História do Sábado
10 – O Sábado durante a Última das Setenta Semanas
Missão do Salvador – Seus atributos como Juiz da observância do sábado – Estado dessa instituição por ocasião de Seu advento – O Salvador em Nazaré – Em Cafarnaum – Seu discurso na plantação de cereais – O caso do homem com a mão ressequida – O Salvador em meio a Seus parentes – O caso do homem incapacitado – Do cego de nascença – Da mulher aprisionada por Satanás – Do homem que tinha hidropisia – Objetivo dos ensinos de nosso Senhor e dos milagres no sábado – A injustiça de muitos antissabatistas – Análise de Mateus 24:20 – O sábado não foi abolido na crucifixão – O quarto mandamento depois da cruz – O sábado não foi mudado com a ressurreição de Cristo – Análise de João 20:26 – De Atos 2:1, 2 – A redenção não fornece nenhum argumento para a mudança do sábado – Análise de Salmos 118:22-24 – O sábado não foi nem abolido, nem mudado, até o fim das setenta semanas HS 79.1
Na plenitude do tempo, Deus enviou Seu Filho para ser o Salvador do mundo. Aquele que cumpriu essa missão de infinita benevolência era, tanto o Filho de Deus, quanto o Filho do homem. Ele estava com o Pai antes que o mundo existisse, e, por meio Dele, Deus criou todas as coisas.1 Como o sábado foi estabelecido ao fim dessa grande obra de criação, como memorial, para que ela fosse lembrada perpetuamente, o Filho de Deus, por intermédio de quem todas as coisas foram criadas, não seria ninguém menos que um perfeito Juiz para determinar seu verdadeiro desígnio e sua observância apropriada. Quando as 69 semanas da profecia de Daniel se cumpriram, o Redentor começou a pregar, dizendo: “O tempo está cumprido”.2 O ministério do Salvador ocorreu numa época em que, pelo ensino dos mestres judeus, o sábado do Senhor havia se desviado grandemente de seu propósito benevolente. Conforme vimos no capítulo anterior, ele não mais era uma fonte de alento e deleite para as pessoas, mas, sim, uma causa de sofrimento e aflição. Fora sobrecarregado de tradições pelos doutores da lei, até seu propósito misericordioso e benéfico ficar completamente escondido sob o lixo das invenções humanas. Satanás não conseguiu fazer com que o povo judeu, após o cativeiro babilônico, abrisse mão do sábado e o profanasse abertamente como antes, nem mesmo por meio de decretos sangrentos. Assim, ele levou os doutores da lei a perverter de tal forma a instituição sabática, que seu verdadeiro caráter foi completamente mudado, e sua observância se tornou inteiramente contrária àquela que agradaria a Deus. Veremos que o Salvador nunca perdeu uma oportunidade de corrigir as falsas noções dos judeus acerca do sábado, e que Ele intencionalmente escolheu o sábado como o dia para realizar muitas de Suas obras de misericórdia. Descobriremos que, durante Seu ministério, uma parcela significativa de Seus ensinos foi dedicada a definir o que era lícito fazer no sábado – fato difícil de ser explicado por aqueles que acham que Ele planejou anular o sábado. No início do ministério de nosso Senhor, lemos o seguinte: HS 79.2
“Então, Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galileia, e a Sua fama correu por toda a circunvizinhança. E ensinava nas sinagogas, sendo glorificado por todos. Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o Seu costume, e levantou-Se para ler.”3 HS 80.1
Esse era o costume do Salvador em relação ao sábado. Fica claro que, por meio dessa prática, Ele planejava demostrar Seu respeito por esse dia, pois não era necessário fazer isso a fim de atrair o público para ouvi-Lo, uma vez que grandes multidões estavam sempre prontas a se aglomerar ao redor Dele. Quando Seu testemunho foi rejeitado em Nazaré, nosso Senhor partiu para Cafarnaum. O historiador sagrado relata: HS 80.2
“Jesus, porém, passando por entre eles, retirou-Se. E desceu a Cafarnaum, cidade da Galileia, e os ensinava no sábado. E muito se maravilhavam da Sua doutrina, porque a Sua palavra era com autoridade. Achava-se na sinagoga um homem possesso de um espírito de demônio imundo, e bradou em alta voz: Ah! Que temos nós contigo, Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus! Mas Jesus o repreendeu, dizendo: Cala-te e sai deste homem. O demônio, depois de o ter lançado por terra no meio de todos, saiu dele sem lhe fazer mal. Todos ficaram grandemente admirados e comentavam entre si, dizendo: Que palavra é esta, pois, com autoridade e poder, ordena aos espíritos imundos, e eles saem? E a Sua fama corria por todos os lugares da circunvizinhança. Deixando Ele a sinagoga, foi para a casa de Simão. Ora, a sogra de Simão achava-se enferma, com febre muito alta; e rogaram-Lhe por ela. Inclinando-Se Ele para ela, repreendeu a febre, e esta a deixou; e logo se levantou, passando a servi-los.”4 HS 80.3
Esses milagres são os primeiros registrados como tendo sido realizados, pelo Salvador, no sábado. Mas a rigidez judaica em relação à guarda do sábado é vista quando o povo espera até o pôr do sol, ou seja, até o sábado terminar,5 para levar os enfermos para serem curados. A narrativa continua da seguinte forma: HS 80.4
“À tarde, ao cair do sol, trouxeram a Jesus todos os enfermos e endemoninhados. Toda a cidade estava reunida à porta. E Ele curou muitos doentes de toda sorte de enfermidades; também expeliu muitos demônios, não lhes permitindo que falassem, porque sabiam quem Ele era.”6 HS 80.5
A próxima menção do sábado é de especial interesse: HS 81.1
“Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os Seus discípulos com fome, entraram a colher espigas e a comer. Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-Lhe: Eis que os Teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado. Mas Jesus lhes disse: Não lestes o que fez Davi quando ele e seus companheiros tiveram fome? Como entrou na Casa de Deus, e comeram os pães da proposição, os quais não lhes era lícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusivamente aos sacerdotes? Ou não lestes na Lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? Pois Eu vos digo: aqui está quem é maior que o templo. Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes. Porque o Filho do Homem é Senhor do sábado.”7 HS 81.2
O texto paralelo em Marcos traz um importante acréscimo à conclusão de Mateus: HS 81.3
“E acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é Senhor também do sábado.”8 HS 81.4
Ao analisar esse texto, deve-se tomar nota dos seguintes pontos: HS 81.5
1. O assunto em questão não diz respeito a passar pelo campo durante o sábado, pois havia fariseus entre o grupo; logo, pode-se concluir que o Salvador e aqueles que O acompanhavam estavam indo para a sinagoga ou voltando dela. HS 81.6
2. O questionamento que os fariseus levantaram foi se os discípulos, ao satisfazerem a fome comendo as espigas da plantação pela qual estavam passando, não estariam transgredindo a lei do sábado. HS 81.7
3. Aquele a quem a pergunta foi dirigida era, no mais completo sentido, competente para respondê-la, pois era um com o Pai quando o sábado foi criado.9 HS 81.8
4. Ao Salvador aprouve apelar para precedentes bíblicos ao tomar uma posição quanto à pergunta feita, em vez de julgar o assunto com base em Seu próprio raciocínio independente. HS 81.9
5. O primeiro caso citado pelo Salvador era particularmente apropriado. Davi, enquanto fugia para salvar a própria vida, entrou na casa de Deus no sábado10 e comeu os pães da proposição a fim de matar a fome. Os discípulos, a fim de aliviarem a fome, simplesmente comeram as espigas da plantação pela qual estavam passando no sábado. Se Davi fez algo correto, comendo por necessidade aquilo que pertencia somente aos sacerdotes, que culpa poderia ser atribuída aos discípulos que nem sequer estavam violando um preceito da lei cerimonial? Jesus nada mais precisava acrescentar sobre o fato de os discípulos satisfazerem a fome, no sábado, da forma que o fizeram. O exemplo seguinte de nosso Senhor se destina a mostrar que tipo de trabalho, no sábado, não consiste em violação de sua santidade. HS 81.10
6. É citado então o caso dos sacerdotes. O mesmo Deus que disse, no quarto mandamento: “Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra”, ordenara aos sacerdotes, no templo, que oferecessem alguns tipos de sacrifício no dia de sábado.11 Não há contradição nenhuma nisso, pois o trabalho realizado no sábado pelos sacerdotes era apenas a manutenção da adoração ordenada por Deus em Seu templo, e não se encaixava naquilo que o mandamento chama de “tua obra”. Logo, trabalho dessa natureza, segundo o julgamento do Salvador, não era, nem nunca foi, transgressão do sábado. HS 82.1
7. Mas é bem provável que o Salvador, nessa referência aos sacerdotes, não tivesse em mente apenas os sacrifícios que eles ofereciam no sábado, mas também o fato de terem de preparar novos pães da proposição a cada sábado, quando os velhos deviam ser retirados da mesa, perante o Senhor, e consumidos por eles.12 Esse ponto de vista ligaria o caso dos sacerdotes com o de Davi, e ambos se aplicariam, com maravilhosa distinção, ao ato dos discípulos. Nesse caso, o argumento de nosso Senhor ganharia mais força ainda, ao Ele acrescentar: “Aqui está quem é maior que o templo”. Logo, se os pães da proposição deveriam ser preparados a cada sábado para uso daqueles que ministravam no templo – e esses ficavam sem culpa –, mais inocentes ainda eram os discípulos que, seguindo Aquele que era maior do que o templo, apesar de não ter onde repousar a cabeça, haviam comido algumas espigas da plantação no sábado, a fim de aliviar a própria fome! HS 82.2
8. Mas nosso Senhor estabelece, em seguida, um princípio digno da mais séria atenção. Ele acrescenta: “Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes”. O Altíssimo havia ordenado que alguns tipos de trabalho fossem realizados no sábado, a fim de que Lhe fossem oferecidos sacrifícios. Mas Cristo afirma, usando a autoridade das Escrituras,13 que existe algo muito mais aceitável a Deus do que sacrifícios, a saber, os atos de misericórdia. Se Deus considerava inocentes aqueles que ofereciam sacrifícios no sábado, jamais condenaria aqueles que estendem misericórdia e alívio aos aflitos e sofredores nesse dia. HS 82.3
9. Como se não bastasse, o Salvador não dá o assunto por encerrado, pois acrescenta: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é Senhor também do sábado”. Se o sábado foi estabelecido, alguns atos foram necessários a fim de dar origem a ele. Que atos foram esses? (1) Deus descansou no dia de sábado. Isso transformou o sétimo dia no dia de descanso, ou sábado, do Senhor. (2) Ele abençoou esse dia, tornando-o, portanto, Seu dia santo. (3) Ele o santificou, ou seja, separou-o para uso santo; assim, sua observância passou a ser parte do dever do homem em relação a Deus. Houve, necessariamente, um momento em que tais atos foram realizados. E nesso ponto realmente não há espaço para discórdia. Esses atos não foram realizados no Sinai, nem no deserto de Sim, mas no paraíso. E esse fato é notoriamente confirmado pela linguagem usada pelo Salvador: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado”.14 Dessa forma, Ele conduziu nossa mente ao homem Adão que foi feito do pó da terra, e afirmou que o sábado foi estabelecido por causa dele – um testemunho conclusivo de que o sábado se originou no paraíso. Essa realidade é ilustrada de forma muito própria por uma declaração do apóstolo Paulo: “Porque também o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem”.15 Não se pode negar que essas palavras fazem referência direta à criação de Adão e Eva. Se voltarmos ao princípio, encontraremos Adão feito do pó da terra, Eva, formada de uma de suas costelas, e, o sábado, feito do sétimo dia.16 Assim, o Salvador, para terminar de responder à pergunta feita pelos fariseus, conecta o sábado ao princípio; e faz o mesmo com a instituição do casamento, quando o mesmo grupo pediu que Jesus desse Sua posição sobre a legalidade do divórcio.17 Sua declaração cuidadosa acerca do propósito do sábado e do casamento, ligando-os ao início de tudo – no primeiro caso destacando a maneira como eles haviam pervertido o sábado, e, no segundo, fazendo o mesmo com relação ao casamento – é um testemunho poderoso do caráter santo de cada uma dessas instituições. O argumento, no caso do casamento, é o seguinte: no princípio, Deus criou um homem e uma mulher, com o propósito de que os dois fossem uma só carne. Portanto, a relação conjugal foi projetada para unir apenas duas pessoas, e essa união deveria ser sagrada e indissolúvel. Esse foi o peso do argumento de Cristo sobre o divórcio. No que se refere ao sábado, Seu argumento foi este: Deus fez o sábado para o homem que Ele criou do pó da terra. Portanto, o sábado, tendo sido estabelecido para uma raça não caída, só pode ser uma instituição misericordiosa e benéfica. Aquele que fez o sábado para o homem, antes da queda, sabia quais eram as necessidades do homem e sabia como supri-las. O sábado foi dado ao homem para seu descanso, alento e deleite – um propósito que foi mantido após a queda,18 embora completamente perdido de vista pelos judeus.19 Dessa forma, nosso Senhor abre o coração em relação ao sábado. Ele determina cuidadosamente quais obras não constituem transgressão do sábado, e o faz citando exemplos do Antigo Testamento, para deixar claro que não está introduzindo nenhuma mudança na instituição. Ele rejeita as tradições rigorosas e opressoras dos fariseus em relação ao sábado, ao remontar sua misericordiosa origem ao paraíso. Ao libertar, dessa forma, o sábado do rigor farisaico, Cristo o coloca sobre seu fundamento paradisíaco, atribuindo a obrigatoriedade do sábado à autoridade e santidade daquela lei que Ele não viera destruir, mas, sim, exaltar e honrar.20 HS 82.4
10. Depois de tirar de sobre o sábado todos os acréscimos farisaicos, nosso Senhor conclui com esta notável declaração: “De sorte que o Filho do Homem é Senhor também do sábado”. Os seguintes pontos merecem consideração: HS 83.1
1) Não era um menosprezo ao sábado, mas, sim, uma honra, o Filho unigênito de Deus afirmar ser seu Senhor. HS 84.1
2) Também não era depreciativo, ao caráter do Redentor, ser Senhor do sábado; além de todas as honras incluídas em Sua posição de Messias, Ele era também Senhor do sábado. Ou, se usarmos a expressão de Mateus, “o Filho do Homem até do sábado é Senhor” (Mateus 12:8, ARC), subentendendo que é grande a honra de possuir tal título. HS 84.2
3) Esse título implica que o Messias deveria ser o protetor, e não o destruidor, do sábado. Portanto, Ele era o Ser que possuía toda a legitimidade necessária para decidir a natureza apropriada da observância do sábado. Com essas palavras memoráveis, termina o primeiro discurso de nosso Senhor acerca do sábado. HS 84.3
Desde essa ocasião, os fariseus começaram a observar o Salvador para encontrar uma acusação contra Ele de transgressão do sábado. O exemplo a seguir mostra a maldade do coração deles, sua completa perversão do sábado, a necessidade urgente de corrigir, com autoridade, seus falsos ensinos a esse respeito, e a irrefutável defesa do Salvador: HS 84.4
“Tendo Jesus partido dali, entrou na sinagoga deles. Achava-se ali um homem que tinha uma das mãos ressequida; e eles, então, com o intuito de acusá-Lo, perguntaram a Jesus: É lícito curar no sábado? Ao que lhes respondeu: Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado, esta cair numa cova, não fará todo o esforço, tirando-a dali? Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha? Logo, é lícito, nos sábados, fazer o bem. Então, disse ao homem: Estende a mão. Estendeu-a, e ela ficou sã como a outra. Retirando-se, porém, os fariseus, conspiravam contra Ele, sobre como Lhe tirariam a vida.”21 HS 84.5
Qual foi o ato que provocou essa insanidade nos fariseus? Da parte do Salvador, uma palavra; da parte do homem, o fato de estender a mão. A lei do sábado proibia alguma dessas coisas? Ninguém poderia afirmar que sim. Mas o Salvador havia transgredido, em público, a tradição farisaica que proibia fazer qualquer coisa relacionada à cura de um enfermo no sábado. Quão necessário era que essa tradição perversa fosse eliminada, a fim de que o sábado fosse realmente preservado para a humanidade! Mas os fariseus se encheram de tamanha fúria que saíram da sinagoga e conspiraram sobre como poderiam destruir o Salvador. Todavia, Cristo agiu em favor do sábado ao rejeitar as tradições que haviam pervertido o dia sagrado. HS 84.6
Depois disso, nosso Senhor voltou para Sua terra, e lemos o seguinte a Seu respeito: HS 84.7
“Chegando o sábado, passou a ensinar na sinagoga; e muitos, ouvindo-O, se maravilhavam, dizendo: Donde vêm a Este estas coisas? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada? E como se fazem tais maravilhas por Suas mãos?.”22 HS 84.8
Não muito depois dessa época, encontramos o Salvador em Jerusalém, e o milagre a seguir foi realizado no sábado: HS 84.9
“Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado? Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim. Então, lhe disse Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. Imediatamente, o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a andar. E aquele dia era sábado. Por isso, disseram os judeus ao que fora curado: Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o leito. Ao que ele lhes respondeu: O mesmo que me curou me disse: Toma o teu leito e anda. Perguntaram-lhe eles: Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito e anda? Mas o que fora curado não sabia quem era; porque Jesus Se havia retirado, por haver muita gente naquele lugar. Mais tarde, Jesus o encontrou no templo e lhe disse: Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior. O homem retirou-se e disse aos judeus que fora Jesus quem o havia curado. E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado. Mas Ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e Eu trabalho também. Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-Lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus.”23 HS 85.1
Nesse episódio, nosso Senhor é acusado de dois crimes: (1) transgredir o sábado; (2) considerar-Se igual a Deus. A primeira acusação se baseia nos seguintes motivos: (1) Cristo, por meio de Sua própria palavra, havia curado o paralítico. Mas isso não violava nenhuma lei de Deus; apenas invalidava a tradição que proibia que se fizesse qualquer coisa para curar doenças no sábado; (2) Ele havia orientado o homem a carregar seu leito. Mas, se considerado como carga, tratava-se de algo muito insignificante,24 como uma capa ou um colchonete, com o objetivo de mostrar a realidade da cura e, assim, honrar o Senhor do sábado que o havia curado. Além disso, não é esse tipo de carga que as Escrituras proíbem de se carregar no sábado;25 (3) Jesus justificou o que havia feito comparando o ato presente de cura com a obra que Seu Pai fazia até agora, isto é, desde o início da criação. A partir do instante em que o sábado foi santificado no paraíso, o Pai, em Sua providência, havia continuado a derramar sobre a raça humana, inclusive durante o sábado, todos os atos misericordiosos de preservação da raça. Essa obra do Pai era da mesma natureza daquela que Jesus acabara de realizar. Tais atos não podiam ser usados como argumentos de que o Pai até aquele momento não considerara o sábado importante, pois Ele solenemente ordenou sua observância na lei e nos profetas;26 e como nosso Senhor havia expressamente reconhecido a autoridade desses escritos, não havia justificativa para acusá-Lo de desrespeitar o sábado, uma vez que Ele estava apenas seguindo o exemplo do Pai, que vinha fazendo isso desde o princípio. A resposta do Salvador a essas duas acusações remove todas as controvérsias: HS 85.2
“Então, lhes falou Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de Si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que Este fizer, o Filho também semelhantemente o faz.”27 HS 86.1
Essa resposta tem duas implicações: (1) Jesus estava seguindo o exemplo perfeito do Pai, que Lhe havia sempre revelado todas as Suas obras; portanto, uma vez que Ele realizava apenas aquilo que agradava ao Pai fazer, Ele não estava empenhado na obra de subverter o sábado; (2) por meio da mansa humildade dessa resposta – “o Filho nada pode fazer de Si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai” –, Ele mostrou a falta de fundamento para a acusação que recebera de exaltação própria. Assim, Seus acusadores ficaram sem qualquer argumento que lhes permitisse fazer uma réplica. HS 86.2
Vários meses depois, o mesmo caso de cura foi discutido: HS 86.3
“Replicou-lhes Jesus: Um só feito realizei, e todos vos admirais. Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (se bem que ela não vem dele, mas dos patriarcas), no sábado circuncidais um homem. E, se o homem pode ser circuncidado em dia de sábado, para que a lei de Moisés não seja violada, por que vos indignais contra Mim, pelo fato de Eu ter curado, num sábado, ao todo, um homem?”28 HS 86.4
Esse texto bíblico contém a segunda resposta de nosso Senhor acerca da cura do paralítico no sábado. Na primeira resposta, Ele baseou Sua defesa no fato de fazer precisamente o mesmo que Seu Pai havia realizado até agora – isto é, desde o princípio do mundo até Sua época, deixando assim implícito que o sábado passara a existir no princípio; caso contrário, o exemplo do Pai, de realizar obras de misericórdia durante o período sabático, não seria relevante. Nessa segunda resposta está implícita uma ideia semelhante, no que se refere à origem do sábado. Dessa vez, Sua defesa se baseia no fato de que Seu ato de cura não violava o sábado, assim como a circuncisão, no dia de sábado, não o transgredia. Mas se a circuncisão, ordenada na época de Abraão, fosse mais antiga do que o sábado – como certamente seria, caso o sábado tivesse surgido no deserto de Sim –, a alusão não seria apropriada, uma vez que a circuncisão teria o direito à prioridade, por ser a instituição mais antiga. Seria perfeitamente apropriado falar que uma instituição mais recente (a circuncisão) não representava transgressão de uma mais antiga (o sábado); mas esse não seria o caso se uma instituição antiga (a circuncisão) fosse mencionada como não violando uma mais recente (o sábado). Logo, a linguagem indica que o sábado é mais antigo do que a circuncisão; em outras palavras, anterior aos dias de Abraão. Sem dúvida, as duas respostas do Salvador estão em harmonia com o testemunho unânime dos autores sagrados, segundo os quais o sábado surgiu com a santificação do dia de descanso do Senhor, no Éden. HS 86.5
O que o Salvador fez que justificasse o ódio do povo judeu contra Ele? Jesus havia curado no sábado, com uma só palavra, um homem que estava inválido havia 38 anos. Esse ato não estaria em total acordo com a instituição sabática? Nosso Senhor resolveu essa questão com argumentos sólidos e irrefutáveis,29 não só neste caso, mas também em outros já mencionados, e naqueles que ainda serão analisados. Caso Ele tivesse deixado o homem em sua condição miserável por ser sábado, apesar de ter condições de curá-lo com uma só palavra, teria desonrado o sábado e envergonhado Seu Autor. O Senhor do sábado será encontrado outras vezes trabalhando em prol desse dia, a fim de resgatá-lo das mãos daqueles que haviam pervertido totalmente seu desígnio – uma obra um tanto quanto desnecessária, caso Jesus tivesse o propósito de cravar essa instituição na cruz. HS 86.6
O próximo episódio digno de nota é o caso do cego de nascença. Ao vê-lo, Jesus disse: HS 87.1
“É necessário que façamos as obras Daquele que Me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, Sou a luz do mundo. Dito isso, cuspiu na terra e, tendo feito lodo com a saliva, aplicou-o aos olhos do cego, dizendo-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que quer dizer Enviado). Ele foi, lavou-se e voltou vendo. [...] E era sábado o dia em que Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos.”30 HS 87.2
Aqui está outro relato dos atos de misericórdia realizados por nosso Senhor no sábado. Ele encontrou um cego de nascença, e, movido por compaixão, molhou a terra, ungiu os olhos do homem e mandou que o mesmo se lavasse no tanque. Quando este se lavou, passou a ver. Tal ato também era digno do sábado e do Senhor do sábado. E apenas os atuais oponentes do sábado – assim como apenas os inimigos do Senhor do sábado naquela época – conseguem ver nesse ato qualquer violação do sábado. HS 87.3
Depois disso, lemos o seguinte: HS 87.4
“Ora, ensinava Jesus no sábado numa das sinagogas. E veio ali uma mulher possessa de um espírito de enfermidade, havia já dezoito anos; andava ela encurvada, sem de modo algum poder endireitar-se. Vendo-a Jesus, chamou-a e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade; e, impondo-lhe as mãos, ela imediatamente se endireitou e dava glória a Deus. O chefe da sinagoga, indignado de ver que Jesus curava no sábado, disse à multidão: Seis dias há em que se deve trabalhar; vinde, pois, nesses dias para serdes curados e não no sábado. Disse-lhe, porém, o Senhor: Hipócritas, cada um de vós não desprende da manjedoura, no sábado, o seu boi ou o seu jumento, para levá-lo a beber? Por que motivo não se devia livrar deste cativeiro, em dia de sábado, esta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há dezoito anos? Tendo Ele dito estas palavras, todos os Seus adversários se envergonharam. Entretanto, o povo se alegrava por todos os gloriosos feitos que Jesus realizava.”31 HS 87.5
Dessa vez, uma filha de Abraão, ou seja, uma mulher piedosa,32 que Satanás mantinha presa havia dezoito anos, foi liberta de seu cativeiro no dia de sábado. Jesus silenciou o clamor de Seus inimigos apelando para a própria ação deles em soltarem o boi e o levarem para beber água no sábado. Com essa resposta, Jesus envergonhou todos os Seus adversários, e o povo se alegrava pelas coisas gloriosas que Ele realizava. O último ato glorioso com o qual Jesus honrou o sábado é assim relatado: HS 87.6
“Aconteceu que, ao entrar Ele num sábado na casa de um dos principais fariseus para comer pão, eis que O estavam observando. Ora, diante Dele se achava um homem hidrópico. Então, Jesus, dirigindo-Se aos intérpretes da Lei e aos fariseus, perguntou-lhes: É ou não é lícito curar no sábado? Eles, porém, nada disseram. E, tomando-o, o curou e o despediu. A seguir, lhes perguntou: Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço, não o tirará logo, mesmo em dia de sábado? A isto nada puderam responder.”33 HS 88.1
Fica claro que os fariseus e mestres da lei não ousaram responder à pergunta “É ou não é lícito curar no sábado?”. Se dissessem sim, condenariam a própria tradição. Se dissessem não, seriam incapazes de embasar a resposta com argumentos justos. Por isso, ficaram em silêncio. Depois de curar o homem, Jesus fez uma pergunta igualmente embaraçosa: “Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço, não o tirará logo, mesmo em dia de sábado?”. Mais uma vez, não conseguiram responder. Ao que tudo indica, as discussões de nosso Senhor com os fariseus, de tempos em tempos, acerca do sábado, haviam-lhes mostrado, finalmente, que o silêncio acerca de suas tradições era mais sábio do que o discurso. Em Seus ensinos públicos, o Salvador declarou que as questões mais importantes da lei eram o juízo, a misericórdia e a fé;34 e o esforço poderoso e contínuo de Jesus em prol do sábado foi no sentido de vindicar esse dia como uma instituição misericordiosa e libertá-lo das tradições farisaicas, que o haviam desviado de seu propósito original. Aqueles que se opõem ao sábado são culpados de injustiça em dois aspectos: (1) eles apresentam os rigores farisaicos como se fossem parte da instituição sabática. Assim, fazem com que a mente das pessoas se posicionem contra o sábado; (2) tendo alcançado esse objetivo, apresentam os esforços do Salvador em anular as tradições farisaicas como sendo para derrubar o próprio sábado. HS 88.2
E agora chegamos ao memorável discurso do Salvador no monte das Oliveiras, às vésperas de Sua crucifixão, no qual Ele faz Sua última menção ao sábado: HS 88.3
“Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar santo (quem lê entenda), então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; quem estiver sobre o eirado não desça a tirar de casa alguma coisa; e quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa. Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias! Orai para que a vossa fuga não se dê no inverno, nem no sábado; porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais.”35 HS 88.4
Por meio dessas palavras, nosso Senhor coloca em evidência as terríveis calamidades que sobreviriam ao povo judeu, e a destruição de sua cidade e de seu templo conforme predita pelo profeta Daniel;36 Ele ressalta, também, Seu cuidado vigilante sobre Seu povo, visto que Ele faz questão de avisá-los sobre como poderiam escapar. Observe os pontos a seguir: HS 89.1
1. Jesus dá um sinal para que Seu povo fiel reconhecesse quando essa destruição terrível estivesse bem perto de acontecer. Seria quando “o abominável da desolação” estivesse “no lugar santo”, ou, conforme expressou Lucas, o sinal seria “Jerusalém sitiada de exércitos”.37 O cumprimento desse sinal foi registrado pelo historiador Josefo. Após afirmar que Céstio, comandante romano, no começo da disputa entre judeus e romanos, cercou a cidade de Jerusalém com um exército, ele acrescenta: HS 89.2
“Caso tivesse dado continuidade ao cerco por um pouco mais, ele certamente teria tomado a cidade; mas, suponho eu, foi por causa da aversão que Deus já tinha contra a cidade e o santuário que ele foi impedido de dar fim à guerra naquele mesmo dia. Ocorreu então que Céstio, sem ter conhecimento do nível de desânimo dos sitiados em obter sucesso, nem da falta de coragem do povo para lutar contra ele, recolheu seus soldados do lugar e, perdendo toda esperança de tomar a cidade, sem ter sofrido qualquer infortúnio, retirou-se da cidade, sem nenhum motivo no mundo.”38 HS 89.3
2. Quando esse sinal fosse visto, os discípulos deveriam saber que a desolação de Jerusalém estava próxima. “Então” – disse Cristo – “os que estiverem na Judeia fujam para os montes”. Josefo registrou o cumprimento dessa ordem: HS 89.4
“Após essa calamidade sobrevir a Céstio, muitos dos judeus mais proeminentes ‘nadaram’ para longe da cidade, como se estivessem saindo de um navio prestes a afundar.”39 HS 89.5
Eusébio também relatou o cumprimento dessa profecia: HS 89.6
“Todavia, todo o corpo da igreja em Jerusalém, depois de receber uma revelação divina, concedida ali, antes da guerra, a homens de verdadeira piedade, saiu da cidade e foi habitar em uma cidade além do Jordão chamada Pela. Então, tendo os crentes em Cristo se retirado de Jerusalém, ficando a própria cidade real e toda a terra da Judeia como que completamente destituídas de homens santos, a justiça divina, em decorrência dos crimes cometidos contra Cristo e Seus apóstolos, finalmente lhes sobreveio, destruindo totalmente da Terra toda aquela geração de malfeitores.”40 HS 89.7
3. O perigo seria tão iminente que, ao verem o sinal, não deveriam perder nem um segundo. Aquele que estivesse no eirado não deveria descer nem para pegar alguma coisa dentro de casa. Quem estivesse no campo não deveria voltar para casa a fim de pegar nem mesmo suas roupas. Nenhum momento poderia ser perdido. Deveriam fugir como estavam, para salvar a própria vida. E digno de pena era o caso daqueles que não tivessem condições de fugir. HS 89.8
4. Levando em conta o fato de que os discípulos deveriam fugir no momento em que o sinal prometido aparecesse, nosso Senhor os orientou a orar por duas coisas: (1) para que a fuga não acontecesse durante o inverno; (2) para que não fosse em dia de sábado. Caso precisassem fugir para as montanhas no rigor do inverno, sem tempo nem de pegar suas roupas, estariam numa situação deplorável, e isso é prova suficiente da importância do primeiro pedido e do terno cuidado de Jesus por Seu povo. O segundo pedido igualmente expressa Seu cuidado como Senhor do sábado. HS 90.1
5. Mas argumenta-se que o último pedido se refere somente ao fato de que os judeus, naquele momento, estariam guardando o sábado de forma rígida e, por causa disso, as portas da cidade estariam fechadas nesse dia, punindo com a morte aqueles que tentassem fugir; logo, o pedido não seria prova nenhuma da consideração de Cristo pelo sábado. Uma declaração expressa com tanta certeza e frequência deveria estar bem fundamentada na verdade; no entanto, uma breve análise demonstra que esse não é o caso: HS 90.2
1) As palavras do Salvador se aplicam a toda a terra da Judeia, e não só a Jerusalém: “os que estiverem na Judeia fujam para os montes”. O fechamento das portas da cidade só afetaria a fuga de parte dos discípulos. HS 90.3
2) Josefo menciona o notável fato de que Céstio, quando estava marchando em direção a Jerusalém, em cumprimento do sinal do Salvador, havendo chegado a Lida, não muitos quilômetros distante de Jerusalém, “encontrou a cidade sem seus homens, pois toda a multidão havia subido a Jerusalém para a Festa dos Tabernáculos”.41 A lei de Moisés requeria a presença de todos os homens israelitas em Jerusalém, por ocasião dessa festa.42 Portanto, na providência de Deus, nenhum inimigo judeu ficou na terra para impedir sua fuga. HS 90.4
3) Fatos históricos revelam que a nação judaica, reunida em Jerusalém, violou abertamente o sábado alguns dias antes da fuga dos discípulos, algo digno de nota diante da suposta rigidez, existente naquela época, em guardá-lo.43 Assim, Josefo, comentando sobre a marcha de Céstio rumo a Jerusalém, afirma: HS 90.5
“Ele levantou acampamento em um lugar chamado Gabao, a dez quilômetros de Jerusalém. Mas quando os judeus viram a guerra se aproximar da metrópole, partiram da festa e empunharam armas. Encorajando-se grandemente por estarem em multidão, saíram para lutar de maneira repentina e desordenada, fazendo muito barulho e sem nenhuma consideração pelo descanso do sétimo dia, embora o sábado fosse o dia pelo qual tinham a maior consideração; mas a ira que os levou a esquecer a observância religiosa [do sábado] tornou a peleja contra seus inimigos muito acirrada. Caíram, portanto, com tanta violência sobre os romanos que conseguiram penetrar em suas fileiras, marchando no meio deles e causando grande carnificina enquanto prosseguiam [...].”44 HS 91.1
Pode-se ver, assim, que, na véspera da fuga dos discípulos, a ira dos judeus contra seus inimigos os fez desconsiderar o sábado por completo! HS 91.2
4) Mas depois de Céstio cercar a cidade com seu exército, dando, assim, o sinal do Salvador, ele se retirou de repente, conforme disse Josefo, “sem nenhum motivo no mundo”. Ele diz que esse foi o momento da fuga dos discípulos e assinala como a providência de Deus abriu caminho para aqueles que estavam em Jerusalém: HS 91.3
“Mas quando os saqueadores perceberam a retirada imprevista [de Céstio], eles se encheram de coragem e correram atrás da retaguarda do exército, destruindo um número considerável de cavaleiros e homens da infantaria. Enquanto isso, Céstio passou toda a noite no acampamento em Escopo. Ao se afastar ainda mais, no dia seguinte, convidou, assim, os inimigos a segui-lo, e estes atacaram mais uma vez os últimos da retaguarda e os destruíram.”45 HS 91.4
Essa investida da multidão frenética em perseguir os romanos ocorreu durante o exato momento em que os discípulos tinham ordem de fugir, e deu a eles a oportunidade propícia para escaparem. Caso a fuga de Céstio tivesse ocorrido no sábado, sem dúvida os judeus o teriam perseguido nesse dia, como de fato o fizeram, em circunstâncias menos efervescentes alguns dias antes, quando andaram vários quilômetros para atacá-lo no sétimo dia. Conclui-se, portanto, que, tanto na cidade quanto no campo, os discípulos não corriam risco de ser atacados por seus inimigos, mesmo que a fuga tivesse ocorrido em dia de sábado. HS 92.1
6. Logo, há apenas um ponto de vista que se pode considerar acerca do sentido das palavras de nosso Senhor, a saber, que Ele mencionou o sábado por respeito a esse dia sagrado. Em Seu terno cuidado por Seu povo, Ele havia lhes dado um preceito que exigiria a violação do sábado, caso o momento da fuga caísse nesse dia, pois a ordem de fugir se tornava imperativa no instante em que vissem o sinal prometido, e a distância até Pela, onde encontraram local de refúgio, era de cerca de cem quilômetros. Essa oração que o Salvador deixou com os discípulos faria com que os mesmos lembrassem do sábado sempre que se colocassem na presença de Deus. Portanto, era impossível à igreja apostólica esquecer o dia sagrado de descanso. Tal oração, a de que em um momento futuro não fossem forçados a violar o sábado, era um meio garantido de perpetuar sua sagrada observância ao longo dos 40 anos vindouros, até a destruição final de Jerusalém, e nunca foi esquecida pela igreja primitiva, conforme veremos posteriormente.46 O Salvador, que incansavelmente Se esforçou, ao longo de todo Seu ministério, para mostrar que o sábado era uma instituição misericordiosa e deveria ficar livre das tradições que haviam pervertido seu propósito original, recomendou com grande ternura o sábado a Seu povo em Seu último discurso, unindo, na mesma petição, a segurança dos discípulos e a santidade do dia de descanso do Senhor.47 HS 92.2
Alguns dias depois desse discurso, o Senhor do sábado foi pregado na cruz como o grande sacrifício pelos pecados da humanidade.48 O Messias foi, assim, morto no meio da septuagésima semana e, por Sua morte, fez cessar o sacrifício e a oferta de manjares.49 HS 92.3
Paulo descreve da seguinte maneira a anulação do sistema típico, na crucifixão do Senhor Jesus: HS 92.4
“Tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz. HS 92.5
[...] Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo.”50 HS 93.1
Declara-se que o alvo dessa ação era o “escrito de [...] ordenanças”. O modo de anulação é explanado desta forma: (1) cancelado; (2) encravado na cruz; (3) removido inteiramente. Sua natureza é expressa por meio destas palavras: “contra nós” e “nos era prejudicial”. As coisas que ele continha eram comida e bebida, dia de festa [gr. ἑορτης], lua nova e sábados.51 O todo é chamado de “sombra” de bens vindouros e o corpo que lança essa sombra é o de Cristo. A lei proclamada pela voz de Deus e escrita com Seu próprio dedo em tábuas de pedra, depositada debaixo do propiciatório, era completamente diferente do sistema de ordenanças carnais escrito em um livro, por Moisés, e colocado ao lado da arca.52 Seria absurdo dizer que as tábuas de pedra foram encravadas na cruz, ou se referir à remoção daquilo que foi gravado em pedra. Fazer isso seria apresentar o filho de Deus derramando Seu sangue para cancelar aquilo que o dedo de Seu Pai havia escrito. Seria tornar confusos todos os princípios imutáveis da moralidade e representar os dez mandamentos como se fossem “contrários” à natureza moral do ser humano. Seria transformar Cristo em ministro do pecado, como se tivesse morrido para destruir por completo a lei moral. Nenhum homem tem a verdade a seu lado ao apresentar os dez mandamentos como parte das coisas contidas na lista feita por Paulo daquilo que foi abolido. Tampouco há desculpa para aqueles que destroem os dez mandamentos com essa declaração de Paulo; pois ele mostra, por fim, que as coisas anuladas eram “sombras” daquilo que haveria de vir – um absurdo se aplicado à lei moral. As festas, as luas novas e os sábados da lei cerimonial, que Paulo declara terem sido abolidos em consequência da anulação daquele código, já foram analisados de maneira específica.53 Os fatos a seguir demonstram que o sábado do Senhor não faz parte dessa lista: HS 93.2
1. O sábado do Senhor foi criado antes da entrada do pecado em nosso mundo. Portanto, não é uma das sombras da redenção do pecado.54 HS 93.3
2. Tendo sido feito para o homem antes da queda, não é uma das coisas que eram contra ele ou prejudiciais a ele.55 HS 93.4
3. Quando os sábados cerimoniais foram ordenados, eles foram cuidadosamente diferenciados do sábado do Senhor.56 HS 94.1
4. O sábado do Senhor não deve sua existência ao “escrito de [...] ordenanças”, mas se encontra no próprio centro da lei que Jesus não veio destruir. Portanto, a anulação da lei cerimonial não seria capaz de abolir o sábado do quarto mandamento.57 HS 94.2
5. O esforço de nosso Senhor, ao longo de todo Seu ministério, para resgatar o sábado da escravidão criada pelos doutores judeus e vindicá-lo como uma instituição misericordiosa, absolutamente contradiz a ideia de que Ele o pregou na cruz como se fosse uma coisa contrária ao ser humano e prejudicial a ele. HS 94.3
6. A oração de nosso Senhor a respeito da fuga dos discípulos da Judeia, reconhece a santidade do sábado, muitos anos depois da crucifixão do Salvador. HS 94.4
7. A perpetuidade do sábado na nova terra não se harmoniza facilmente com a ideia de que ele foi cancelado e cravado na cruz de nosso Senhor, como se fosse uma coisa contrária ao homem.58 HS 94.5
8. A autoridade do quarto mandamento é expressamente reconhecida após a crucifixão do Salvador.59 HS 94.6
9. E, finalmente, a lei real, não abolida, engloba os dez mandamentos, consequentemente abrangendo e ratificando o sábado do Senhor.60 HS 94.7
Quando o Salvador morreu na cruz, todo o sistema típico, que havia apontado para esse evento como o início de seu antítipo, expirou junto com Ele. Depois que o Salvador morreu, José de Arimateia foi até Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Com o auxílio de Nicodemos, ele o enterrou em sua nova sepultura.61 HS 94.8
“Era o dia da preparação, e começava o sábado. As mulheres que tinham vindo da Galileia com Jesus, seguindo, viram o túmulo e como o corpo fora ali depositado. Então, se retiraram para preparar aromas e bálsamos. E, no sábado, descansaram, segundo o mandamento. Mas, no primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo, levando os aromas que haviam preparado.”62 HS 94.9
Esse texto merece atenção especial: (1) porque consiste em um reconhecimento explícito do quarto mandamento após a crucifixão do Senhor Jesus; (2) porque é o caso mais marcante de observância do sábado em toda a Bíblia. O Senhor do sábado estava morto; preparativos para Seu embalsamamento foram feitos, e, quando o sábado começou, o trabalho foi suspenso. O historiador sagrado conta então que as mulheres descansaram segundo o mandamento; (3) porque mostra que o sábado, segundo o mandamento, é o dia anterior ao primeiro dia da semana, identificando assim o sétimo dia do mandamento com o sétimo dia da semana do Novo Testamento; (4) porque consiste em um testemunho direto de que o conhecimento do verdadeiro sétimo dia foi preservado por muito tempo, chegando até a crucifixão, pois elas guardaram o dia ordenado no mandamento; e esse dia foi o mesmo no qual o Altíssimo descansou da obra de criação. HS 94.10
No dia seguinte ao sábado, isto é, no primeiro dia da semana, constatou-se que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos. Muitos supõem que, nesse momento, o sábado foi mudado do sétimo para o primeiro dia da semana, e que a santidade do sétimo dia foi então transferida para o primeiro dia da semana, o qual, a partir de então, passou a ser o sábado cristão, de natureza obrigatória, tendo por base toda a autoridade do quarto mandamento. A fim de julgar a veracidade desse ponto de vista, leiamos com cuidado cada uma das menções ao primeiro dia encontradas nos quatro evangelhos. Mateus escreve: HS 95.1
“No findar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro.” HS 95.2
Marcos diz: HS 95.3
“Passado o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem embalsamá-Lo. E, muito cedo, no primeiro dia da semana, ao despontar do sol, foram ao túmulo. [...] Havendo Ele ressuscitado de manhã cedo no primeiro dia da semana, apareceu primeiro a Maria Madalena.” HS 95.4
Lucas usa as seguintes palavras: HS 95.5
“Então, se retiraram para preparar aromas e bálsamos. E, no sábado, descansaram, segundo o mandamento. Mas, no primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo, levando os aromas que haviam preparado.” HS 95.6
João dá este testemunho: HS 95.7
“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida. [...] Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-Se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco!” 63 HS 95.8
Nessas passagens, deve-se procurar o fundamento do “sábado cristão” – caso exista de fato tal instituição –, pois não há nenhum outro relato do primeiro dia ligado ao momento em que este supostamente teria se tornado santo. Pretende-se provar, com base nesses textos que, na ressurreição do Salvador, o primeiro dia absorveu a santidade do sétimo e se elevou, da posição de dia secular, para dia santo, rebaixando o sábado do Senhor ao nível dos “seis dias que são de trabalho”.64 Todavia, os fatos a seguir devem ser considerados muito extraordinários, caso essa suposta mudança do sábado para o domingo tenha, de fato, ocorrido aqui: HS 95.9
1. Essas passagens não fazem nenhuma menção à mudança do sábado para o domingo. HS 96.1
2. Elas fazem uma distinção cuidadosa entre o sábado do quarto mandamento e o primeiro dia da semana. HS 96.2
3. Elas não empregam nenhum título sagrado ao dia; omitindo especialmente o título de “sábado cristão”. HS 96.3
4. Elas não mencionam o fato de que Cristo tenha descansado no primeiro dia da semana, ato essencial para que esse dia pudesse se tornar Seu sábado, ou Seu dia de descanso.65 HS 96.4
5. Elas não relatam o ato de retirada da bênção de Deus, de sobre o sétimo dia, para colocá-la no primeiro; aliás, não mencionam nenhum ato de bênção e santificação do dia. HS 96.5
6. Elas não apresentam qualquer ato que Cristo tenha feito para o primeiro dia; e nem mesmo nos informam de que saiu de Seus lábios qualquer menção ao primeiro dia da semana! HS 96.6
7. Elas não fornecem nenhum preceito que apoie a observância do primeiro dia, nem contêm qualquer pista de como o primeiro dia da semana pode ser ratificado pela autoridade do quarto mandamento. HS 96.7
Caso se afirme, porém, usando as palavras de João, que os discípulos se congregaram nesse dia com o propósito de honrar o dia da ressurreição, e que Jesus sancionou o ato ao Se unir a eles, concretizando, assim, a mudança do sábado, é suficiente citar, em resposta, as palavras de Marcos que narram o mesmo encontro: HS 96.8
“Finalmente, apareceu Jesus aos onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque não deram crédito aos que O tinham visto já ressuscitado.”66 HS 96.9
O testemunho de Marcos mostra que a inferência tão comumente extraída das palavras de João é absolutamente infundada. (1) Os discípulos estavam reunidos com o propósito de cear. (2) Jesus apareceu no meio deles e censurou a incredulidade deles a respeito de Sua ressurreição. HS 96.10
As Escrituras declaram que “para Deus tudo é possível”; porém, tal afirmação é limitada pelo fato de que Deus não pode mentir.67 A mudança do sábado faz parte das coisas que são possíveis para Deus ou é excluída pela importante limitação de que Ele não pode mentir? O Legislador é o Deus da verdade e Sua lei é a verdade.68 Se essa lei continuaria a ser verdade caso fosse mudada, e se o Legislador continuaria a ser o Deus da verdade depois de mudá-la, isso é algo que precisa ser analisado. O quarto mandamento, que se afirma ter sido mudado, é expresso nas seguintes palavras: HS 96.11
“Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. [...] O sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus. [...] Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou.” HS 96.12
Se inserirmos “primeiro dia” em lugar de sétimo, testaremos a hipótese: HS 97.1
“Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. [...] O primeiro dia é o sábado do Senhor, teu Deus. [...] Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao primeiro dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou.” HS 97.2
Essa mudança transforma a verdade de Deus em mentira;69 pois não é verdade que Deus descansou no primeiro dia da semana, e também não é verdade que Ele o abençoou e santificou. Tampouco é possível mudar o dia de descanso do Criador, do dia em que Ele descansou para um dos seis dias nos quais Ele não descansou.70 Portanto, mudar uma parte do mandamento, e manter o resto inalterado, não resolve a questão, uma vez que a verdade restante continua a ser suficiente para expor a falsidade do que é inserido. Uma mudança mais radical seria necessária, como a seguinte: HS 97.3
“Lembra-te do sábado cristão, para o santificar. O primeiro dia é o sábado do Senhor Jesus Cristo. Pois neste dia Ele ressuscitou dos mortos; por isso, abençoou o primeiro dia da semana e o santificou.” HS 97.4
Alterando o mandamento dessa maneira, não resta nenhuma parte da instituição sabática original. Além do dia de descanso do Senhor ficar de fora, até mesmo os motivos que fundamentam o quarto mandamento também são necessariamente omitidos. Mas será que existe alguma edição do quarto mandamento semelhante a essa? Certamente, não na Bíblia. É verdade que tais títulos são aplicados ao primeiro dia? Nunca nas Sagradas Escrituras. O Legislador abençoou e santificou esse dia? É certo que não. Ele nem mesmo mencionou o nome desse dia com Seus lábios. A mudança do quarto mandamento, por parte do Deus da verdade, é impossível, pois ela não só afirma aquilo que é falso, negando o que é verdadeiro, mas também transforma a própria verdade de Deus em mentira. Tal mudança nada mais é do que o ato de criar um rival para o sábado do Senhor – rival este que, sem santidade ou autoridade inerentes, conseguiu engenhosamente absorvê-las do próprio sábado bíblico. Esse é o fundamento do sábado do primeiro dia. Os textos usados para apoiar a instituição, e usados como suas bases, serão analisados em sua própria ordem, no seu devido lugar. Vários deles pertencem propriamente a este capítulo: HS 97.5
“Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os Seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-Se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco!”71 HS 97.6
Não se afirma que nosso Senhor santificou o primeiro dia da semana nessa ocasião, pois o que é dito é que tal ato data da ressurreição em si, com base na autoridade dos textos já citados. Mas se a santidade do primeiro dia for presumida como seu alicerce, este texto constitui a primeira pedra da estrutura superior, a primeira coluna do templo do primeiro dia. O argumento retirado dessa passagem pode ser expresso assim: Jesus escolheu este dia para Se manifestar aos discípulos e, por meio desse ato, demonstrou Sua forte consideração pelo dia. Mas uma falha considerável desse argumento é que Seu próximo encontro com os discípulos ocorreu durante uma pesca,72 e Sua última e mais importante manifestação, quando ascendeu ao Céu, em uma quinta-feira.73 Deve-se admitir, portanto, que o fato de o Salvador Se encontrar com Seus discípulos é insuficiente, em si, para demonstrar que qualquer dia seja sagrado; caso contrário, deveria provar a santidade de vários dias de trabalho. Mas a falha mais séria desse argumento se encontra no fato de que esse encontro de Jesus com os discípulos não parece ter acontecido no primeiro dia da semana. Ele ocorreu “oito dias” depois do encontro anterior de Jesus com os discípulos. Esse encontro, visto ter ocorrido bem no final do dia da ressurreição, certamente se estendeu até o segundo dia da semana.74 “Passados oito dias” desse encontro, caso isso represente apenas uma semana, necessariamente nos transporta ao segundo dia da semana. Mas o Espírito de inspiração usa uma expressão diferente quando tem a intenção de dizer apenas uma semana. “Passados [depois de] sete dias” é a expressão escolhida pelo Espírito Santo ao designar apenas uma semana.75 “Passados oito dias” pode indicar, com muita naturalidade, o nono ou décimo dia;76 mas mesmo admitindo que a referência seja ao oitavo dia, os fatos não conseguem provar que a aparição do Salvador tenha ocorrido no primeiro dia da semana. Para resumir o argumento: o primeiro encontro de Jesus com Seus discípulos, ao cair da tarde no fim do primeiro dia da semana, ocorreu, principal ou totalmente, no segundo dia da semana;77 o segundo encontro não pode ter ocorrido antes do segundo ou terceiro dia, e o dia parece ter sido escolhido apenas por Tomé estar presente; o terceiro encontro aconteceu enquanto os discípulos pescavam; e o quarto, em uma quinta-feira, quando Cristo subiu ao Céu. O argumento a favor da santidade do primeiro dia extraído desse texto é tão insustentável quanto o fundamento da santidade desse dia, conforme já examinado; e a instituição do sábado do primeiro dia, a menos que seja formada por uma estrutura mais resistente que possa lhe dar sustentação, não passa, no melhor das hipóteses, de um castelo de areia. HS 97.7
A próxima passagem que entra no rol de argumentos em prol da santidade do primeiro dia é a seguinte: HS 99.1
“Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados.”78 HS 99.2
Supõe-se que esse texto representa uma importante coluna para o templo do primeiro dia. Afirma-se que os discípulos estavam reunidos, nessa ocasião, para celebrar o sábado do primeiro dia, e o Espírito Santo foi derramado então para honrar esse dia. Contudo, há sérias objeções a essa dedução: HS 99.3
1. Não há evidências de que existia, nessa época, um sábado, ou dia de descanso do primeiro dia; HS 99.4
2. Não existe nenhum indício de que os discípulos se reuniram para celebrá-lo; HS 99.5
3. Nem de que o Espírito Santo foi derramado em honra ao primeiro dia da semana; HS 99.6
4. Desde a ascensão de Jesus até o dia do derramamento do Espírito, os discípulos perseveraram em orações e súplicas; logo, o fato de estarem reunidos nesse dia não era em nada diferente daquilo que vinha acontecendo havia dez dias ou mais;79 HS 99.7
5. Se o autor sagrado tivesse o propósito de demonstrar que determinado dia da semana estava sendo honrado pelos eventos narrados, ele sem dúvida teria afirmado tal fato e mencionado o dia; HS 99.8
6. Lucas teve tão pouco interesse em citar o dia da semana que esse ponto é até hoje uma questão controversa. Importantes autores80 que defendem o primeiro dia já chegaram a afirmar que, naquele ano, o Pentecostes caiu no sétimo dia; HS 99.9
7. O evento grandioso que o Espírito Santo pretendia marcar era o antítipo da festa de Pentecostes; o dia da semana no qual isso aconteceria era totalmente irrelevante. Quão equivocados estão aqueles que invertem a ordem e transformam o dia da semana, que o Espírito Santo nem sequer mencionou por nome, mas o qual presumem ter sido o primeiro dia, no alvo da maior importância, mantendo-se em silêncio em relação ao fato que o Espírito Santo tomou o cuidado de ressaltar, a saber, que o evento ocorreu no dia de Pentecostes. É inevitável tais fatos levarem à seguinte conclusão: a coluna que esse texto fornece para o templo do primeiro dia é semelhante ao alicerce desse edifício, ou seja, apenas fruto da imaginação, e é digna de um lugar ao lado da coluna fornecida pelo relato da segunda aparição do Senhor a Seus discípulos. HS 99.10
Uma terceira coluna do edifício do primeiro dia é a seguinte: a redenção é maior do que a criação; logo, o dia da ressurreição de Cristo deveria ser observado no lugar do dia de descanso do Criador. Mas tal proposição é vulnerável à objeção fatal de que a Bíblia não menciona nada dessa natureza.81 Quem sabe, então, se isso é verdade? Quando o Criador deu origem ao nosso mundo, Ele não previu a queda do homem? E, ao prevê-la, não nutriu o propósito de redimir a humanidade? A partir disso, não se conclui que o propósito da redenção foi concebido na criação? Quem, então, é capaz de afirmar que a redenção é maior do que a criação? HS 100.1
Mas como as Escrituras não esclarecem esse ponto, presumamos que a redenção seja maior. Quem pode dizer que um dia deveria ser separado para celebrá-la? A Bíblia não diz nada a esse respeito. Mas suponhamos que um dia deva ser separado para esse propósito. Que dia deveria ter a preferência? Alega-se que deveria ser o dia no qual o plano da redenção foi concluído. Mas não é verdade que ele foi concluído. A ressurreição dos santos e a retirada da maldição que foi posta sobre a Terra fazem parte dessa obra.82 Mas suponhamos que a redenção deva ser celebrada, antes de sua conclusão, pela separação de um dia em sua homenagem. Mais uma vez surge a pergunta: qual deve ser esse dia? A Bíblia não tem resposta. Se o dia mais memorável da história da redenção fosse o escolhido, sem dúvida, o dia da crucifixão teria a preferência, pois nele foi pago o preço pela redenção humana. Qual dia é mais memorável: aquele no qual o infinito Legislador entregou Seu amado Filho unigênito para sofrer uma morte cheia de ignomínia, por uma raça de rebeldes que transgrediram Sua lei, ou o dia em que Ele restaurou Esse amado Filho à vida? O segundo evento, embora muito interessante, é a coisa mais natural do mundo. A crucifixão do Filho de Deus, por seres humanos pecadores, pode seguramente ser considerada o evento mais maravilhoso dos anais da eternidade. O dia da crucifixão, portanto, é, sem comparação, o mais memorável. E não há dúvida de que a redenção, em si, foi confirmada na crucifixão, não na ressurreição. Pois está escrito: HS 100.2
“No qual temos a redenção, pelo Seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da Sua graça.” “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-Se Ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro.” “Foste morto e com o Teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação.”83 HS 100.3
Logo, se algum dia deve ser observado em memória da redenção, o dia da crucifixão deveria, inquestionavelmente, ter a preferência. Mas é desnecessário persistir nessa ideia. Se é o dia da crucifixão ou o da ressurreição que deve ter preferência, isso é irrelevante. O Espírito Santo nada disse em favor de nenhum desses dias, mas cuidou para que o evento, em cada caso, tivesse seu memorial apropriado. Você gostaria de comemorar a crucifixão do Redentor? Para isso, não é preciso mudar o sábado para o dia da crucifixão. Seria um pecado presunçoso fazer isso. Veja qual foi o memorial da crucifixão apontado por Deus: HS 101.1
“O Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o Meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de Mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no Meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de Mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.”84 HS 101.2
Portanto, é a morte do Redentor, não o dia de Sua morte, que o Espírito Santo considera digna de comemoração. Você também gostaria de comemorar a ressurreição do Redentor? Você não precisa mudar o sábado bíblico para esse propósito. O grande Legislador nunca autorizou tal ato. Mas foi ordenado um memorial apropriado desse acontecimento: HS 101.3
“Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na Sua morte? Fomos, pois, sepultados com Ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida. Porque, se fomos unidos com Ele na semelhança da Sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da Sua ressurreição.”85 HS 101.4
Ser enterrado na sepultura das águas, assim como nosso Senhor foi sepultado na tumba, e ressuscitar das águas para andar em novidade de vida, assim como nosso Senhor ressuscitou dos mortos para a glória do Pai, é o memorial divinamente autorizado da ressurreição do Senhor Jesus. Também é preciso ressaltar que foi a ressurreição em si, e não o dia da ressurreição, que foi considerada digna de celebração. Os eventos que fundamentam a redenção são a morte, o sepultamento e a ressurreição do Redentor. Cada um deles tem um memorial apropriado; no entanto, nenhuma importância é atribuída aos dias em que cada um desses eventos aconteceu. Foi a morte do Redentor, e não o dia de Sua morte, que se tornou digna de comemoração. Por isso, a santa ceia foi destinada a esse propósito. Foi a ressurreição do Salvador, e não o dia da ressurreição, que se tornou digna de comemoração. Assim, o batismo por imersão foi ordenado como seu memorial. Foi a mudança desse memorial, da imersão para a aspersão, que deu um motivo plausível para a transformação da observância do primeiro dia no memorial da ressurreição. HS 101.5
A celebração da obra da redenção, realizada por meio de um descanso, do trabalho, no primeiro dia da semana, após seis dias de labuta, exigiria que nosso Senhor tivesse realizado a obra da redenção humana nos seis dias anteriores à ressurreição, e descansado de Seu trabalho nesse dia, abençoando-o e separando-o por essa razão. No entanto, nenhum desses eventos é verdade. Toda a vida de nosso Senhor foi dedicada a essa obra. Ele descansou temporariamente da mesma no sábado posterior à crucifixão, mas retomou o trabalho na manhã do primeiro dia da semana, e nunca mais a interrompeu nem a interromperá, até seu cumprimento perfeito – que se dará na ressurreição dos santos e na redenção dos que foram comprados com Seu sangue. Logo, a redenção não fornece nenhuma justificativa para a mudança do sábado. Seus memoriais são mais do que suficientes, e não precisam destruir o memorial do grande Criador. Assim, constatamos que a terceira coluna do templo da santidade do primeiro dia – assim como as outras partes da estrutura que já foram examinadas – não passa de fruto da imaginação. HS 101.6
O quarto pilar desse templo é extraído de uma antiga profecia que, supostamente, predisse o sábado cristão: HS 102.1
“A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos. Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele.”86 HS 102.2
Esse texto é considerado um dos mais fortes testemunhos em favor do sábado cristão, ou seja, do domingo. Todavia, para que isso seja verdade, é necessário ter como pressupostos os próprios pontos que a passagem, supostamente, provaria. Em outras palavras, deve-se adotar as seguintes premissas: (1) o Salvador Se transformou na pedra angular por Sua ressurreição; (2) o dia da ressurreição foi transformado no sábado cristão em comemoração a esse evento (3) e esse dia, assim ordenado, deve ser celebrado pela abstinência do trabalho e pela participação no culto a Deus. HS 102.3
A esses pressupostos excepcionais, é apropriado responder: (1) não há prova alguma de que Jesus Se transformou na pedra principal no dia de Sua ressurreição. As Escrituras não definem o dia em que Cristo passou a ter esse status. Sua transformação em pedra angular se refere ao fato de Ele ter Se tornado a pedra principal do templo espiritual composto por Seu povo. Em outras palavras, refere-se ao fato de Ele Se tornar a cabeça do corpo vivo dos santos do Altíssimo. Ao que tudo indica, Ele só assumiu essa posição quando ascendeu aos Céus, tornando-Se a pedra principal e angular na Sião celestial, eleita e preciosa.87 Assim, não há evidência de que o primeiro dia da semana seja sequer mencionado nesse texto; (2) também não existe a menor evidência de que esse dia, ou qualquer outro, tenha sido separado como o sábado cristão em memória da ressurreição de Cristo; (3) tampouco se pode encontrar um pressuposto mais inusitado do que este, a saber, o de que essa passagem ordena a observância sabática do primeiro dia da semana! HS 102.4
Esse trecho da Bíblia faz referência clara ao ato do Salvador de Se tornar o cabeça da igreja do Novo Testamento; em consequência, o mesmo diz respeito ao início da dispensação evangélica. O dia no qual o povo de Deus se regozija, levando em conta essa relação com o Redentor, não pode ser compreendido como um único dia da semana – pois a ordem é que os crentes se regozijem “sempre” – ,88 e, sim, como todo o período da dispensação evangélica. Nosso Senhor usou a palavra “dia” com o mesmo propósito ao dizer: HS 102.5
“Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o Meu dia, viu-o e regozijou-se.”89 HS 103.1
Defender a existência do que é chamado de sábado cristão com base no argumento de que esse texto prediz tal instituição, nada mais é do que fornecer um quarto pilar, tão sólido quanto os testados anteriormente, para o templo do primeiro dia. HS 103.2
A profecia das setenta semanas de Daniel se estende por três anos e meio após a morte do Redentor, chegando até o começo da grande obra para os gentios. Este período de sete anos que analisamos é o mais significativo na história do sábado. Ele engloba toda a história do Senhor do sábado e de Sua ligação com essa instituição: Seus milagres e ensinos, que levam alguns a afirmar que Ele enfraqueceu a autoridade do sábado do sétimo dia; Sua morte, evento que faz outros afirmarem que Ele o anulou; e Sua ressurreição, que leva um número ainda maior de pessoas a declarar que Ele mudou esse dia para o primeiro dia da semana. No entanto, citamos evidências abundantes de que todas essas posições são falsas, e de que o início da grande obra aos gentios foi testemunha da existência do sábado do quarto mandamento, em nenhum sentido enfraquecido, anulado ou mudado. HS 103.3