História do Sábado
11 – O Sábado Durante o Ministério dos Apóstolos
O conhecimento de Deus preservado na família de Abraão – O chamado dos gentios – A nova aliança coloca a lei de Deus no coração de cada cristão – A nova aliança tem um templo no Céu, e uma arca contendo o grande original da lei que se encontrava dentro da arca terrena – O Sacerdote cuja oferta é capaz de eliminar o pecado ministra perante a arca – Comparação entre o Antigo e o Novo Testamentos – A família humana de todas as eras está sujeita à lei de Deus – A oliveira boa mostra a íntima relação entre a igreja do Novo Testamento e a igreja hebreia – A igreja apostólica guardava o sábado – Análise de Atos 13 – A assembleia dos apóstolos em Jerusalém – Origem sabatista da igreja de Filipos – Da igreja de Tessalônica – Da igreja de Corinto – As igrejas da Judeia e muitas das igrejas gentílicas foram iniciadas por guardadores do sábado – Análise de 1 Coríntios 16:1, 2 – O Dr. Edwards se contradiz – Paulo em Trôade – Análise de Romanos 14:1-6 – Os discípulos fogem da Judeia – O sábado bíblico no final do primeiro século HS 105.1
Delineamos a história do sábado ao longo de seu período de conexão especial com a família de Abraão. O término das setenta semanas nos leva ao chamado dos gentios e a sua inclusão nos privilégios concedidos aos hebreus. Vimos que não houve injustiça da parte de Deus ao derramar bênçãos especiais sobre os hebreus, deixando os gentios seguirem os caminhos que escolheram.1 Por duas vezes Ele dera à família humana, como um todo, a graça mais abrangente possível naquela era, e, nas duas ocasiões, isso resultou na apostasia quase total da raça humana. Então Deus escolheu como Sua herança a família de Abraão, Seu amigo; e, por intermédio dessa família, preservou na Terra o conhecimento de Sua lei, de Seu sábado e de Si próprio, até a vinda do grande Messias. Ao longo de Seu ministério, o Messias solenemente confirmou a perpetuidade da lei de Seu Pai, prescrevendo a obediência até mesmo ao menor de seus mandamentos.2 Por ocasião de Sua morte, Ele derrubou a parede de separação,3 a qual havia preservado os hebreus por tanto tempo como povo separado na Terra; e quando estava prestes a subir ao Céu, ordenou a Seus discípulos que fossem a todo mundo, pregar o evangelho a toda criatura, ensinando-as a guardar todas as coisas que Ele lhes havia ordenado.4 Com o fim da septuagésima semana, os apóstolos deram início ao cumprimento dessa grande comissão aos gentios.5 Vale ressaltar, aqui, vários fatos de profundo interesse: HS 105.2
1. A nova aliança, ou testamento, tem início a partir da morte do Redentor. De acordo com a predição de Jeremias, ela começou com os hebreus e permaneceu restrita exclusivamente a eles até o fim da septuagésima semana. A partir de então, os gentios foram incluídos na plena participação, com os hebreus, em suas bênçãos, deixando de ser estrangeiros, tornando-se concidadãos dos santos.6 Deus fez uma aliança com Seu povo, dessa vez, de forma individual, não nacional. As promessas dessa aliança englobam dois pontos muito interessantes: (1) Deus coloca Sua lei no coração do povo; (2) Ele lhes perdoa os pecados. Como essas promessas foram feitas 600 anos antes do nascimento de Cristo, não há dúvida sobre qual lei divina Jeremias estava mencionando. Era a lei divina existente naquela época que seria colocada no coração de cada santo da nova aliança. Logo, a nova aliança se baseia na perpetuidade da lei divina. Ela não anula essa lei, mas elimina do coração o pecado – a transgressão da lei – e coloca a lei de Deus em seu lugar.7 A perpetuidade de cada preceito da lei moral se encontra, portanto, no próprio fundamento da nova aliança. HS 106.1
2. A primeira aliança tinha um santuário e, dentro do santuário, a arca com a lei de Deus composta de dez mandamentos,8 além de um sacerdócio para ministrar diante da arca, para fazer expiação pelos pecados da humanidade.9 E o mesmo se pode dizer com relação à nova aliança. Em lugar de um tabernáculo construído por Moisés conforme o modelo do verdadeiro, a nova aliança conta com o maior e mais perfeito tabernáculo, erigido pelo Senhor, não pelo homem: o templo de Deus no Céu.10 O grande centro do santuário terreno era a arca contendo a lei que o ser humano havia transgredido, e o mesmo ocorre no santuário celestial. “E abriu-se no céu o templo de Deus, e a arca do Seu concerto [aliança] foi vista no Seu templo; e houve relâmpagos, e vozes, e trovões, e terremotos e grande saraiva” (ARC).11 Nosso Senhor Jesus Cristo, o grande Sumo Sacerdote, apresenta o próprio sangue perante a arca da aliança de Deus no templo celestial. A respeito desse objeto perante o qual Ele ministra, devem ser destacados os seguintes pontos: HS 106.2
1. A arca do templo celestial não está vazia; ela contém a aliança de Deus. Portanto, é o grande centro do santuário do alto, assim como a arca da aliança de Deus era o centro do santuário terreno.12 HS 106.3
2. A morte, do Redentor, pelos pecados da humanidade e Sua obra como Sumo Sacerdote perante a arca no Céu, têm ligação direta com o fato de que, dentro da arca, encontra-se a lei que a raça humana transgrediu. HS 107.1
3. Uma vez que a expiação e o sacerdócio de Cristo estão ligados à lei que está dentro da arca perante a qual Ele ministra, conclui-se que essa lei tanto existe quanto foi transgredida antes que o Salvador descesse para morrer pela humanidade. HS 107.2
4. Portanto, a lei que se encontra dentro da arca celestial não é uma lei originada no Novo Testamento, pois ela necessariamente existia muito antes disso. HS 107.3
5. Se Deus, portanto, revelou essa lei à humanidade, tal revelação deve ser procurada no Antigo Testamento. Pois, embora o Novo Testamento faça várias referências à lei que levou o Salvador a entregar a própria vida por seres humanos pecadores, e até contenha citações dela, Ele não publica uma segunda edição da mesma. Em vez disso, nos remonta ao Antigo Testamento, onde se encontra o código original.13 HS 107.4
6. Conclui-se, então, que essa lei foi revelada, e que essa revelação deve ser encontrada no Antigo Testamento. HS 107.5
7. Nele podemos ver (1) a descida do Santo ao monte Sinai, (2) a proclamação de Sua lei na forma de dez mandamentos, (3) os dez mandamentos escritos pelo dedo de Deus em duas tábuas de pedra, e (4) essas tábuas sendo colocadas embaixo do propiciatório, dentro da arca do santuário terrestre.14 HS 107.6
8. Pode-se demonstrar, da seguinte forma, que a notável lei do Antigo Testamento, guardada dentro da arca do santuário terreno, era a mesma da arca celestial: HS 107.7
1) O propiciatório colocado sobre os dez mandamentos era o local de onde se esperava o perdão, o grande ponto central da obra de expiação;15 HS 107.8
2) A lei sob o propiciatório era que tornava necessária a obra de expiação; HS 107.9
3) Não havia nenhuma expiação que pudesse remover os pecados; tratava-se apenas de uma expiação típica, uma sombra; HS 107.10
4) Mas havia pecados reais; logo, uma lei real que as pessoas haviam quebrado; HS 107.11
5) Portanto, faz-se necessária uma expiação real, capaz de remover os pecados; essa expiação verdadeira deveria estar ligada à lei que fora transgredida, e uma expiação típica a havia prefigurado;16 HS 107.12
6) Os dez mandamentos são, dessa forma, apresentados no Antigo Testamento como a lei que exigia expiação, embora o povo fosse sempre lembrado de que os sacrifícios ali apresentados não tinham condições de eliminar o pecado;17 HS 107.13
7) A morte de Jesus foi o antítipo desses sacrifícios, destinado a cumprir justamente aquilo que eles prefiguravam, mas não podiam realizar, a saber, a expiação pela transgressão da lei que se encontrava na arca, debaixo do propiciatório.18 HS 108.1
Chegamos, portanto, à conclusão de que a lei de Deus, contida dentro da arca celestial, é a mesma lei que ficava dentro da arca terrestre; e ambas são idênticas à lei que a nova aliança coloca dentro do coração de cada crente.19 O Antigo Testamento, então, nos apresenta a lei de Deus e a declara perfeita; ele também fornece uma expiação típica, mas afirma que ela é inadequada para remover os pecados.20 Por conseguinte, o que se fazia necessário não era uma nova versão da lei de Deus – pois a que já havia sido dada era perfeita –, mas, sim, uma expiação real para remover a culpa dos transgressores. O Novo Testamento responde de maneira precisa a essa necessidade, provendo uma expiação verdadeira mediante a morte e a intercessão do Redentor, sem apresentar, contudo, qualquer versão atualizada da lei de Deus,21 mas, sim, conduzindo-nos ao código perfeito entregue muito tempo atrás. Embora o Novo Testamento não apresente uma nova edição da lei de Deus, ele efetivamente mostra que a dispensação cristã conta com o grande original dessa lei no santuário celestial. HS 108.2
9. Vimos que a nova aliança coloca a lei de Deus dentro do coração de cada crente, e que o original dessa lei foi preservado no templo celestial. O fato de que toda a humanidade está sujeita à lei de Deus, e de que sempre esteve, é claramente revelado na epístola de Paulo aos Romanos. No primeiro capítulo, ele remonta a origem da idolatria à apostasia obstinada dos gentios, que ocorreu logo depois do dilúvio. No segundo capítulo, ele mostra que, embora Deus os tenha entregado aos próprios caminhos e, em consequência, lhes tenha deixado sem lei escrita, Ele não os abandonou em escuridão completa; pois eles tinham, por natureza, a obra da lei escrita no coração deles e, por mais turva que fosse a luz que tinham disponível, garantiriam a própria salvação ao viverem segundo essa luz, ou incorreriam em ruína se pecassem contra ela. No terceiro capítulo, o apóstolo mostra a vantagem da família de Abraão, por ter sido escolhida como herdeira de Deus, enquanto todas as outras nações foram entregues aos próprios caminhos. A vantagem era que os oráculos de Deus, a lei escrita, lhes foram concedidos como acréscimo à obra da lei escrita no coração, a qual tinham, por natureza, em comum com os gentios. Ele mostra, então, que os judeus não eram em nada melhores do que os gentios, uma vez que ambas as classes eram transgressoras da lei. Paulo prova esse fato por meio de citações do Antigo Testamento. Ele então comprova que a jurisdição da lei de Deus abarca toda a humanidade: HS 108.3
“Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus.”22 HS 108.4
Ele mostra, então, que a lei não pode salvar o culpado, mas, sim, condená-lo, e o faz com justiça. Em seguida, Paulo revela o grande fato de que a redenção, pela morte de Jesus, é o único meio pelo qual Deus pode justificar aqueles que buscam o perdão e, ao mesmo tempo, Ele próprio permanecer justo. Por fim, Paulo exclama: HS 109.1
“Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei.”23 HS 109.2
Deduzem-se, portanto, os seguintes pontos: (1) a lei de Deus não foi abolida; (2) a sentença de condenação que ela pronuncia sobre os culpados é tão abrangente quanto a oferta de perdão por meio do evangelho; (3) a obra dessa lei existe, por natureza, no coração dos seres humanos, fato este que nos leva à conclusão de que o homem, em seu estado original de justiça, a possuía em perfeição. Tal conclusão é ainda confirmada com o fato de que a nova aliança, depois de libertar o ser humano da condenação da lei de Deus, introduz essa lei em seu coração de maneira perfeita. O resumo de tudo isso é que a lei de Deus é o grande padrão para mostrar o pecado24 e, consequentemente, a norma que deve governar a vida de toda a raça humana, tanto de judeus quanto de gentios. HS 109.3
A ilustração da boa oliveira demonstra que a igreja, na dispensação presente, é, na verdade, uma continuação da antiga igreja hebraica. A igreja antiga era a oliveira de Deus, e tal árvore nunca foi destruída.25 Por causa da incredulidade, alguns de seus ramos foram quebrados; mas a proclamação do evangelho aos gentios não cria uma nova oliveira; ela simplesmente permite que os crentes gentios sejam enxertados na boa oliveira e tenham um lugar entre os ramos originais, e, com estes, participem de sua raiz e seiva. Essa oliveira deve datar do chamado de Abraão após a apostasia dos gentios, cujo tronco representa os patriarcas, começando com o pai de todos os que são da fé,26 e cujos ramos representam o povo hebreu. O enxerto da oliveira brava no lugar dos ramos que foram quebrados representa o acesso dos gentios, após o fim das setenta semanas, aos mesmos privilégios de que os hebreus gozavam. A igreja do Antigo Testamento, a oliveira original, era um reino de sacerdotes e uma nação santa; a igreja do Novo Testamento, a oliveira após o enxerto dos gentios, é caracterizada pelos mesmos termos.27 HS 109.4
Quando Deus entregou os gentios à própria apostasia antes do chamado de Abraão, Ele confundiu a língua deles para que não se entendessem e, assim, se espalhassem pela face da Terra. Revertendo essa barreira linguística, encontramos o dom de línguas no dia de Pentecostes, preparatório para o chamado dos gentios e seu enxerto na boa oliveira.28 HS 109.5
Acompanhamos a história do sábado até o chamado dos gentios e os eventos iniciais da dispensação evangélica. Constatamos que a lei de Deus, da qual o sábado faz parte, foi a mesma que tornou necessária a morte do Senhor como sacrifício expiatório. Vimos também que o grande original dessa lei se encontra na arca celestial, perante a qual nosso Senhor ministra como Sumo Sacerdote, ao passo que uma cópia dessa lei é escrita, pela nova aliança, dentro do coração de cada cristão. Vê-se, portanto, que a lei divina está mais conectada ao povo de Deus depois da morte do Redentor do que antes desse evento. HS 110.1
Não há sombra de dúvida de que a igreja apostólica considerava o sábado um dia sagrado, bem como todos os outros preceitos da lei moral. Esse fato é comprovado não somente porque os primeiros cristãos não eram acusados por seus inimigos mais inveterados de transgredir a lei, ou porque criam que o pecado era a transgressão da lei, ou porque aceitavam essa lei como o grande padrão que revela o pecado e por meio do qual o pecado se torna verdadeiramente mau.29 Tais pontos certamente são evidências muito conclusivas de que a igreja apostólica guardava o quarto mandamento. O testemunho de Tiago acerca dos dez mandamentos, segundo o qual aquele que viola um deles se torna culpado de todos, também é uma forte evidência de que a igreja primitiva considerava sagrada toda a lei de Deus.30 Contudo, além desses fatos, temos uma garantia muito específica de que o sábado do Senhor não foi esquecido pela igreja apostólica. A oração que nosso Senhor ensinou a Seus discípulos – de que a fuga da Judeia não caísse no sábado – tinha o objetivo, conforme vimos, de gravar profundamente na mente deles a santidade desse dia, e certamente alcançou esse resultado.31 Na história da igreja primitiva, encontramos várias referências importantes ao sábado. A primeira é a seguinte: HS 110.2
“Mas eles, atravessando de Perge para a Antioquia da Pisídia, indo num sábado à sinagoga, assentaram-se.” 32 HS 110.3
Convidado pelos líderes da sinagoga, Paulo fez um longo pronunciamento, provando que Jesus era o Cristo. No decorrer de sua argumentação, ele usou a seguinte linguagem: HS 110.4
“Pois os que habitavam em Jerusalém e as suas autoridades, não conhecendo Jesus nem os ensinos dos profetas que se leem todos os sábados, quando o condenaram, cumpriram as profecias.” 33 HS 110.5
Na conclusão do discurso de Paulo, lemos: HS 111.1
E, saídos os judeus da sinagoga, os gentios rogaram que no sábado seguinte34 lhes fossem ditas as mesmas coisas. E, despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos religiosos seguiram Paulo e Barnabé, os quais, falando-lhes, os exortavam a que permanecessem na graça de Deus. E, no sábado seguinte, ajuntou-se quase toda a cidade a ouvir a palavra de Deus.” 35 HS 111.2
Esses textos mostram o seguinte: HS 111.3
1. O termo “sábado” no livro de Atos se refere ao dia no qual o povo judeu se reunia na sinagoga para ouvir a voz dos profetas; HS 111.4
2. Como esse discurso foi proferido 14 anos depois da ressurreição de Cristo e o relato de Lucas foi escrito cerca de 30 anos após esse evento, conclui-se que a suposta mudança do sábado, por ocasião da ressurreição de Cristo, não havia chegado ao conhecimento de Lucas, nem de Paulo, mesmo depois de muitos anos; HS 111.5
3. Essa seria uma oportunidade excelente para mencionar a mudança do sábado para o domingo, caso fosse verdade que isso havia ocorrido em honra à ressurreição de Cristo. Quando Paulo recebeu o convite para pregar as mesmas palavras no sábado seguinte, ele poderia ter respondido que o dia seguinte [o domingo] era agora o dia apropriado para adorar a Deus. E Lucas, ao fazer o registro desse incidente, não poderia deixar de lado a menção ao novo dia, caso fosse verdade que outro dia havia se tornado o sábado do Senhor; HS 111.6
4. Uma vez que essa segunda reunião dizia respeito quase que exclusivamente aos gentios, não se pode dizer, neste caso, que Paulo pregou no dia de sábado por consideração aos judeus. Pelo contrário, a narrativa revela fortemente a consideração de Paulo pelo sábado como dia apropriado para o culto divino; HS 111.7
5. Também não se pode negar que o sábado era bem aceito pelos gentios nessa cidade, e que eles tinham certo grau de estima pelo dia, fato apoiado por outros textos. HS 111.8
Muitos anos depois, os apóstolos se reuniram em Jerusalém para ponderar a questão da circuncisão.36 “Alguns indivíduos que desceram da Judeia”, ao encontrar os gentios incircuncisos, “ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos”. Caso houvessem encontrado os gentios negligenciando o sábado, essa teria sido, sem dúvida, a primeira repreensão. É verdadeiramente digno de nota que não havia, naquela época, nenhuma disputa na igreja acerca da observância do sábado, pois nada do tipo foi levado a esse concílio dos apóstolos. Caso fosse verdade que a mudança do sábado era defendida na época, ou que Paulo ensinava os gentios a negligenciar o sábado, sem dúvida aqueles que levantaram a questão da circuncisão teriam insistido, com zelo ainda maior, na questão do sábado. Vários fatos conclusivos evidenciam que a lei de Moisés, cuja observância foi discutida nesse concílio, não se refere aos dez mandamentos: HS 111.9
1. Pedro chama o código em análise de jugo que nem os pais, nem eles próprios conseguiam suportar. Tiago, porém, chama a lei régia, que, segundo ele próprio mostra, engloba os dez mandamentos, de lei da liberdade; HS 112.1
2. A posição desse concílio foi contrária à autoridade da lei de Moisés; contudo, Tiago, participante do evento, ratificou solenemente alguns anos depois, a obediência aos mandamentos, afirmando que quem violava um deles era culpado de todos;37 HS 112.2
3. O principal aspecto da lei de Moisés em debate aqui era a circuncisão.38 Mas a circuncisão não fazia parte dos dez mandamentos; e caso fosse verdade que a lei de Moisés incluía esses mandamentos, a circuncisão não seria um aspecto proeminente dessa lei; HS 112.3
4. Finalmente, os preceitos que o concílio declarou que ainda eram obrigatórios também não pertenciam aos dez mandamentos propriamente ditos. Eram os seguintes: primeiro, a proibição de comer carnes sacrificadas a ídolos; segundo, de comer sangue; terceiro, de ingerir animais sufocados; e quarto, a abstenção da fornicação, ou relações sexuais ilícitas.39 Todos esses preceitos podem ser encontrados com frequência nos livros de Moisés.40 O primeiro e o último se enquadram no segundo e no sétimo mandamento, respectivamente. Mas cada um deles só abrange parte daquilo que é proibido nesses mandamentos. Fica claro, portanto, que a autoridade dos dez mandamentos não estava em discussão nesse concílio, e que a decisão da assembleia não teve nenhuma relação com esses preceitos. Caso contrário, os apóstolos teriam liberado os gentios de toda obrigação relacionada a oito dos dez mandamentos, e das proibições maiores contidas nos outros dois. HS 112.4
O grande erro daqueles que defendem que os gentios foram liberados da guarda do sábado nessa assembleia é evidente. A questão não foi apresentada aos apóstolos nessa ocasião, o que representa um prova forte de que os gentios não haviam sido ensinados a negligenciar o sábado, apenas a abandonar a circuncisão – motivo este que fez com que fossem levados perante os apóstolos em Jerusalém. O sábado, porém, foi mencionado nesse mesmo concílio como uma instituição existente – uma menção feita, a propósito, em conexão com os cristãos gentios. Assim, quando Tiago pronunciou a decisão acerca do questionamento, usou as seguintes palavras: HS 112.5
“Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue. Porque HS 112.6
Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados.”41 HS 113.1
O último fato é apresentado, por Tiago, como justificativa para o rumo de ações proposto para os irmãos gentios. “Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados.” Essa declaração deixa claro que o antigo costume de adorar a Deus no sábado não foi somente preservado pelo povo judeu e levado por eles a todas as cidades dos gentios, mas também que os cristãos gentios de fato frequentavam tais reuniões. Caso contrário, o motivo expresso por Tiago perderia toda a força e não se aplicaria a esse caso. A frequência deles à sinagoga é uma grande evidência de que o sábado era o dia de adoração a Deus nas igrejas gentílicas. HS 113.2
O fato de que o sábado do Senhor não havia sido anulado nem mudado antes dessa reunião dos apóstolos é fortemente comprovado pela natureza da disputa que foi resolvida no concílio. O fim da assembleia contemplou a permanência do sábado bíblico no trono sagrado da fortaleza do quarto mandamento. Depois disso, em uma visão noturna, Paulo foi chamado a visitar a Macedônia. Obedecendo ao chamado, dirigiu-se a Filipos, principal cidade daquela parte da Macedônia. Lucas registra a visita da seguinte forma: HS 113.3
“Nesta cidade, permanecemos alguns dias. No sábado, saímos da cidade para junto do rio, onde nos pareceu haver um lugar de oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que para ali tinham concorrido. Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.”42 HS 113.4
Não parece se tratar de uma reunião de judeus, mas, sim, de gentios, que, assim como Cornélio, adoravam o Deus verdadeiro. Vê-se, portanto, que a igreja dos filipenses surgiu de uma assembleia piedosa de gentios guardadores do sábado. É provável que Lídia e seus funcionários, que evidentemente guardavam o sábado, tenham sido os instrumentos usados para introduzir o evangelho em sua cidade, Tiatira. HS 113.5
“Tendo passado por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus. Paulo, segundo o seu costume,43 foi procurá-los e, por três sábados, arrazoou com eles acerca das Escrituras, expondo e demonstrando ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e Este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio. Alguns deles foram persuadidos e unidos a Paulo e Silas, bem como numerosa multidão de gregos piedosos e muitas distintas mulheres.”44 HS 113.6
Essa foi a origem da igreja de Tessalônica. Não há dúvida de que, em seus primórdios, era uma assembleia de guardadores do sábado, pois, além dos poucos judeus que aceitaram o evangelho pelos esforços de Paulo, havia uma grande multidão de gregos devotos – isto é, de gentios que se haviam unido aos judeus em adoração a Deus, no sábado. Temos fortes provas de que eles continuaram a guardar o sábado depois de aceitarem o evangelho, com base nas seguintes palavras de Paulo, dirigidas a eles como igreja de Cristo: HS 114.1
“Tanto é assim, irmãos, que vos tornastes imitadores das igrejas de Deus existentes na Judeia em Cristo Jesus.”45 HS 114.2
As igrejas da Judeia, conforme vimos, guardavam o sábado do Senhor. Os primeiros conversos tessalonicenses, antes de aceitarem o evangelho, guardavam o sábado e, quando se tornaram cristãos, adotaram as igrejas da Judeia como exemplos corretos. E essa igreja foi adotada como exemplo das igrejas da Macedônia e Acaia. Entre elas, encontravam-se as igrejas de Filipos e Corinto. Assim escreve Paulo: HS 114.3
“Com efeito, vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido a palavra, posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito Santo, de sorte que vos tornastes o modelo para todos os crentes na Macedônia e na Acaia. Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor não só na Macedônia e Acaia, mas também por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de acrescentar coisa alguma.”46 HS 114.4
Depois dessas coisas, Paulo foi para Corinto. Ali, encontrou Áquila e Priscila pela primeira vez. HS 114.5
“E, posto que eram do mesmo ofício, passou a morar com eles e ali trabalhava, pois a profissão deles era fazer tendas. E todos os sábados discorria na sinagoga, persuadindo tanto judeus como gregos.”47 HS 114.6
Nesse local também, Paulo encontrou, tanto gentios quanto judeus, adorando a Deus no sábado. Os primeiros membros da igreja de Corinto eram, portanto, guardadores do sábado na época em que aceitaram o evangelho; e, conforme vimos, eles adotaram o costume de guardar o sábado da igreja de Tessalônica, que, por sua vez, seguia a prática das igrejas da Judeia. HS 114.7
As primeiras igrejas foram fundadas na Judeia. Todos os seus membros estavam familiarizados, desde a infância, com a lei de Deus, e compreendiam bem o preceito “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar”. Além desse preceito, todas essas igrejas tinham um lembrete especial sobre o sábado. Elas sabiam, das palavras do próprio Senhor, que estava chegando o momento em que precisariam fugir repentinamente daquela terra. Em vista desse fato, deveriam orar para que o momento da fuga súbita não caísse no sábado. Tal oração tinha o propósito, conforme já vimos, de preservar a santidade do sábado. Portanto, não há dúvida alguma de que as igrejas da Judeia eram compostas por membros que guardavam o sábado. HS 114.8
Dentre as igrejas fundadas fora da Judeia, cuja origem está registrada no livro de Atos, quase todas começaram com conversos judeus. Eles eram guardadores do sábado quando aceitaram o evangelho. Os conversos gentios foram enxertados no meio deles. É importante notar que, em um número expressivo de casos, esses gentios são chamados de “gregos piedosos”, “prosélitos”, pessoas que “adoravam a Deus”, “tementes a Deus” e que “oravam a Deus”.48 Conforme vimos, na época de sua conversão ao evangelho, esses gentios adoravam a Deus no sábado, junto com os judeus. Quando Tiago propôs o tipo de carta que deveria ser dirigida, pelos apóstolos, aos gentios convertidos, ele especificou o motivo para que a mesma fosse adotada – motivo cuja força pode agora ser melhor apreciada: “Porque Moisés” – disse ele – “tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados”. A natureza sabatista das igrejas apostólicas é, assim, claramente confirmada. HS 115.1
Em uma carta destinada aos coríntios, escrita cerca de cinco anos depois que eles aceitaram o evangelho, Paulo supostamente contribui com uma quinta coluna para o templo do primeiro dia. Ele escreve: HS 115.2
“Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa [by him, na KJV], conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for.”49 HS 115.3
Com base nessa passagem, argumenta-se o seguinte a favor do primeiro dia como o dia de descanso cristão: HS 115.4
1. Era uma coleta pública; HS 115.5
2. Logo, o primeiro dia da semana era o dia de adoração pública nas igrejas de Corinto e da Galácia; HS 115.6
3. Por isso, o sábado fora mudado para esse dia. Assim, conclui-se que houve a mudança, com base nessas assembleias públicas em Corinto e na Galácia, do dia de adoração a Deus, do sábado para o primeiro dia. E a existência dessas reuniões no primeiro dia é inferida a partir das palavras de Paulo: “No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa [...]”. HS 115.7
O que, na verdade, essas palavras ordenam? Uma única resposta pode ser dada: elas ordenam justamente o contrário de uma coleta pública. Cada um deveria separar em sua casa, no primeiro dia da semana, segundo a prosperidade recebida de Deus, para que, quando Paulo chegasse, tivessem o montante pronto. O Sr. J. W. Morton, missionário presbiteriano no Haiti, dá o seguinte testemunho: HS 115.8
“Toda a questão gira em torno do sentido da expressão ‘by him’ [KJV, lit. ‘ao lado de si’] e muito me espanta que se possa imaginar que ela signifique ‘na caixa de coleta da congregação’. Greenfield, em seu léxico, traduz o termo grego por ‘consigo mesmo, isto é, em casa’. Duas versões latinas, a Vulgata e a de Castellio, traduzem por ‘apud se’, consigo mesmo. Três versões francesas, as de Martin, Osterwald e De Sacy, por ‘chez soi’, na própria casa, em casa. A tradução de Lutero para o alemão, por ‘bei sich selbst’, ao lado de si próprio, em casa. O holandês, por ‘by hemselven’, o mesmo que em alemão. A tradução italiana de Diodati, por ‘appresso di se’, em sua própria presença, em casa. A versão espanhola de Felippe Scio, ‘en su casa’, na própria casa. A versão portuguesa de Ferreira [ARA], por ‘em casa’. A tradução sueca, ‘naer sig self’, perto de si mesmo.”50 HS 115.9
O Dr. Bloomfield faz o seguinte comentário sobre o original: “par eauto, ‘perto de si, ao lado de si’. No francês, chez lui, ‘em casa’”.51 HS 116.1
A Bíblia Douay traduz assim: “Cada um de vós ponha de parte consigo mesmo”. O Sr. Sawyer traduz: “Cada um de vós separe sozinho”. A versão latina de Teodoro de Beza traz: “Apud se”, isto é, em casa. O siríaco apresenta: “Cada um de vós separe e guarde em casa”. HS 116.2
É verdade que um proeminente autor que defende o primeiro dia, Justin Edwards, doutor em divindade, no esforço calculado para provar a mudança do sábado, apresenta esse texto para mostrar que o domingo era o dia de adoração religiosa na igreja primitiva. Ele diz: HS 116.3
“Esse ato de pôr de parte não acontecia em casa, pois, se assim fosse, a realização de coletas seria impedida quando Paulo chegasse.”52 HS 116.4
Essa é a linguagem usada por um teólogo sobre quem recaiu a difícil tarefa de provar a mudança do sábado, com base na autoridade das Escrituras. Mas em sua obra Notes on the New Testament [Notas sobre o Novo Testamento], na qual se sente livre para falar a verdade, ele contradiz claramente suas próprias palavras citadas acima. Ele comenta o seguinte sobre o mesmo texto: HS 116.5
“Ponha de parte em um depósito, em casa. Para que não houvesse coletas e os donativos estivessem prontos quando o apóstolo chegasse.”53 HS 116.6
Até mesmo o Dr. Edwards, portanto, assume que a ideia de uma coleta pública não se encontra nesse texto das Escrituras. Pelo contrário, parece que cada indivíduo, em obediência a essa orientação de Paulo, seria encontrado separando algo para a causa de Deus em casa, segundo seus bens materiais permitissem. A mudança do sábado para o domingo, supostamente provada por esse texto, repousa exclusivamente sobre uma ideia que o Dr. Edwards assume não se encontrar na passagem. Vimos que a igreja de Corinto guardava o sábado. É evidente que a mudança do sábado nunca poderia ter sido proposta a eles através desse texto bíblico. HS 116.7
Essa é a única passagem em que Paulo chega a mencionar o primeiro dia da semana. Ela foi escrita quase 30 anos depois da suposta mudança do sábado. Contudo, Paulo não utiliza nenhum título de santidade para esse dia, chamando-o simplesmente de primeiro dia da semana, nome que representava um dos dias denominados “seis dias que são de trabalho”.54 Também é digno de nota que esse é o único preceito na Bíblia em que o primeiro dia é mencionado; e esse preceito nada diz com respeito à santidade do dia ao qual se refere; a própria tarefa ordenada tem caráter mais apropriado para um dia secular do que para um tempo santo. HS 116.8
Logo depois de escrever sua primeira epístola aos coríntios, Paulo visitou Trôade. No relato dessa visita, ocorreu o último episódio em que o primeiro dia da semana é mencionado no Novo Testamento: HS 117.1
“Depois dos dias dos pães asmos, navegamos de Filipos e, em cinco dias,55 fomos ter com eles naquele porto, onde passamos uma semana. No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite. Havia muitas lâmpadas no cenáculo onde estávamos reunidos. Um jovem, chamado Êutico, que estava sentado numa janela, adormecendo profundamente durante o prolongado discurso de Paulo, vencido pelo sono, caiu do terceiro andar abaixo e foi levantado morto. Descendo, porém, Paulo inclinou-se sobre ele e, abraçando-o, disse: Não vos perturbeis, que a vida nele está. Subindo de novo, partiu o pão, e comeu, e ainda lhes falou largamente até ao romper da alva. E, assim, partiu. Então, conduziram vivo o rapaz e sentiram-se grandemente confortados. Nós, porém, prosseguindo, embarcamos e navegamos para Assôs, onde devíamos receber Paulo, porque assim nos fora determinado, devendo ele ir por terra.”56 HS 117.2
Esse texto bíblico forneceria, supostamente, a sexta coluna do templo do primeiro dia. O argumento que os defensores do domingo fazem pode ser expresso resumidamente da seguinte forma: esse testemunho mostra que o primeiro dia da semana foi reservado, pela igreja apostólica, como um momento de reunião para partir o pão em honra à ressurreição de Cristo; portanto, é razoável concluir que esse dia havia se tornado o sábado cristão. HS 117.3
Se essa proposição [de partir o pão aos domingos] pudesse ser comprovada como verdade indubitável, a mudança do sábado para o domingo não se seguiria como uma conclusão necessária. Mesmo nesse caso, não passaria de uma conjectura plausível. Os fatos a seguir nos ajudarão a julgar a veracidade do argumento que defende a mudança do sábado: HS 117.4
1. Esse é o único caso de reunião religiosa no primeiro dia da semana registrado no Novo Testamento; HS 117.5
2. Não é possível dar ênfase à expressão “estando nós reunidos” [quando os discípulos se reuniram, na KJV] como se ela pudesse provar que havia reuniões com o propósito de partir o pão em todos os primeiros dias da semana. Não há nada no original que corresponda à conjunção “quando”, conforme consta na Versão King James. A frase inteira da versão inglesa foi traduzida a partir de três palavras do original: συνηγμένων [synegmenon], o particípio passivo perfeito, “estando reunidos”, e τῶν μαθητῶν [ton matheton], “os discípulos”; ou seja, o autor sagrado apenas afirmou que os discípulos estavam reunidos naquela ocasião;57 HS 117.6
3. A ordenança de partir o pão não foi estabelecida para celebrar a ressurreição de Cristo, mas para manter na memória Sua morte na cruz.58 O ato de partir o pão no primeiro dia da semana não é, portanto, uma comemoração da ressurreição de Cristo; HS 118.1
4. Visto que o partir do pão celebra a crucifixão de nosso Senhor, e que o mesmo foi instituído na noite que deu início ao dia em que ocorreu tal crucifixão – ocasião esta em que o próprio Jesus e todos os apóstolos estavam presentes –,59 fica evidente que o dia da crucifixão tem mais justificativa para ser celebrado pelo partir do pão do que o dia da ressurreição; HS 118.2
5. Mas como nosso Senhor não designou nenhum dia para a celebração dessa ordenança, e como há registro de que a igreja apostólica em Jerusalém chegou a celebrá-la diariamente,60 é presunção justificar a mudança do sábado para o domingo com base em um único caso do partir do pão no primeiro dia da semana; HS 118.3
6. Essa incidência do partir do pão no primeiro dia da semana foi uma referência clara à partida imediata e final de Paulo; HS 118.4
7. É notável o fato de que este único exemplo de reunião religiosa no primeiro dia da semana, registrado no Novo Testamento, tenha sido uma reunião noturna. Isso se prova pelas muitas luzes acesas na assembleia e por Paulo ter pregado até a meia-noite; HS 118.5
8. E desse fato, segue-se a importante implicação de que essa reunião do primeiro dia aconteceu num sábado à noite.61 Como os dias da semana eram contados de uma tarde a outra tarde, ou seja, de um anoitecer a outro, e a noite começava ao pôr do sol,62 vê-se que o primeiro dia da semana começa no sábado à noite, ao pôr do sol, e termina no pôr do sol de domingo. Logo, um encontro noturno no primeiro dia da semana só poderia ocorrer no sábado à noite; HS 118.6
9. Portanto, Paulo pregou até a meia-noite da noite de sábado – numa reunião realizada à noite, após o término do sábado, já que o apóstolo partiria na manhã seguinte –, e a reunião foi interrompida pela queda de um jovem. Paulo então desceu, curou o rapaz e subiu novamente para partir o pão. Ao raiar do dia, na manhã de domingo, ele partiu; HS 119.1
10. Assim, temos evidências conclusivas de que Paulo e seus companheiros retomaram a viagem para Jerusalém na manhã do primeiro dia da semana. Os companheiros foram de navio para Assôs e Paulo prosseguiu por terra. Tal fato consiste em uma prova implícita da consideração de Paulo pelo sábado, pois ele esperou que esse dia terminasse antes de seguir viagem. É também uma prova positiva de que ele nada sabia acerca daquilo que é chamado de sábado cristão nos tempos modernos; HS 119.2
11. Esta narrativa foi escrita por Lucas pelo menos 30 anos após a suposta mudança do sábado para o domingo. É digno de nota o fato de Lucas omitir todos os títulos de santidade da menção desse dia, chamando-o simplesmente de primeiro dia da semana. Isso se harmoniza admiravelmente com o fato de que Lucas, em seu evangelho, ao registrar o próprio evento que, conforme se alega, teria ocasionado a mudança do sábado, não só omite toda e qualquer insinuação de mudança, mas também chama o dia da ressurreição por seu nome secular, primeiro dia da semana, ao passo que chama o dia anterior de sábado segundo o mandamento.63 HS 119.3
No mesmo ano em que Paulo visitou Trôade, ele escreveu o seguinte à igreja de Roma: HS 119.4
“Acolhei ao que é débil na fé, não, porém, para discutir opiniões. Um crê que de tudo pode comer, mas o débil come legumes; quem come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que come, porque Deus o acolheu. Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso para o suster. Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente. Quem distingue entre dia e dia para o Senhor o faz; e quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o Senhor não come e dá graças a Deus.”64 HS 119.5
Essas palavras são muito citadas para mostrar que a observância do quarto mandamento é agora uma questão insignificante, e que cada indivíduo é livre para agir, nessa questão, conforme lhe agradar. Uma doutrina tão inusitada deve ser completamente testada antes de ser aceita. Pois, se aprouve a Deus ordenar o sábado antes da queda do homem e lhe dar um lugar em Seu código dos dez mandamentos, tornando-o, assim, parte integrante da lei com a qual a grande expiação se relaciona; se o Senhor Jesus, durante Seu ministério, dedicou tanto tempo explicando o propósito misericordioso desse dia, e cuidou de impedir sua profanação durante a fuga de Seu povo da terra da Judeia, algo que ocorreu dez anos depois que Paulo escreveu as palavras do texto acima; se o próprio quarto mandamento é expressamente reconhecido após a crucifixão de Cristo; e se, mediante tais circunstâncias, pudéssemos supor que é compatível com a verdade o Altíssimo anular o sábado, certamente deveríamos esperar que tal fato fosse expresso em linguagem explícita. Contudo, nem o sábado, nem o quarto mandamento são mencionados aqui. Os motivos a seguir demonstram que a linguagem de Paulo não faz referência a eles: HS 120.1
1. Tal ponto de vista tornaria a observância de um dos dez mandamentos uma questão indiferente, ao passo que Tiago mostra que a violação de um deles corresponde à transgressão de todos.65 HS 120.2
2. Trata-se de uma contradição direta do que Paulo havia escrito até então nesta epístola, pois, ao falar sobre a lei dos dez mandamentos, ele a caracteriza como santa, espiritual, justa e boa, e afirma que o pecado – a transgressão da lei –, pelo mandamento, se torna “sobremaneira maligno”.66 HS 120.3
3. Na mesma epístola, Paulo assegura a perpetuidade da lei que levou nosso Senhor a entregar a própria vida por homens pecadores,67 lei esta que já vimos se tratar dos dez mandamentos. HS 120.4
4. Neste caso, além de não mencionar por nome o sábado e o quarto mandamento, Paulo certamente não estava se referindo à lei moral. HS 120.5
5. O assunto em consideração, que o leva a falar sobre os dias da maneira que o faz, era a ingestão de todos os tipos de alimento, ou a abstinência de certas coisas. HS 120.6
6. O quarto mandamento não estava associado a preceitos dessa natureza, mas exclusivamente às leis morais.68 HS 120.7
7. Na lei cerimonial, juntamente com os preceitos referentes a alimentos, havia um grande número de festas, totalmente distintas do sábado do Senhor.69 HS 120.8
8. A igreja de Roma, provavelmente fundada pelos judeus romanos que estavam presentes no dia do Pentecostes, contava com muitos membros judeus em sua comunhão, conforme a própria epístola evidencia;70 eles, portanto, estariam profundamente interessados na decisão dessa questão relativa à lei cerimonial, pois os membros judeus sentiam, em sua consciência, o dever de observar essas ordenanças, ao passo que os membros gentios não tinham tais escrúpulos. Daí o admirável conselho de Paulo, atendendo, com exatidão, às necessidades de ambas as classes. HS 121.1
9. Tampouco se pode provar, de forma conclusiva, que a expressão “todos os dias” incluía o sábado do Senhor. Quando o sábado foi formalmente confiado aos hebreus, expressões exatamente iguais eram utilizadas, contudo, para se referir somente aos seis dias de trabalho. Assim lemos: “O povo sairá e colherá diariamente a porção para cada dia”. E a narrativa continua: “Colhiam-no, pois, manhã após manhã”. No entanto, quando alguns saíram para colher o maná no sábado, Deus questionou: “Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?”.71 Sendo o sábado uma grande verdade, declarada com clareza e repetida muitas vezes, dois pontos ficam claros ao Paulo usar a expressão “todos os dias”: (1) a expressão se refere aos seis dias de trabalho em que poderiam ocorrer as festas judaicas, que cerimonialmente faziam distinção entre um dia e outro, e durante as quais havia também distinções entre alimentos; (2) a expressão definitivamente não inclui o dia que, desde o início, Deus reservou para Si. O mesmo ocorre quando Paulo cita as palavras de Davi, aplicando-as a Jesus: “Todas as coisas sujeitou debaixo dos pés”, mas acrescenta: “E, quando diz que todas as coisas Lhe estão sujeitas, certamente, exclui Aquele que tudo Lhe subordinou”.72 HS 121.2
10. Por fim, nas palavras de João, “Achei-me em espírito, no dia do Senhor”,73 escritas muitos anos depois desta epístola de Paulo, temos prova absoluta de que, na dispensação evangélica, um dia ainda é reivindicado pelo Altíssimo como pertencendo a Si próprio.74 HS 121.3
Dez anos depois que essa epístola foi escrita, ocorreu a memorável fuga de todo o povo de Deus que se encontrava na terra da Judeia. Não foi no inverno, pois ocorreu logo depois da Festa dos Tabernáculos, em algum momento de outubro. E não ocorreu no sábado, pois Josefo, ao falar da súbita retirada do exército romano, que, depois de ter cercado a cidade, deu o sinal de fuga que o Senhor havia prometido a Seu povo, nos conta que os judeus saíram correndo da cidade, em busca dos romanos que se retiravam; e foi nesse exato momento que a ordem de fuga imediata, feita por nosso Senhor, se tornou imperativa para os discípulos. O historiador não afirma que os judeus perseguiram os romanos no sábado, embora mencione cuidadosamente o fato de que, alguns dias antes desse acontecimento, em sua raiva, eles haviam se esquecido completamente do sábado e se apressado para lutar contra os romanos nesse dia. Essas circunstâncias providenciais para a fuga dos discípulos, sendo condicionais ao fato de eles terem pedido tal intervenção da parte de Deus, evidenciam que os discípulos não se esqueceram da oração ensinada pelo Salvador a respeito desse evento; evidenciam também, consequentemente, que o sábado do Senhor não foi esquecido por eles. Assim, o Senhor Jesus, em Seu terno e vigilante cuidado por Seu povo e em prol do sábado, mostrou que era, tanto Senhor de Seu povo, quanto Senhor do sábado.75 HS 121.4
Vinte e seis anos depois da destruição de Jerusalém, o livro do Apocalipse foi confiado ao discípulo amado. O livro traz uma introdução extremamente interessante quanto ao lugar e ao momento em que foi revelado: HS 122.1
“Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. Achei-me em espírito, no dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta, dizendo: O que vês escreve em livro.”76 HS 122.2
Esse livro foi escrito na ilha de Patmos, no dia do Senhor. O lugar, o dia e o autor têm existência real, não meramente simbólica ou mística. Assim, João, quase no fim do primeiro século, e muito tempo depois de terem sido escritos os textos que são agora usados para provar que não existe distinção entre dias, mostra que o dia do Senhor tem existência tão real quanto a ilha de Patmos, ou quanto o próprio discípulo amado. HS 122.3
A que dia, então, João faz referência com essa designação? Várias respostas já foram dadas a essa pergunta: (1) a dispensação evangélica; (2) o dia do juízo; (3) o primeiro dia da semana; (4) o sábado do Senhor. A primeira resposta não pode ser a verdadeira, pois, além de transformar o dia em um termo místico, implica no absurdo de apresentar João escrevendo para os cristãos 65 anos depois da morte de Cristo, e dizendo que a visão que ele acabara de ter fora recebida na dispensação evangélica, como se eles fossem ignorantes de que, se ele de fato tivera uma visão, precisaria recebê-la na dispensação existente. HS 122.4
A segunda resposta também não pode ser admitida como a verdadeira; pois, embora seja verdade que João teve uma visão sobre o dia do juízo, é impossível que ele a tenha recebido nesse dia, que ainda estava no futuro. Se é um absurdo apresentar João recebendo sua visão na ilha de Patmos na dispensação evangélica, torna-se uma inverdade patente que ele tenha dito que estava em visão, em Patmos, no dia do juízo. HS 122.5
A terceira resposta, de que o dia do Senhor corresponde ao primeiro dia da semana, é hoje quase que universalmente aceita como verdade. O texto em análise é apresentado com ar de triunfo para concluir o templo da santidade do primeiro dia, como se provasse, sem sombra de dúvida, que esse dia é de fato o domingo, chamado de sábado cristão. Contudo, com base nas cuidadosas e precisas investigações feitas até o momento sobre esse templo, já descobrimos que seu alicerce não passa de fruto da imaginação; e que as colunas que o apoiam só existem na mente daqueles que adoram diante de seu altar. Resta-nos descobrir se a cúpula que essa passagem supostamente fornece ao templo é mais real do que as colunas sobre as quais ela se apoia. HS 122.6
O primeiro dia da semana não tem nenhum direito ao título de dia do Senhor, conforme demonstram os fatos a seguir: HS 123.1
1. Como esta passagem não define o termo “dia do Senhor”, precisamos procurar, em outras partes da Bíblia, evidências que mostrem que o primeiro dia merece receber tal designação; HS 123.2
2. Mateus, Marcos, Lucas, Paulo e outros autores sagrados que mencionam o dia não usam para o mesmo outra designação além de “primeiro dia da semana”, um nome que, por direito, o coloca entre um dos seis dias de trabalho. No entanto, três dos autores o mencionam bem na época em que se afirma que ele se tornou o dia do Senhor; e dois escritores o mencionam cerca de 30 anos depois; HS 123.3
3. Embora se afirme que o Espírito de inspiração simplesmente guiou João a usar o termo “dia do Senhor” com a expressa intenção de fazer dele o título adequado do primeiro dia da semana – apesar de João de modo algum estabelecer tal associação –, é impressionante constatar que João escreveu seu evangelho depois de sair da ilha de Patmos,77 e mencionou ali o primeiro dia da semana por duas vezes; todavia, em cada um dos casos em que ele trata, com certeza, do primeiro dia, não é usada nenhuma outra designação além do mero “primeiro dia da semana”. Trata-se de uma prova mais que convincente de que João não considerava o primeiro dia da semana merecedor de tal título, nem de qualquer outro que expressasse sua santidade; HS 123.4
4. O que define ainda mais a questão contra o primeiro dia da semana é o fato de que, nem o Pai, nem o Filho, exaltaram o primeiro dia acima de qualquer um dos outros seis dias dados ao ser humano para trabalhar; HS 123.5
5. Finalmente, o que completa a cadeia de evidências contra a reivindicação desse título para o primeiro dia é o fato de que, o testemunho, citado pelos defensores do primeiro dia para provar que ele foi adotado pelo Altíssimo no lugar do dia que Ele, no passado, afirmara ser Seu, depois de examinado, se mostra destituído desse significado ou intenção. Ao descartarmos a terceira resposta, por também não condizer com a verdade, o primeiro dia da semana pode ser apropriadamente repudiado por não merecer nossa consideração como instituição bíblica.78 HS 123.6
Há provas claras e definitivas de que o dia do Senhor é o sábado bíblico. O argumento é o seguinte: quando Deus deu ao ser humano seis dias da semana para trabalhar, Ele reservou expressamente o sétimo para Si, colocando sobre o mesmo Sua bênção, em memória de Seu próprio ato de descansar nesse dia; e daí em diante, ao longo de toda a Bíblia, Ele sempre o classificou como Seu dia santo. E como Deus nunca descartou esse dia sagrado nem escolheu outro, o sábado do Senhor é, ainda, Seu dia santo. Tais fatos podem ser encontrados nos textos bíblicos que serão citados a seguir. Ao fim do descanso do Criador, declara-se: HS 124.1
“E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera.”79 HS 124.2
Depois que os filhos de Israel chegaram ao deserto de Sim, no sexto dia Moisés lhes disse: HS 124.3
“Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor.”80 HS 124.4
Ao entregar os dez mandamentos, o Legislador declarou Seu direito sobre esse dia da seguinte forma: HS 124.5
“O sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; [...] porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou.”81 HS 124.6
Ele deu ao ser humano os seis dias nos quais Ele próprio havia trabalhado; e reservou como Seu o dia no qual descansou de toda Sua obra. Cerca de 800 anos depois, Deus falou o seguinte por intermédio de Isaías: HS 124.7
“Se desviares o pé de profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no Meu santo dia, [...] então, te deleitarás no Senhor. Eu te farei cavalgar sobre os altos da terra.”82 HS 125.1
Esse testemunho é absolutamente explícito. O dia do Senhor é o antigo sábado da Bíblia. O Senhor Jesus fez a seguinte reivindicação: HS 125.2
“O Filho do Homem é Senhor também do sábado.”83 HS 125.3
Logo, quer o título se refira ao Pai quer ao Filho, o único dia que pode ser chamado de “dia do Senhor” é o sábado do grande Criador.84 E aqui, no final da história bíblica do sábado, dois fatos extremamente interessantes são apresentados: (1) João reconhecia expressamente a existência do dia do Senhor no fim do primeiro século; (2) aprouve ao Senhor do sábado colocar um sinal de honra em Seu dia, ao escolhê-lo para, nele, transmitir a João a revelação que só Ele fora digno de receber do Pai. HS 125.4