História do Sábado
13 – A Origem do Domingo como Dia do Senhor Não Pode Ser Traçada Até os Apóstolos
Declaração geral a respeito dos pais antenicenos – A mudança do sábado nunca foi mencionada por nenhum desses pais – Análise do argumento histórico em prol do domingo como o dia do Senhor – Comparação desse argumento com o argumento semelhante a favor da festa católica da Páscoa HS 137.1
Os pais antenicenos1 são os autores cristãos que surgiram após o período dos apóstolos e antes do Concílio de Niceia, em 325 d.C. Os que pautam sua vida pelas Escrituras inspiradas, não reconhecem nesses pais nenhuma autoridade que lhes dê o direito de mudar qualquer preceito do livro sagrado, ou de acrescentar preceitos novos. Mas aqueles cuja regra de vida é a Bíblia conforme modificada pela tradição, consideram que os primeiros pais da igreja têm autoridade muito parecida, ou igual, à dos escritores inspirados. Eles alegam que os pais conversaram com os apóstolos; ou, quando não, conversaram com pessoas que haviam visto alguns dos apóstolos; ou, pelo menos, viveram poucas gerações depois deles e, assim, aprenderam pela tradição, que envolveu poucas transmissões de pai para filho, qual era a verdadeira doutrina dos apóstolos. HS 137.2
Assim, em absoluta certeza, eles suprem a falta de testemunho inspirado a favor do suposto sábado cristão com numerosas citações dos primeiros pais. Que importa se não houver nenhuma menção à mudança do sábado no Novo Testamento? E se não houver nenhum mandamento que ordene descansar do trabalho no primeiro dia da semana? E se não houver nenhum método revelado na Bíblia pelo qual o primeiro dia da semana possa ser imposto usando o quarto mandamento? Eles suprem essas graves omissões das Escrituras com os testemunhos que, segundo eles afirmam, foram escritos por homens que viveram nos 300 anos que se seguiram à época dos apóstolos. HS 137.3
Usando essa autoridade, multidões ousam mudar o sábado ordenado no quarto mandamento. Mas junto ao engano em que os homens são enlaçados quando creem que a Bíblia pode ser corrigida pelos pais da igreja, está o engano relacionado àquilo que esses pais, de fato, ensinam. Afirma-se que os pais dão testemunho claro de que a mudança do sábado por Cristo é um fato histórico, e que eles sabiam que isso era verdade porque haviam conversado com os apóstolos, ou com alguns que tinham falado com eles. Também se declara que os pais chamavam o primeiro dia da semana de “sábado cristão”, e que eles não trabalhavam nesse dia em obediência ao quarto mandamento. HS 137.4
Todavia, é surpreendente o fato de que cada uma dessas afirmações é falsa. As pessoas que confiam na autoridade dos pais para se afastar do mandamento divino estão tristemente enganadas quanto àquilo que os pais ensinaram. HS 138.1
1. Os pais estão tão longe de testemunhar que os apóstolos lhes disseram que Cristo mudou o sábado, que nem sequer um dentre eles menciona tal mudança. HS 138.2
2. Nenhum deles jamais chamou o primeiro dia de “sábado cristão”, aliás, eles nunca o chamaram de “sábado” de qualquer tipo que seja. HS 138.3
3. Eles nunca falaram do domingo como um dia no qual o trabalho comum era pecado, nem defenderam a observância do domingo como um ato de obediência ao quarto mandamento. HS 138.4
4. Logo, a doutrina moderna de que o sábado foi mudado era absolutamente desconhecida nos primeiros séculos da igreja cristã.2 HS 138.5
Todavia, embora nenhuma declaração sobre a mudança do sábado possa ser encontrada nos escritos dos pais dos três primeiros séculos, alega-se que o testemunho deles fornece provas decisivas de que o primeiro dia da semana é o “dia do Senhor” de Apocalipse 1:10. O argumento bíblico de que o dia do Senhor é o sétimo dia e nenhum outro – pelo fato de que unicamente esse dia é reivindicado nas Sagradas Escrituras como pertencendo, de maneira peculiar, ao Pai e ao Filho – se encontra no capítulo 11 deste livro, e é absolutamente decisivo. Mas tal argumento é posto de lado sem resposta, e a pretensão do primeiro dia da semana a essa distinta honra de ser o dia do Senhor é justificada usando os escritos dos pais antenicenos da seguinte maneira: HS 138.6
Alega-se que o uso do termo “dia do Senhor” em referência ao primeiro dia da semana possa ser traçado retroativamente ao longo dos primeiros três séculos, começando pelos pais que viveram perto do fim do terceiro século, passando aos que os precederam imediatamente e mencionam o primeiro dia, retrocedendo, assim, por passos sucessivos, até chegar àquele que viveu nos tempos de João e foi seu discípulo; e esse discípulo de João chama o primeiro dia da semana de dia do Senhor. Conclui-se, então, que João, ao usar o termo “dia do Senhor”, quis se referir ao primeiro dia da semana, mas não definiu seu significado, pois esse dia já era familiarmente conhecido por esse nome na época. Desse modo, usando a história, prova-se que o primeiro dia da semana era o “dia do Senhor” de Apocalipse 1:10; então, por meio de Apocalipse 1:10, comprova-se que o primeiro dia da semana é o dia santo desta dispensação, pois o Espírito da inspiração, mediante o qual João escreveu, não teria chamado o primeiro dia por esse nome caso o mesmo fosse apenas uma instituição humana, e caso o sétimo dia ainda fosse separado por Deus como o dia santo do Senhor. HS 138.7
Essa é uma explanação concisa do argumento mais forte em defesa da santidade do primeiro dia que se pode extrair da história eclesiástica. É o argumento usado pelos defensores do primeiro dia, em seus escritos, para provar que o domingo é o dia que João chamou de dia do Senhor. Ele se baseia na declaração de que o termo “dia do Senhor”, como expressão para o domingo, começou a ser usado na época dos discípulos de João, e de que esse é o nome pelo qual o dia era comumente conhecido nos tempos de João. HS 138.8
Mas essa declaração inteira é falsa. A verdade é que nenhum escritor do primeiro século, nem do segundo século, até 194 d.C., que fala acerca do primeiro dia da semana, chamou-o de dia do Senhor! No entanto, o primeiro dia é mencionado sete vezes pelos autores da Bíblia antes da visão de João em Patmos no dia do Senhor, duas vezes por João em seu evangelho, escrito após seu retorno da ilha, e citado também cerca de 16 vezes por autores eclesiásticos do segundo século antes de 194 d.C.; e não há registro de um único caso sequer em que ele seja chamado de dia do Senhor! Apresentamos, a seguir, todas as menções encontradas na Bíblia. Moisés, no princípio, por inspiração divina, deu ao dia seu nome específico, e, embora se afirme que a ressurreição de Cristo o transformou em dia do Senhor, todos os autores sagrados que se referem ao dia, após esse evento, continuam aderindo ao simples nome de “primeiro dia da semana”. Aqui estão todos os textos em que os escritores inspirados mencionam esse dia: HS 139.1
Moisés, 1490 a.C.: “Houve tarde e manhã, o primeiro dia” (Gênesis 1:5). HS 139.2
Mateus, 41 d.C.: “No findar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana” (Mateus 28:1). HS 139.3
Paulo, 57 d.C..: “No primeiro dia da semana” (1 Coríntios 16:2). HS 139.4
Lucas, 60 d.C.: “Mas, no primeiro dia da semana” (Lucas 24:1). HS 139.5
Lucas, 63 d.C.: “No primeiro dia da semana” (Atos 20:7). HS 139.6
Marcos, 64 d.C.: “E, muito cedo, no primeiro dia da semana” (Marcos 16:2). “Havendo Ele ressuscitado de manhã cedo no primeiro dia da semana” (versículo 9). HS 139.7
Após a ressurreição de Cristo e antes da visão de João, em 96 d.C., o dia é mencionado seis vezes por homens inspirados, e, em todos os casos, simplesmente como primeiro dia da semana. Certamente, o primeiro dia da semana não era normalmente conhecido como dia do Senhor antes da época da visão de João. Para dizer a verdade, não era de modo algum chamado por esse nome, nem por nenhum outro equivalente, tampouco existe qualquer registro de que tenha sido separado por autoridade divina como tal. HS 139.8
Mas no ano 96, João diz: “Achei-me em espírito, no dia do Senhor” (Apocalipse 1:10). Fica claro que esse deve ser o dia que o Senhor separou para Si e reivindicou como Seu. Essas características verdadeiramente se aplicam ao sétimo dia, mas de modo algum se aplicam ao primeiro dia. Portanto, João não poderia chamar o primeiro dia de dia do Senhor, pois ele não o era. Contudo, se o Espírito de Deus tivesse o propósito, a essa altura, de criar uma nova instituição e chamar um determinado dia de dia do Senhor, que antes nunca havia sido assim designado por Deus, seria necessário que Ele especificasse qual seria esse novo dia. Ele não definiu o termo, provando que não estava dando um nome sagrado a uma nova instituição, mas, sim, falando de um dia bem conhecido e designado por Deus. Mas depois de voltar de Patmos, João escreveu seu evangelho,3 e nele mencionou o primeiro dia da semana por duas vezes. Vejamos se ele adere ao modo como os outros escritores sagrados se referiram ao dia ou se, ao mencionar o primeiro dia, ele lhe atribui algum nome sagrado. HS 139.9
João, em 97 d.C., diz: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada” (João 20:1). “Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana” (versículo 19). HS 140.1
Esses textos completam o registro bíblico do primeiro dia da semana. Eles apresentam evidências conclusivas de que, na visão em Patmos, João não recebeu nova luz ordenando-lhe que chamasse o primeiro dia da semana de dia do Senhor. Esse fato, em conjunto com todos os casos anteriores, constitui uma demonstração clara de que o primeiro dia não era nem familiar, nem de modo algum, conhecido como dia do Senhor na época de João. HS 140.2
Vejamos agora se o uso do termo “dia do Senhor” como título para o primeiro dia pode ser traçado até João por meio dos escritos dos pais da igreja. Apresentamos a seguir uma explanação concisa do testemunho pelo qual tenta-se fazer que os pais provem que João usou o termo “dia do Senhor” para se referir ao primeiro dia da semana. Uma corrente de sete testemunhas sucessivas, começando com um discípulo de João e se estendendo através de várias gerações, é feita para conectar e identificar o “dia do Senhor” de João com o “dia do Senhor” em referência ao domingo, usado em eras posteriores. Seguem as testemunhas: HS 140.3
1. Afirma-se que Inácio, o discípulo de João, normalmente se referia ao primeiro dia como o dia do Senhor. Ele seria a conexão direta entre os pais e os apóstolos. HS 140.4
2. A epístola de Plínio, 104 d.C., em conexão com Atos dos Mártires, é citada para provar que os mártires, a partir de sua época, eram testados no que se refere à observância do domingo. A pergunta era: “Você guarda o dia do Senhor?” HS 140.5
3. Em seguida, alega-se que Justino Mártir, 140 d.C., falou do domingo como o dia do Senhor. HS 140.6
4. Depois disso, o testemunho de Teófilo de Antioquia, 168 d.C., é destacado como uma poderosa defesa do domingo como dia do Senhor. HS 140.7
5. Então, alega-se que Dionísio de Corinto, 170 d.C., teria dito o mesmo. HS 140.8
6. Em seguida, Melito de Sardes, 177 d.C., teria confirmado o que os outros disseram. HS 140.9
7. Finalmente, Irineu, 178 d.C., que fora discípulo de Policarpo, e este, discípulo do apóstolo João, é citado como um testemunho decisivo a favor do domingo como o dia do Senhor e o sábado cristão. HS 140.10
Essas são as sete primeiras testemunhas mencionadas para provar que o domingo é o dia do Senhor. Elas nos levam para perto do fim do segundo século, e formam a corrente de testemunhos que identificam o “dia do Senhor” do apóstolo João com o “dia do Senhor” dominical em tempos posteriores. HS 140.11
Autores que defendem o primeiro dia apresentam tais testemunhos como provas definitivas de que o domingo é o “dia do Senhor” das Escrituras; e a igreja cristã aceita esse testemunho, mesmo na ausência do testemunho dos autores inspirados. Mas a insensatez do povo e a perversidade daqueles que o lideram podem ser expressas em uma só frase: o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o sétimo desses testemunhos são fraudes indesculpáveis, ao passo que o quinto e o sexto não têm nenhum peso decisivo sobre o caso. Eis os argumentos: HS 140.12
1. Afirma-se que Inácio, a primeira testemunha, deve ter conhecido o domingo como o dia do Senhor, pois ele o chama por esse nome, havendo conversado com o apóstolo João. Contudo, em todos os escritos desse pai, o termo “dia do Senhor” não ocorre nenhuma vez. Além disso, não há nenhuma menção sequer ao primeiro dia da semana! O leitor encontrará uma análise crítica das epístolas de Inácio no capítulo 14 deste livro. HS 141.1
2. A história de que os mártires da época de Plínio, por volta de 104 d.C., e a partir de então, eram testados pela pergunta “Você guarda o [domingo como o] dia do Senhor?” é pura invenção. Nenhuma pergunta semelhante a essa é encontrada nas palavras dos mártires até chegarmos ao quarto século. Mesmo então, a referência não é, de modo nenhum, ao primeiro dia da semana. Tal fato é demonstrado em detalhes no capítulo 15. HS 141.2
3. A obra Bible Dictionary of the American Tract Society [Dicionário Bíblico da Sociedade Norte-Americana de Folhetos], página 379, apresenta a terceira testemunha de que o domingo seria o dia do Senhor na pessoa de Justino Mártir, 140 d.C. Afirma-se que ele chamou o domingo de dia do Senhor citando-o da seguinte maneira: HS 141.3
“Justino Mártir observa que ‘no dia do Senhor todos os cristãos das cidades ou do campo se reúnem, pois este é o dia em que nosso Senhor ressuscitou’.” HS 141.4
Mas Justino nunca deu ao domingo o título de “dia do Senhor”, nem nenhum outro título sagrado. Estas são suas palavras citadas da maneira correta: HS 141.5
“E no dia chamado domingo, todos aqueles que vivem nas cidades ou no campo se reúnem em um lugar, e as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas são lidos enquanto o tempo permitir.”4 HS 141.6
Justino fala do dia chamado domingo. Mas para que ele possa ajudar a consolidar o título “dia do Senhor” para o domingo, suas palavras são deliberadamente alteradas. Dessa forma, a terceira testemunha do domingo como dia do Senhor, assim como a primeira e a segunda, é confeccionada por meio de fraude. A quarta fraude, porém, é ainda pior do que as três anteriores. HS 141.7
4. O quarto testemunho em favor do domingo como dia do Senhor aparece em Sabbath Manual [Manual do Sábado], do Dr. Justin Edwards, p. 114: HS 141.8
“Teófilo, bispo de Antioquia, disse por volta de 162 d.C.: ‘Tanto o costume quanto a razão nos desafiam a honrar o dia do Senhor, uma vez que foi nesse dia que nosso Senhor Jesus completou Sua ressurreição dos mortos’.” HS 141.9
Mas o Dr. Edwards não se dá ao trabalho de dizer em que lugar se encontram tais palavras nos escritos de Teófilo. HS 141.10
Após examinar cuidadosa e minuciosamente cada parágrafo dos escritos de Teófilo por diversas vezes, declaro com toda ênfase que nada do tipo pode ser encontrado em seus escritos. Ele nunca usou a expressão “dia do Senhor” e nem sequer se refere ao primeiro dia da semana. Tais palavras, que foram tão bem formuladas a fim de dar a impressão de que o domingo como dia do Senhor é uma instituição apostólica, foram colocadas em sua boca pela falsidade de alguém. HS 141.11
Aí estão quatro fraudes – os quatro primeiros exemplos do suposto uso do termo “dia do Senhor” com referência ao domingo. Todavia, é exatamente por meio dessas fraudes que o domingo como “dia do Senhor”, de eras posteriores, é identificado com o “dia do Senhor” bíblico. Alguém as inventou. O uso que se faz delas revela com clareza o propósito de sua criação, a saber, provar que o título “dia do Senhor” está ligado ao domingo por meio da autoridade apostólica. Com esse propósito em mente, essas fraudes se tornaram uma necessidade. O caso do domingo como dia do Senhor pode ser adequadamente ilustrado pelo mesmo método usado para estabelecer a longa sucessão papal. A autoridade apostólica dos papas como sendo a cabeça da igreja católica depende da possibilidade de identificar Pedro como o primeiro papa, e de comprovar de que a autoridade do apóstolo lhes foi transmitida. Não é difícil remontar sua linhagem a eras antigas, muito embora os primeiros bispos romanos fossem homens modestos, despretensiosos, totalmente diferentes dos papas de tempos posteriores. Mas no que se refere a fazer de Pedro o primeiro de sua linhagem, ligando a autoridade do apóstolo à deles, isso só é possível por meio de testemunhos fraudulentos. O mesmo ocorre com a observância do primeiro dia. Ela pode ser reconhecida como uma festividade já na época de Justino Mártir, 140 d.C., mas, nesse período, o dia não tinha nenhum nome santo, nem reivindicava autoridade apostólica para si. Contudo, como essas prerrogativas precisavam ser obtidas a qualquer custo, a origem do título “dia do Senhor” é ligada ao apóstolo João por meio de uma série de testemunhos fraudulentos, assim como a origem da autoridade dos papas é atribuída ao apóstolo Pedro. HS 142.1
5. O quinto testemunho dessa série vem de Dionísio de Corinto, 170 d.C. Ao contrário dos quatro que já foram examinados, Dionísio realmente usa a expressão “dia do Senhor”, embora não diga nada quanto a sua identificação com o primeiro dia da semana. Suas palavras são as seguintes: HS 142.2
“Hoje passamos o dia santo do Senhor, no qual lemos sua epístola. Ao lê-la, sempre encheremos a mente de admoestações, e o mesmo ocorrerá quando lermos a que nos foi escrita antes por Clemente.”5 HS 142.3
A epístola de Dionísio a Sóter, bispo de Roma, da qual esta frase foi extraída, não se encontra mais disponível. Eusébio, que escreveu no quarto século, nos preservou essa afirmação, mas não temos conhecimento de seu contexto. Os autores que defendem o primeiro dia citam Dionísio como a quinta testemunha de que o domingo é o dia do Senhor. Eles afirmam que o domingo era tão familiarmente conhecido como o dia do Senhor nessa época, que Dionísio o chama por esse nome sem sentir a necessidade de parar para explicar o que ele significava. HS 142.4
Porém, não é honesto apresentar Dionísio como testemunha do domingo como dia do Senhor, pois ele não faz nenhuma aplicação do termo. Mas alega-se que ele certamente se referiu ao domingo, pois este era o nome comum do dia em sua época, comprovado ainda mais pelo fato de Dionísio não ter se dado ao trabalho de definir o termo que utilizou. E como se sabe que o “dia do Senhor” era o nome corriqueiro do domingo na época de Dionísio? Tudo o que temos à disposição para comprovar esse fato são as quatro testemunhas já analisadas, pois não há nenhum escritor por quase 30 anos após Dionísio que chame o domingo de “dia do Senhor”. Portanto, para os defensores do domingo, Dionísio constitui a quinta testemunha em favor do primeiro dia como sendo o dia do Senhor, devido ao fato de que as primeiras quatro testemunhas teriam provado que, em sua época, “dia do Senhor” era o nome comum para o primeiro dia da semana. Entretanto, essas quatro primeiras testemunhas não dão testemunho algum sobre esse fato, a menos que palavras fraudulentas sejam colocadas em sua boca! Dionísio só pode ser uma testemunha a favor do domingo como dia do Senhor se o significado de suas palavras for definido à luz dos quatro testemunhos fraudulentos das gerações anteriores! HS 142.5
Alega-se que a expressão “dia do Senhor” deve ter sido muito comumente usada para se referir ao primeiro dia da semana, visto que Dionísio nem mesmo definiu o termo! Porém, aqueles que dizem isso sabem que apenas uma frase de sua epístola permanece até nossos dias, ao passo que o contexto, que certamente determinaria seu significado, desapareceu. HS 143.1
Mas Dionísio não usa apenas o termo “dia do Senhor”. Ele lança mão de uma expressão ainda mais forte: “o dia santo do Senhor”. Mesmo depois de Dionísio, por um longo período, nenhum escritor dá ao domingo o honroso título de “dia santo do Senhor”. Todavia, este é justamente o título conferido ao sábado nas Sagradas Escrituras. É também um fato largamente comprovado que, nessa mesma época, o sétimo dia era observado em muitos lugares, sobretudo na Grécia, o país de Dionísio, em um ato de obediência ao quarto mandamento.6 HS 143.2
6. A sexta testemunha desta notável série é Melito de Sardes, 177 d.C. As quatro primeiras, que nunca usaram o termo “dia do Senhor”, são apresentadas por meio de fraude chamando o domingo por esse nome; a quinta, que fala do dia santo do Senhor, é apoiada na força dessas fraudes para fazer referência ao domingo, ao passo que, na sexta, não se pode provar que tenha sido feita alusão a dia algum! Melito escreveu diversos livros, hoje perdidos, cujos títulos nos foram preservados por Eusébio.7 Um deles intitula-se “On the Lord’s Day” [Sobre o Dia do Senhor], conforme consta na tradução de Eusébio para a língua inglesa. É claro que os defensores do primeiro dia afirmam que a obra consiste em um tratado relativo ao domingo, muito embora até aquele momento nenhum escritor houvesse chamado o domingo por esse nome. Contudo, é importante destacar que a palavra dia não faz parte do título do livro de Melito. Tratava-se de um discurso sobre algo relativo ao Senhor – ὁ περι τῆς κυριακῆς λόγος [ho peri tes kuriakes logos] –, mas a palavra essencial ἡμερας [hemera], “dia”, não aparece. Pode ter sido um tratado sobre a vida de Cristo, pois Inácio relaciona ao título estas palavras: κυριακὴν ζωὴν [kuriaken zoen], vida do Senhor. Assim como a frase de Dionísio, a de Melito não pareceria contribuir com a teoria de que o domingo era conhecido como dia do Senhor, se não fosse pela série de fraudes na qual se apoia. HS 143.3
7. A sétima testemunha usada para provar que “dia do Senhor” era o título apostólico para o domingo é Irineu. O Dr. Justin Edwards cita esse escritor da seguinte maneira:8 HS 144.1
“Portanto, Irineu, bispo de Lião, discípulo de Policarpo, que foi companheiro dos apóstolos, em 167 d.C. [deveria ser 178 d.C.], disse que o dia do Senhor era o sábado cristão [o domingo]. Suas palavras são: ‘No dia do Senhor, todos nós cristãos guardamos o sábado, meditando na lei e nos regozijando nas obras de Deus’.” HS 144.2
Esse testemunho é usado com o intuito de dar às palavras de Irineu grande peso e autoridade. Afinal de contas, Irineu foi discípulo do eminente mártir cristão Policarpo, e Policarpo havia sido companheiro dos apóstolos. Logo, muitos consideram o que Irineu diz como algo tão digno de confiança quanto os próprios escritos dos apóstolos. Não é fato que Irineu chamou o domingo de “sábado cristão” e de “dia do Senhor”? Ele não aprendeu essas coisas com Policarpo? E Policarpo não as obteve direto da fonte? Que necessidade temos de mais testemunhas de que o “dia do Senhor” é o nome apostólico para o domingo? Alguém poderia argumentar assim: mesmo que fique comprovado que as seis testemunhas anteriores não são dignas de confiança, não temos aqui alguém que refuta todas as objeções, alguém que recebeu sua doutrina de um homem cuja formação doutrinária proveio diretamente dos apóstolos? HS 144.3
Por que, então, essa testemunha não define a autoridade do domingo como dia do Senhor? O primeiro motivo é que nem Irineu, nem ninguém, pode acrescentar ou mudar um preceito da Palavra de Deus por nenhuma razão. Jamais somos autorizados a nos afastar das palavras dos escritores inspirados com base no testemunho de homens que conversaram com os apóstolos, ou melhor, que conversaram com alguém que havia conversado com eles. Mas o segundo motivo é que cada palavra desse suposto testemunho de Irineu é fraudulenta! Além disso, não há nenhuma ocorrência da expressão “dia do Senhor” em suas obras, nem em fragmentos de suas obras preservados por outros autores!9 Com isso, chegamos ao fim das sete testemunhas por meio das quais o “dia do Senhor” da igreja católica é traçado retroativamente e identificado com o “dia do Senhor” da Bíblia! Foi somente em 194 d.C., 16 anos depois do último registro dessas testemunhas, que encontramos o primeiro caso em que o domingo é chamado de dia do Senhor. Em outras palavras, o domingo só é denominado “dia do Senhor” 98 anos depois de João passar por Patmos e 163 anos após a ressurreição de Cristo! HS 144.4
Mas será que isso não teria ocorrido devido aos registros desse período terem sido perdidos? De modo nenhum! Pois o dia é mencionado seis vezes, pelos autores inspirados, no período entre a ressurreição de Cristo, em 31 d.C., e a visão de João em Patmos, em 96 d.C., a saber: por Mateus, em 41 d.C., por Paulo, em 57 d.C., por Lucas, em 60 e 63 d.C., e por Marcos, em 64 d.C., e sempre como o “primeiro dia da semana”. Após retornar de Patmos, em 97 d.C., João menciona o dia duas vezes e continua a chamá-lo de “primeiro dia da semana”. HS 144.5
Depois dos tempos de João, o dia é mencionado na assim chamada epístola de Barnabé, provavelmente escrita em 140 d.C., e lá ele é chamado de “o oitavo dia”. Em seguida, é mencionado por Justino Mártir em sua Apologia, 140 d.C., uma vez, como “o dia no qual todos nós realizamos nossa assembleia comum”, uma vez, como “o primeiro dia, no qual Deus [...] criou o mundo”, uma vez, como “o mesmo dia [no qual Cristo] ressuscitou dos mortos”; uma vez, como “o dia depois do de Saturno” e três vezes como “o dia do sol”. Em seguida, o dia é mencionado por Justino Mártir em seu Diálogo com Trifão, 155 d.C., no qual ele chama o dia duas vezes de “oitavo dia”, uma vez de “o primeiro de todos os dias”, uma vez de “o primeiro [...] de todos os dias do ciclo [semanal]” e duas vezes de “o primeiro dia após o sábado”. Em seguida, é mencionado por Irineu, 178 d.C., que o chama simplesmente de “o primeiro dia da semana”. Depois disso, é citado uma vez por Bardesanes, que o denomina tão somente de “o primeiro da semana”. A variedade de nomes usados para mencionar o dia nesse período é impressionante, mas ele nunca é chamado de dia do Senhor, nem designado por nenhum nome santo. HS 145.1
Embora o domingo seja mencionado por meio de tantas nomenclaturas diferentes durante o segundo século, é unicamente mais perto do fim daquele século que encontramos o primeiro caso em que ele é chamado de dia do Senhor. Clemente de Alexandria, em 194 d.C., usa esse título com referência ao “oitavo dia”. Caso se refira a um dia natural, ele sem dúvida faz alusão ao domingo. Contudo, não fica claro se ele está falando de um dia natural, pois sua explicação dá ao termo um sentido completamente diferente. Suas palavras são as seguintes: HS 145.2
“Acerca do dia do Senhor, Platão fala profeticamente no décimo livro da República, usando as seguintes palavras: ‘E quando sete dias tiverem se passado para cada um deles na planície, no oitavo dia devem partir e chegar em quatro dias’. A planície deve ser compreendida como a região definida, um local ameno e moderado, a localidade dos piedosos; os sete dias são interpretados como cada movimento dos sete planetas e toda a arte prática que acelera até o ponto final de descanso. Mas após as órbitas vagueantes, a jornada conduz ao Céu, isto é, ao oitavo movimento e dia. E ele diz que almas se vão no quarto dia, destacando a passagem através dos quatro elementos. Mas o sétimo dia é reconhecido como sagrado, não só pelos hebreus, mas também pelos gregos, segundo o qual gira todo o mundo animal e vegetal.”10 HS 145.3
Clemente foi originalmente um filósofo pagão, e os estranhos misticismos que ele coloca nas palavras de Platão são apenas modificações de suas antigas crenças pagãs. Embora ele afirme que Platão fala sobre o dia do Senhor, fica claro que ele não considera que seja uma referência a dias literais ou a uma planície literal. Pelo contrário, Clemente interpreta que a planície representa “a região definida, um local ameno e moderado, a localidade dos piedosos”, que deve ser uma alusão a sua herança futura. Os sete dias não correspondem a dias literais, mas representam “cada movimento dos sete planetas e toda a arte prática que acelera até o ponto final de descanso”. Isso parece representar o período presente de labor que terminará com o descanso dos santos, pois ele acrescenta: “Mas após as órbitas vagueantes (representadas pelos sete dias de Platão), a jornada conduz ao Céu, isto é, ao oitavo movimento e dia”. Logo, os sete dias aqui correspondem ao período da peregrinação cristã, e o oitavo dia que Clemente menciona nesta passagem não é o domingo, mas o próprio Céu! Aqui se encontra o primeiro uso de “dia do Senhor” como nome para o oitavo dia, mas esse oitavo dia é místico e simboliza o Céu! HS 145.4
No entanto, Clemente usa a expressão “dia do Senhor” mais uma vez, que, nesse caso, representa claramente não um dia literal, mas, sim, todo o período de nossa vida regenerada; pois ele a utiliza ao falar do jejum, e define jejum como a abstinência de prazeres pecaminosos, não apenas de atos, – usando a distinção que o próprio Clemente faz – como proibidos pela lei, mas também em pensamentos, segundo a proibição do evangelho. Tal jejum se aplica à vida inteira do cristão. Clemente descreve o que está envolvido na observância desse dever, segundo o evangelho, da seguinte forma: HS 146.1
“Em cumprimento ao preceito, de acordo com o evangelho, o indivíduo guarda o dia do Senhor quando abandona uma disposição perversa e assume a do gnóstico, glorificando a ressurreição do Senhor em si mesmo.”11 HS 146.2
Essa declaração nos informa não só seu conceito de jejum, mas também o que ele pensava sobre a celebração do dia do Senhor e sobre a glorificação da ressurreição de Cristo. Segundo Clemente, essas celebrações não implicavam em prestar honra especial ao domingo, mas, sim, em abandonar a disposição perversa e assumir a do gnóstico, seita cristã à qual ele pertencia. Fica claro que esse tipo de observância do dia do Senhor não está ligado a nenhum dia específico da semana, mas abrange toda a vida do cristão. O dia do Senhor de Clemente não era um dia literal, mas um dia místico que englobava, de acordo com este segundo uso do termo, toda a vida regenerada do cristão; e, segundo o primeiro uso do termo, envolvia também a vida futura no Céu. Tal ponto de vista é confirmado por sua declaração acerca do contraste entre a seita gnóstica, à qual ele pertencia, e os demais cristãos. Ele diz que o culto dos cristãos gnósticos “não [ocorria] em dias especiais, como fazem alguns, mas realizando tais coisas continuamente ao longo de toda a nossa vida”. Ele ainda explica que a adoração do gnóstico acontecia “não em um dia específico, ou em determinado templo, ou em certas festas e em dias predeterminados, mas, sim, ao longo de toda sua vida”.12 HS 146.3
Sem dúvida, é digno de nota que o primeiro escritor a fazer referência ao dia do Senhor como o oitavo dia não use a expressão para aludir a um dia literal, mas místico. Esse dia não corresponde ao domingo, mas à vida cristã ou ao próprio Céu! Essa doutrina do dia do Senhor perpétuo é encontrada em Tertuliano, e é claramente defendida por Orígenes, os próximos dois escritores a usar o termo “dia do Senhor”. Mas o dia do Senhor místico ou perpétuo de Clemente mostra que ele não fazia a menor ideia de que João, ao se referir ao dia do Senhor, tinha em mente o domingo, pois, se esse fosse o caso, ele deveria tê-lo reconhecido como o verdadeiro dia do Senhor, e como o dia especial de adoração dos gnósticos. HS 146.4
Tertuliano, em 200 d.C., é o próximo autor a usar o termo “dia do Senhor”. Ele define seu significado e atrela o nome ao dia da ressurreição de Cristo. Kitto13 afirma que esse é “o mais antigo caso autêntico” em que o nome é usado com esse significado. Provamos que isso é verdade analisando cada autor, a menos que o leitor consiga descobrir alguma referência ao domingo no oitavo dia místico de Clemente. As palavras de Tertuliano são as seguintes: HS 147.1
“Nós, porém (assim como recebemos), somente no dia do Senhor da ressurreição (solo die domínico resurrexionis) devemos nos guardar, não só de nos ajoelhar, mas de toda postura e ocupação de preocupação, pospondo até mesmo nossos negócios, para não darmos lugar ao Diabo. De maneira semelhante também no período do Pentecostes, o qual distinguimos pela mesma solenidade de exultação.”14 HS 147.2
Tertuliano usa o termo “dia do Senhor” outras duas vezes, definindo-o mais uma vez, nessa ocasião chamando-o de “oitavo dia”. Em cada um desses dois casos, ele coloca o dia do Senhor no mesmo patamar da festa católica do Pentecostes, assim como no exemplo já citado. Como segundo exemplo do uso do termo “dia do Senhor” por Tertuliano, citamos uma parte da repreensão que ele faz a seus irmãos por se misturarem com os pagãos em suas festas: HS 147.3
“Oh! Encontramos nas nações melhor fidelidade a suas próprias seitas, que não reivindica para si nenhuma solenidade dos cristãos! Nem no dia do Senhor, nem no Pentecostes, mesmo se os tivessem conhecido, teriam eles tomado parte conosco, pois temeriam se parecer cristãos. Nós, porém, não nos preocupamos se pareceremos pagãos! Sempre que há oportunidade de condescender com a carne, vocês a agarram. Não direi os seus próprios dias, mas outros também; pois para os pagãos, cada dia de festa acontece apenas uma vez por ano; já vocês têm um dia de festa a cada oitavo dia.”15 HS 147.4
Sem dúvida, a festa que Tertuliano menciona que ocorria a cada oitavo dia é a que ele havia acabado de chamar de dia do Senhor. Embora em outro texto16 ele afirme que a festa do domingo era observada pelo menos por parte dos pagãos, aqui ele diz que o dia do Senhor era desconhecido dos pagãos sobre os quais está escrevendo. Trata-se de um forte indício de que a festividade do domingo tinha começado a ser chamada de dia do Senhor havia pouco tempo. Mas ele ainda fala uma outra vez sobre o dia do Senhor: HS 147.5
“Com a mesma frequência com que o aniversário ocorre, fazemos ofertas pelos mortos como homenagens natalícias. Consideramos ilícito jejuar ou se ajoelhar em adoração no dia do Senhor. Nós nos alegramos no mesmo privilégio também desde a Páscoa até o Pentecostes. Ficamos contristados quando algum pão ou vinho, mesmo que seja nosso, é lançado ao chão. A cada passo e movimento avante, a cada entrada e saída, quando nos vestimos e nos calçamos, ao tomar banho, ao nos sentar à mesa, ao acender as lâmpadas, ao repousar, ao sentar, em todas as atividades comuns da vida diária, fazemos na testa o sinal [da cruz]. HS 147.6
“Se vocês insistirem em encontrar ordens bíblicas claras para estas e outras regras, não acharão nenhuma. A tradição lhes será apresentada como sua originadora, o costume como aquilo que as fortalece, e a fé como o elemento que conduz à sua observância. Que a razão apoiará a tradição, o costume e a fé, vocês mesmos perceberão, ou aprenderão de quem já o percebeu.”17 HS 148.1
Essa citação encerra os casos em que Tertuliano usa o termo “dia do Senhor”, com exceção de uma mera alusão ao mesmo em seu discurso sobre o jejum. É notável que, em cada um dos três casos, ele o iguale à festa do Pentecostes. Ele também o associa diretamente com as “ofertas pelos mortos” e com o uso do “sinal da cruz”. Quando lhe perguntam qual é a autoridade bíblica para tais práticas, ele não diz: “Temos a autoridade de João para o dia do Senhor, mas nada além da tradição para o sinal da cruz e para as ofertas pelos mortos”. Pelo contrário, ele diz que não há ordem bíblica para nenhuma delas. Se alguém perguntar: Como o título “dia do Senhor” poderia ter sido dado ao domingo exceto pela tradição derivada dos apóstolos? A resposta apropriada é: Qual foi a origem das ofertas pelos mortos? E como o sinal da cruz passou a ser usado pelos cristãos? O título “dia do Senhor” como nome para o domingo não é mais apostólico do que o sinal da cruz e as ofertas pelos mortos, pois ele, em nenhum sentido, está mais próximo dos tempos dos apóstolos do que esses erros tão claros da grande apostasia. HS 148.2
Clemente ensinou sobre um dia do Senhor perpétuo; Tertuliano defendia um ponto de vista semelhante, afirmando que os cristãos deveriam celebrar um sábado perpétuo, não se abstendo do trabalho, mas, sim, do pecado.18 O método de observância do domingo defendido por Tertuliano será analisado posteriormente. HS 148.3
Orígenes, em 231 d.C., é o terceiro escritor antigo a chamar “o oitavo dia” de dia do Senhor. Ele foi discípulo de Clemente, o primeiro escritor a fazer tal aplicação. Portanto, não é de admirar que ele ensine a doutrina de seu mestre sobre o dia do Senhor perpétuo, apresentando-a de maneira mais precisa que o próprio Clemente. Orígenes, depois de afirmar que Paulo ensina que todos os dias são iguais, diz o seguinte: HS 148.4
“Caso nos seja dirigida objeção a esse respeito, sob o argumento de que estamos acostumados a observar determinados dias, como por exemplo o dia do Senhor, a Preparação, a Páscoa ou o Pentecostes, preciso responder que, para o cristão perfeito, que em pensamento, palavra e ação está sempre servindo a seu Senhor natural – Deus, a Palavra –, todos os dias são do Senhor, e ele está sempre guardando o dia do Senhor.”19 HS 148.5
Isso foi escrito cerca de 40 anos depois de Clemente propor sua doutrina do dia do Senhor. O cristão imperfeito poderia honrar um “dia do Senhor” que estava no mesmo patamar da Preparação, da Páscoa e do Pentecostes, mas o cristão perfeito observava o verdadeiro “dia do Senhor”, que abrangia todos os dias de sua vida regenerada. Orígenes usa o termo “dia do Senhor” para falar de dois dias diferentes: (1) um dia natural, que, em sua opinião, estava no mesmo patamar da Preparação, da Páscoa e do Pentecostes; (2) um dia místico, que, assim como na doutrina de Clemente, corresponde a todo o período da vida do cristão. O dia místico, a seu ver, era o verdadeiro dia do Senhor. Conclui-se, portanto, que ele não cria que o domingo era o dia do Senhor por designação apostólica. Contudo, após a época de Orígenes, o termo “dia do Senhor” se tornou o nome comum para o suposto oitavo dia. Estes três homens, no entanto, a saber, Clemente, Tertuliano e Orígenes, os primeiros a fazer essa aplicação, além de não afirmar que o nome foi dado ao domingo pelos apóstolos, indicam claramente que esse não era o ponto de vista deles. As ofertas pelos mortos e o uso do sinal da cruz são práticas tão distantes dos tempos apostólicos quanto o uso da expressão “dia do Senhor” para designar o domingo. Os três costumes, porém, tiveram uma origem em comum, conforme demonstram as próprias palavras de Tertuliano. O ponto de vista de Orígenes em relação ao sábado e à festa do domingo será apresentado posteriormente. HS 149.1
Essa é a história da reivindicação do título de “dia do Senhor” para o domingo. O primeiro exemplo de seu uso, caso se suponha que Clemente se refere ao domingo, só ocorreu quase um século após a visão de João em Patmos. Os primeiros que chamaram o domingo de dia do Senhor não tinham qualquer ideia de que ele tinha sido assim designado por ordem divina ou apostólica, conforme deixam claro. Em contraste marcante com o domingo como dia do Senhor, encontra-se a festa católica da Páscoa. Embora ela não seja ordenada no Novo Testamento, sua origem remonta a homens que disseram ter recebido instruções dos apóstolos a respeito dessa festa! HS 149.2
Assim, as igrejas da Ásia Menor passaram a observar a festa por causa de Policarpo, que, conforme citado por Eusébio, “observou-a com João, discípulo de nosso Senhor, e com o restante dos apóstolos com quem ele se associava”.20 Sócrates diz que essas igrejas defendiam que tal observância “lhes fora transmitida pelo apóstolo João”.21 Anatólio afirma que as igrejas asiáticas receberam “a regra de uma autoridade incontestável, a saber, o evangelista João”.22 HS 149.3
Mas isso não é tudo. As igrejas ocidentais, encabeçadas pela igreja de Roma, também eram fervorosas observadoras da festa da Páscoa. Assim como as igrejas orientais, elas também traçavam a origem da festa aos apóstolos. Sócrates diz o seguinte a respeito delas: “Os romanos e as pessoas do Ocidente nos garantem que seu costume surgiu com os apóstolos Pedro e Paulo”.23 Mas ele afirma que tais indivíduos não podem provar tal fato por testemunho escrito. Sozomeno, comentando sobre os romanos e sua relação com a festa da Páscoa, afirma que eles “nunca se des viaram de seu costume original a esse respeito, e que a prática lhes foi transmitida pelos santos apóstolos Pedro e Paulo”.24 HS 149.4
Se a doutrina de que o domingo é o dia do Senhor pudesse ser traçada retroativamente até chegar a um homem que afirmava tê-lo celebrado junto com João e outros apóstolos, quão seguramente isso seria citado como prova inequívoca de que o dia era uma instituição apostólica! Todavia, é possível fazer isso com relação à festa da Páscoa! No entanto, um único fato, no caso dessa própria festa, é suficiente para nos ensinar sobre a insensatez de se confiar na tradição. Policarpo afirmava que João e outros apóstolos o ensinaram a observar a festa no 14º dia do primeiro mês, independente do dia da semana em que caísse, ao passo que os anciãos da igreja de Roma declaravam que Pedro e Paulo lhes ensinaram que ela deveria ser celebrada no domingo após a Sexta-feira da Paixão!25 HS 150.1
O “dia do Senhor” da igreja católica não chega mais próximo de João do que o ano 194 d.C., ou talvez, para ser mais preciso, 200 d.C. Além disso, os que utilizaram o nome “dia do Senhor” nessa época demonstraram claramente não crer que este fosse o dia do Senhor por designação apostólica. A fim de ocultar esses fatos cruciais – com a aparente intenção de conectar o título à época de Inácio, discípulo de João, e assim estabelecer uma correspondência entre o domingo e o “dia do Senhor” mencionado por aquele apóstolo – uma série de fraudes notáveis foram criadas, as quais tivemos a oportunidade de analisar. Mas mesmo que o domingo como dia do Senhor chegasse até Inácio, discípulo de João, o dia não estaria, em sentido algum, mais próximo de ser uma instituição apostólica do que a festa católica da Páscoa, que pode ser traçada até Policarpo, um outro discípulo de João, que afirmou tê-la recebido do próprio João! HS 150.2