuam como antes. DAP 57.2
“Contudo, se, em consequência dessas alianças ou de outras causas, o número de reinos às vezes se altera, não precisamos ficar surpresos. É justamente isso que a profecia parece comunicar. O ferro foi “misturado com barro”. Por um tempo, na imagem, é possível que você não consiga diferenciá-los. No entanto, as coisas não permanecerão assim. “Mas não se ligarão um ao outro”. Por um lado, a natureza das substâncias impede que isso aconteça; por outro, a palavra da profecia o proíbe. Haveria, porém, a tentativa de misturar, ou melhor, uma abordagem para a mistura em ambos os casos. Mas seria em vão. E quão acentuada tem sido a ênfase da história ao confirmar essa declaração da Palavra de Deus! (Wm. Newton, Lectures on the First Two Visions of the Book of Daniel, p. 34-36). DAP 57.3
Todavia, mesmo com todos esses fatos à sua frente, demonstrando o poder irresistível da providência de Deus em meio às reviravoltas e mudanças dos séculos, à diplomacia e intriga de cortes e reis, alguns eruditos modernos demonstram uma incompreensão tão surpreendente dessa profecia que predizem um reino universal futuro, chegando a apontar para um governante europeu, no momento já avançado em idade e com prestígio em declínio, como o “destinado monarca do mundo”. Em vão gastam energia na propagação de tal teoria. Enganosas são as esperanças ou os temores que conseguem despertar ao suscitar tal expectativa.2 DAP 57.4
VERSÍCULO 44. Mas, nos dias destes reis, o Deus do Céu suscitará um reino que não será jamais destruído; este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre, 45. como viste que do monte foi cortada uma pedra, sem auxílio de mãos, e ela esmiuçou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. O Grande Deus fez saber ao rei o que há de ser futuramente. Certo é o sonho, e fiel, a sua interpretação. DAP 58.1
Chegamos ao clímax dessa profecia estupenda. E quando o tempo, em seu fluxo contínuo, nos conduzir à sublime cena aqui predita, alcançaremos o fim da história humana. O reino de Deus! Grandes preparativos têm sido feitos para essa dispensação nova e gloriosa, na qual o povo de Deus encontrará o final feliz da triste, degenerada e instável carreira deste mundo. Que mudança arrebatadora para todos os justos, da escuridão para a glória, dos conflitos para a paz, de um mundo pecaminoso para um santo, da morte para a vida, da tirania e opressão para a feliz liberdade e os benditos privilégios de um reino celeste! Que transição mais gloriosa, da fraqueza para a força, da mutabilidade e decadência para o imutável e eterno! DAP 58.2
Mas quando esse reino será estabelecido? Podemos ter esperança de resposta para uma pergunta com consequências tão importantes para nossa raça? A Palavra de Deus não nos deixa na ignorância quanto a essas indagações; e nisso se vê o valor insuperável desse favor celeste. Não podemos dizer que o tempo exato é revelado (enfatizamos o fato de que não é) nesta ou em qualquer outra profecia; mas uma estimativa tão próxima nos é dada que a geração que verá o estabelecimento desse reino pode marcar sua aproximação sem erros e fazer os preparativos que lhes permitirão participar de todas as suas glórias. DAP 58.3
Conforme já explicado, os versículos 41 a 43 nos trazem à divisão do império romano em dez reinos; esta se realizou, conforme já mencionamos, entre 351 e 483. Sem sombra de dúvida, os reis, ou reinos, no dia em que o Deus dos céus estabelecerá Seu reino serão esses reinos que surgiram do império romano. Logo, o reino de Deus aqui evidenciado não poderia ter surgido, como alguns afirmam, em conexão com o primeiro advento de Cristo, 450 anos antes. Mas quer apliquemos essa divisão aos dez reinos, quer não, com certeza algum tipo de divisão aconteceria no império romano antes do reino de Deus ser fundado, pois a profecia afirma expressamente: “Será esse um reino dividido”. E isso é igualmente fatal para o ponto de vista popular; pois, após a unificação dos primeiros elementos do poder romano até os dias de Cristo, não houve divisão do reino; nem durante Sua época, nem por muitos anos depois disso, tal coisa aconteceu. As guerras civis não foram divisões do império, mas apenas esforços de indivíduos que adoravam o altar da ambição, com o objetivo de obter controle supremo do império. As pequenas revoltas ocasionais de províncias distantes, suprimidas com o poder e quase que com a velocidade semelhante a um trovão, não consistiram em divisões do reino. Nada além disso pode ser apontado como interferências à unidade do reino, por mais de trezentos anos depois de Cristo. Essa única consideração basta para invalidar para sempre o ponto de vista de que o reino de Deus, o quinto dessa série, conforme apresentado em Daniel 2, foi fundado no início da era cristã. Contudo, algumas reflexões a mais podem vir a calhar: DAP 58.4
1. O quinto reino não poderia ter sido fundado durante o primeiro advento de Cristo, pois não deveria existir de forma contemporânea a governos terrenos, mas, sim, sucedendo-lhes. Assim como o segundo reino sucedeu ao primeiro, o terceiro sucedeu ao segundo e o quarto sucedeu ao terceiro, por meio de violência e conquista, o quinto reino sucede ao quarto. Não existe ao mesmo tempo em que ele. O quarto reino precisa ser destruído primeiro, seus fragmentos removidos e o território desocupado para então o quinto reino se estabelecer como sucessor na linha do tempo. Mas a igreja existe contemporaneamente aos governos terrenos desde que estes existem. Havia uma igreja nos dias de Abel, de Enoque, de Noé, de Abraão e assim por diante até o presente. Não, a igreja não é a pedra que feriu os pés da estátua. Ela já existe há muito tempo e a obra da qual se incumbe não compreende a de ferir e subjugar governos terrenos. DAP 59.1
2. O quinto reino é introduzido pela pedra que fere a estátua. Qual parte da estátua é atingida? Os pés e seus dedos. Mas estes só se desenvolveram quatro séculos e meio após a crucifixão de Cristo. Na época da crucifixão, a estátua só havia desenvolvido até as coxas, por assim dizer. E caso o reino de Deus houvesse sido fundado então, se naqueles dias a pedra houvesse ferido a estátua, ela teria atingido as pernas, não os pés, onde a profecia indica. DAP 59.2
3. A pedra que fere a estátua se solta da montanha sem auxílio de mãos. A margem [na KJV] diz: “que não estava em mãos”. Isso mostra que o ato de ferir não é feito por uma pessoa atuando em lugar de outra; por exemplo, não pela igreja nas mãos de Cristo, mas se trata de uma obra que o próprio Senhor realiza com Seu poder divino, sem a mediação de nenhum agente humano. DAP 59.3
4. Mais uma vez, o reino de Deus é colocado diante da igreja como razão de esperança. O Senhor não ensinou aos discípulos uma oração que se tornaria obsoleta dentro de dois ou três anos. “Teu reino venha” é um pedido que pode sair dos lábios do paciente rebanho que espera nesses últimos dias de maneira tão apropriada quanto ao ser proferido pelos primeiros discípulos. DAP 59.4
5. Contamos com declarações bíblicas claras para confirmar as seguintes proposições: 1) o reino ainda era futuro na época da última Páscoa do nosso Senhor (Mateus 26:29). 2) Cristo não o fundou antes de Sua ascensão (Atos 1:6). (3) Carne e sangue não podem herdá-lo (1 Crônicas 15:50). 4) Foi uma promessa aos apóstolos e a todos aqueles que amam a Deus (Tiago 2:5). 5) É prometido no futuro ao pequeno rebanho (Lucas 12:32). 6) Os santos ali entrarão mediante muita tribulação (Atos 14:22). 7) Ele será estabelecido quando Cristo vier julgar os vivos e os mortos (2 Timóteo 4:1). 8) Isso acontecerá quando Ele voltar em glória com todos os Seus santos anjos (Mateus 25:31-34). DAP 59.5
Militando contra o ponto de vista acima apresentado, pode-se perguntar se a expressão “reino dos céus”, no Novo Testamento, não pode ser aplicada à igreja. Em alguns casos, sim; mas em outros, fica evidente que não. Nos textos decisivos citados acima, os quais mostram que o reino ainda era uma promessa mesmo depois da igreja ter sido plenamente estabelecida, que mortalidade não pode herdá-la e que só seria fundado em conexão com a vinda de nosso Senhor para juízo, a referência não pode ser a nenhum estado ou organização daqui da Terra. A questão diante de nós é ter a certeza do que constitui o reino de Daniel 2:44; e vimos que a profecia proíbe expressamente que o apliquemos à igreja, uma vez que, segundo os termos da própria profecia, só podemos procurar por esse reino a partir de mais de 400 anos depois da crucifixão de Cristo e do estabelecimento da igreja evangélica. Portanto, se, em algumas expressões do Novo Testamento, a palavra “reino” pode ser aplicada à obra da graça de Deus, ou à disseminação do evangelho, ela não pode, nesses casos, se referir ao reino apresentado em visão no livro de Daniel. Só pode se tratar do reino literal futuro da glória de Cristo, tão enfatizado tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos. DAP 59.6
É possível, também, ser levantada a objeção de que, quando a pedra fere a estátua, o ferro, o bronze, a prata e o ouro se quebram em pedaços juntos e, por isso, a pedra deveria atingir a estátua num momento em que todas essas partes ainda existissem. Em resposta, perguntamos: o que significa o fato de terem sido esmiuçadas? A expressão quer dizer que as mesmas pessoas que formaram os reinos de ouro estariam vivas quando a estátua se partisse em pedaços? Não, caso contrário a estátua só abrangeria o período de uma única geração. Significa que seria um reino dominante? Não, pois acontece uma sucessão de reinos até o quarto. Suponhamos, então, que o quinto reino houvesse sido fundado no primeiro advento. Em que sentido o bronze, a prata e o ouro estariam em existência naquela época mais do que nos dias de hoje? Ela se refere ao momento da segunda ressurreição, no qual todas as nações ímpias serão ressuscitadas? Não, pois a destruição dos governos terrenos na atual condição, simbolizada na visão pelo ferimento da estátua, certamente ocorrerá ao fim desta dispensação; e, na segunda ressurreição, não haverá mais nenhum tipo de distinção nacional. DAP 60.1
Não existe, na verdade, nenhuma objeção para o ponto analisado, pois todos os reinos simbolizados pela estátua continuam a existir, em certo sentido. A Caldeia e a Assíria continuam a ser as primeiras divisões da estátua; a Média e a Pérsia, a segunda; Macedônia, Grécia, Trácia, Ásia Menor e Egito, a terceira. É verdade que a vida política e o domínio passaram de uma para a outra, mas, no que se refere à estátua, tudo agora se concentra nas divisões do quarto reino. No entanto, os outros continuam a existir em localização e concretude, muito embora sem exercer domínio. E juntos serão esmiuçados quando o quinto reino iniciar. DAP 60.2
Pode-se ainda perguntar, em objeção: não é um fato que todos os dez reinos, em cuja época o reino de Deus devia ser estabelecido, já se passaram? E como o reino de Deus ainda não foi fundado, será que a profecia, de acordo com o ponto de vista aqui defendido, não se mostrou um fracasso? Respondemos: esses reinos ainda não passaram. Ainda estamos no período deles. A ilustração a seguir, da obra Cause and Cure of Infidelity [Causa e Cura da Infidelidade], do Dr. Nelson, p. 374-375, tornará bem claro esse ponto: DAP 60.3
“Suponha que um povo frágil esteja sofrendo invasões quase constantes de inimigos numerosos e vorazes. Suponha que um príncipe poderoso e bom mande a mensagem de que, por determinado número de anos, digamos, trinta, manterá dez guarnições para a segurança da fronteira desse reino mais fraco, cada uma formada por cem homens bem armados. Suponha que fortes sejam construídos e ali permaneçam por alguns anos, até que dois deles são incendiados e reconstruídos sem demora. Houve qualquer violação da palavra do soberano? Não! Não houve nenhuma interrupção relevante na continuidade dos muros fortificados; além disso, a parte mais importante da proteção continuava ali. Mais uma vez, suponha que o monarca mande destruir duas fortalezas, mas, ao lado de onde elas se encontravam, imediatamente ordena erigir outras duas construções, mais capazes e desejáveis. A promessa continua válida? Nossa resposta é afirmativa e cremos que ninguém discordaria de nós. Por fim, suponha que, além das dez guarnições, fosse demonstrado que, por vários meses ao longo dos trinta anos, uma guarnição a mais fosse colocada ali; e, por um ou dois anos dos trinta, tenha havido onze, em lugar de dez fortificações. Podemos dizer que houve retratação ou falha da proposta original? Ou que qualquer uma das aparentes interrupções aqui mencionadas impedirá que as chamemos, com propriedade, de “as dez guarnições da fronteira”? A resposta indiscutível é não.” DAP 60.4
“É isso que tem acontecido com relação aos dez reinos da Europa sob o cetro romano. Eles existem há 1.260 anos. A mudança de nome de vários deles, segundo os caprichos daqueles que os conquistaram, não destruiu sua existência. A mudança dos limites territoriais de outros não significa que a nação não esteja mais ali. Mesmo que outros tenham caído enquanto sucessores se formavam em seu local, os dez chifres persistem ali. Se, por alguns anos dentro de mil, houve mais do que dez, se algum poder temporário se ergueu tentando reivindicar um espaço junto com os outros e logo desapareceu, isso não faz a besta ter menos do que dez chifres.” DAP 61.1
Scott comenta: DAP 61.2
“Não há dúvida de que o império romano foi dividido em dez reinos; e, muito embora eles às vezes tenham existido em maior ou menor número, continuam a ser conhecidos pelo nome de dez reinos do império ocidental”. DAP 61.3
Assim a questão é solucionada e fica livre de todas as dificuldades. O tempo desenvolveu plenamente todas as partes da estátua. Mais estritamente falando, representa os importantes acontecimentos políticos que foi destinada a simbolizar. Fica de pé em sua forma completa. E assim tem estado por mais de 1.400 anos. Ela aguarda para ser ferida nos pés pela pedra cortada sem auxílio de mãos, ou seja, pelo reino de Cristo. Isso acontecerá quando o Senhor for revelado em fogo consumidor, vingando-Se daqueles que não conhecem a Deus e não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Salmo 2:8-9.) Nos dias desses reis, o Deus do Céu estabelecerá um reino. Já estamos nos dias desses reis há mais de 14 séculos, e neles continuamos. Por isso, segundo a profecia, o próximo acontecimento é a fundação do reino eterno de Deus. Outras profecias e sinais incontáveis mostram, sem sombra de dúvida, sua proximidade imediata. DAP 61.4
O reino vindouro! Esse deveria ser o tema incessante da geração presente. Leitor, você está pronto? Aqueles que entrarem nesse reino não o farão apenas pelo período de uma vida dos seres humanos da atual condição, nem o verão se degenerar ao ser dominado por um reino sucessor mais poderoso; pelo contrário, quem nele entrar participará de todos os seus privilégios e de todas as suas bênçãos, partilhando de suas glórias para sempre; pois este reino “não passará a outro povo”. Mais uma vez lhe perguntamos: você está pronto? Os termos da herança são os mais liberais: “E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gálatas 3:29). Você é amigo de Cristo, o Rei vindouro? Ama Seu caráter? Está tentando seguir humildemente Suas pegadas e obedecer a Seus ensinos? Se não, leia seu destino descrito no caso daqueles da parábola, acerca dos quais foi dito: “Quanto, porém, a esses meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e executai-os na minha presença” (Lucas 19:27). Não haverá reino rival onde você poderá encontrar asilo caso seja inimigo desse. Pois ele ocupará todo território que algum ou todos os reinos deste mundo já possuíram no passado ou presente. Preencherá a Terra inteira. Bem-aventurados aqueles para quem o justo Soberano, o Rei que a tudo conquista, poderá por fim dizer: “Vinde, benditos de Meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mateus 25:34). DAP 61.5
VERSÍCULO 46. Então, o rei Nabucodonosor se inclinou, e se prostrou rosto em terra perante Daniel, e ordenou que lhe fizessem oferta de manjares e suaves perfumes. 47. Disse o rei a Daniel: Certamente, o vosso Deus é o Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador de mistérios, pois pudeste revelar este mistério. 48. Então, o rei engrandeceu a Daniel, e lhe deu muitos e grandes presentes, e o pôs por governador de toda a província da Babilônia, como também o fez chefe supremo de todos os sábios da Babilônia. 49. A pedido de Daniel, constituiu o rei a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego sobre os negócios da província da Babilônia; Daniel, porém, permaneceu na corte do rei. DAP 62.1
Já nos demoramos bastante ao refletir sobre a interpretação do sonho que Daniel revelou ao monarca caldeu. Feito isso, precisamos voltar ao palácio de Nabucodonosor e a Daniel, enquanto este se encontrava na presença do rei, contando-lhe o sonho e sua interpretação, ao passo que os cortesãos, feiticeiros e astrólogos pasmos esperavam em volta, maravilhados e em silente perplexidade. DAP 62.2
É de se esperar que um monarca ambicioso, elevado ao mais alto trono terreno, no auge do sucesso ininterrupto, não tivesse muita tolerância para ouvir que seu reino, no qual sem dúvida ele depositava as mais acalentadas esperanças de que perduraria para sempre, seria conquistado por outro povo. Todavia, Daniel foi ousado e deixou bem claro esse fato para o rei; este, longe de se sentir ofendido, prostrou-se perante o profeta de Deus e lhe ofereceu adoração. Sem dúvida, Daniel imediatamente impediu o cumprimento das ordens do rei para que lhe prestassem honras divinas. Que Daniel teve um diálogo com o rei, não registrado aqui, fica evidente com base no versículo 47: “Respondeu o rei a Daniel e disse” (Daniel 2:47, ARC). Pode-se inferir também que Daniel se esforçou para redirecionar o sentimento de reverência do rei de si mesmo para o Deus do Céu, uma vez que o monarca responde: “Certamente, o vosso Deus é o Deus dos deuses, e o Senhor dos reis”. DAP 62.3
Então o rei transformou Daniel em um grande homem. Há duas coisas nesta vida que supostamente engradecem um indivíduo, e Daniel recebeu ambas do rei: 1) riquezas. Uma pessoa é considerada grande se for rica; e lemos que o rei lhe deu muitos presentes valiosos; 2) poder. Se, além das riquezas, a pessoa tiver poder, certamente, na opinião popular, ela é considerada grande. E Daniel recebeu poder em abundância. Tornou-se dirigente de toda a província de Babilônia e chefe dos governadores, acima de todos os sábios de Babilônia. DAP 62.4
Dessa forma, célere e completamente, Daniel começou a ser recompensado pela fidelidade à própria consciência e às ordens de Deus. Balaão desejava tanto os presentes de determinado rei pagão que tentou obtê-los mesmo contrariando uma ordem expressa do Senhor, tendo falhado vergonhosamente. Daniel não agiu com o objetivo de receber esses presentes; no entanto, ao manter sua integridade ao Senhor, ele os recebeu com fartura das mãos divinas. Seu avanço, tanto em riqueza quanto em poder, foi algo de extrema importância, pois permitiu que ele servisse seus conterrâneos menos favorecidos durante a longa permanência no cativeiro. DAP 63.1
Daniel não ficou inebriado, nem se deixou ficar intoxicado por sua vitória clara e as vantagens maravilhosas que recebeu. Lembrou-se primeiro dos três amigos que ansiosamente o acompanharam a respeito da questão do rei. E assim como o haviam ajudado com suas orações, determinou que deveriam repartir com ele as honras. A seu pedido, foram colocados na administração de Babilônia, ao passo que o próprio Daniel permaneceu “às portas do rei” (v. 49, ARC). Era às portas que se realizavam os concílios e onde eram decididas as questões mais importantes. O registro consiste na simples declaração de que Daniel se tornou o conselheiro chefe do rei. DAP 63.2