História do Sábado

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3 – O Sábado Confiado aos Hebreus

Objetivo deste capítulo – Apostasia total da família humana na era antediluviana – Destruição da humanidade – A família de Noé é poupada – Segunda apostasia da humanidade na era patriarcal – Deus permite que as nações apóstatas sigam seu próprio caminho – A família de Abraão é escolhida – Esta é separada do resto da raça humana – A história da linhagem de Abraão – Seu relacionamento com Deus – O sábado já existia quando eles saíram do Egito – Análise de Êxodo 16 – O sábado é confiado aos hebreus HS 27.1

Delinearemos agora a história da verdade divina, por muitas eras, em conexão quase que exclusiva com a família de Abraão. Com o objetivo de expor a verdade diante da alegação de que o sábado pertence somente aos hebreus, e de justificar a conduta de Deus com a humanidade ao deixar as nações apóstatas seguirem os próprios caminhos, vamos examinar com cuidado a Bíblia, em busca dos motivos que dirigiram a providência divina a escolher a família de Abraão como depositária da verdade divina. HS 27.2

O mundo antediluviano fora muito favorecido por Deus. O período de vida de cada geração era doze vezes maior do que o das pessoas da atualidade. Durante quase mil anos, Adão, que conversara com Deus no paraíso, permaneceu com a humanidade. Antes da morte de Adão, Enoque começou sua santa caminhada de trezentos anos e foi trasladado sem ver a morte. O exemplo de piedade de Enoque foi um poderoso testemunho para os antediluvianos em favor da verdade e da justiça. Ademais, o Espírito de Deus lutava para salvar a humanidade, mas a perversidade do ser humano superou toda a bondosa ação refreadora do Espírito Santo. “Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração”. Até os filhos de Deus aderiram à apostasia generalizada. Por fim, apenas uma família, dentre todas, continuou a ser adoradora do Altíssimo.1 HS 27.3

Então veio o dilúvio, trazendo a destruição e varrendo do mundo seus ímpios habitantes.2 Com certeza seria de se pensar que uma demonstração tão terrível da justiça divina seria suficiente para conter a impiedade por eras. Sem dúvida, a família de Noé não poderia se esquecer tão cedo dessa lição alarmante. Mas, infelizmente, a revolta e a apostasia logo reapareceram, e os seres humanos deixaram a Deus para adorar a ídolos. A fim de contrariar a ordem divina de separar a família humana em diversas nações,3 os seres humanos se reuniram em um grande ato de rebelião na planície de Sinar. “Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra”. Então, Deus os confundiu em sua impiedade, e os espalhou para outros lugares, por toda a face da Terra.4 Os homens não queriam guardar o conhecimento de Deus; por isso, o Senhor os entregou a uma mente perversa e permitiu que transformassem a verdade divina em mentira, e adorassem e servissem a criatura em lugar do Criador. Essa foi a origem da idolatria e da apostasia dos gentios.5 HS 27.4

No meio dessa apostasia amplamente disseminada, foi encontrado um homem cujo coração era fiel a Deus. Abraão foi escolhido dentre uma família idólatra para ser depositário da verdade divina, o pai da fé, herdeiro do mundo e amigo de Deus.6 Quando os adoradores de Deus eram achados apenas na família de Noé, o Senhor permitiu que o restante da humanidade perecesse no dilúvio. Agora que, mais uma vez, os adoradores de Deus se reduziram praticamente a uma só família, Deus permitiu que as nações idólatras seguissem os próprios caminhos, e tomou a família de Abraão como Sua herança particular. “Porque Eu o escolhi” – disse Deus – “para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor e pratiquem a justiça e o juízo”.7 A fim de poderem preservar o conhecimento da verdade divina, a memória e a adoração do Altíssimo na Terra, eles deveriam ser um povo separado de toda a humanidade, habitando em uma terra própria. Com o objetivo de que ele se separasse dos pagãos ao redor, Deus concedeu a Abraão o rito da circuncisão e, posteriormente, toda a lei cerimonial à sua posteridade.8 Mas eles só poderiam possuir a terra prometida quando se enchesse a taça da iniquidade de seus habitantes, os amorreus, e estes fossem, por essa razão, expulsos diante deles. O horror da grande escuridão e a fumaça vistos por Abraão em visão prefiguravam a fornalha de ferro e a amarga servidão no Egito. A família de Abraão deveria descer até lá. Breve prosperidade e longa e terrível opressão se seguiriam.9 HS 28.1

Por fim, o poder do opressor foi quebrado e o povo de Deus, libertado. O fim dos 430 anos desde a promessa feita a Abraão marca a hora do livramento da sua descendência.10 A nação de Israel saiu do Egito como o tesouro peculiar de Deus, a fim de que Ele lhes desse o sábado, Sua lei e a Si próprio. O salmista testifica de que Deus “conduziu com alegria o Seu povo e, com jubiloso canto, os Seus escolhidos. Deu-lhes as terras das nações, e eles se apossaram do trabalho dos povos, para que Lhe guardassem os preceitos e Lhe observassem as leis”. O Deus Altíssimo disse: “Eu Sou o Senhor, que vos santifico, que vos tirei da terra do Egito, para ser o vosso Deus”.11 Isso não quer dizer que os mandamentos de Deus, o sábado e Ele próprio não tivessem existência anterior, ou que o povo ignorasse o Deus verdadeiro e Sua lei; pois o sábado foi destinado para uso santo antes da queda do homem; os mandamentos de Deus, Seus estatutos e Suas leis foram guardados por Abraão; e quando alguns dos próprios israelitas transgrediram o sábado, o povo foi reprovado com a pergunta: “Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?”12 E quanto ao Altíssimo, o salmista exclama: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, Tu és Deus”.13 No entanto, deveria haver uma aliança pública formal entre o povo de Deus, Ele mesmo, Sua lei e o sábado.14 Mas nem o sábado, nem a lei, nem o grande Legislador se tornaram judeus por sua ligação com os hebreus. De fato, o Legislador Se tornou o Deus de Israel,15 e qual gentio poderia se recusar a adorá-Lo por esse motivo? Mas, o sábado continuou a ser o sábado do Senhor,16 e a lei continuou a ser a lei do Altíssimo. HS 28.2

No mês seguinte à travessia do Mar Vermelho, os hebreus chegaram ao deserto de Sim. É nesse ponto da narrativa que Moisés menciona, pela segunda vez, o dia santo de descanso do Criador. O povo murmurou pedindo pão: HS 29.1

“Então, disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover do céu pão, e o povo sairá e colherá diariamente a porção para cada dia, para que Eu ponha à prova se anda na Minha lei ou não. Dar-se-á que, ao sexto dia, prepararão o que colherem; e será o dobro do que colhem cada dia. [...] Tenho ouvido as murmurações dos filhos de Israel; dize-lhes: Ao crepúsculo da tarde, comereis carne, e, pela manhã, vos fartareis de pão, e sabereis que Eu Sou o Senhor, vosso Deus. À tarde, subiram codornizes e cobriram o arraial; pela manhã, jazia o orvalho ao redor do arraial. E, quando se evaporou o orvalho que caíra, na superfície do deserto restava uma coisa fina e semelhante a escamas, fina como a geada sobre a terra. Vendo-a os filhos de Israel, disseram uns aos outros: Que é isto? Pois não sabiam o que era. Disse-lhes Moisés: Isto é o pão que o Senhor vos dá para vosso alimento. Eis o que o Senhor vos ordenou: Colhei disso cada um segundo o que pode comer, um gômer por cabeça, segundo o número de vossas pessoas; cada um tomará para os que se acharem na sua tenda. Assim o fizeram os filhos de Israel; e colheram, uns, mais, outros, menos. Porém, medindo-o com o gômer, não sobejava ao que colhera muito, nem faltava ao que colhera pouco, pois colheram cada um quanto podia comer. Disse-lhes Moisés: Ninguém deixe dele para a manhã seguinte. Eles, porém, não deram ouvidos a Moisés, e alguns deixaram do maná para a manhã seguinte; porém deu bichos e cheirava mal. E Moisés se indignou contra eles. Colhiam-no, pois, manhã após manhã, cada um quanto podia comer; porque, em vindo o calor, se derretia. Ao sexto dia, colheram pão em dobro, dois gômeres para cada um;17 e os principais da congregação vieram e contaram-no a Moisés. Respondeu-lhes ele: Isto é o que disse o Senhor:18 Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor; o que quiserdes cozer no forno, cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e tudo o que sobrar separai, guardando para a manhã seguinte. E guardaram-no até pela manhã seguinte, como Moisés ordenara; e não cheirou mal, nem deu bichos. Então, disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto o sábado é do Senhor;19 hoje, não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o sábado; nele, não haverá. Ao sétimo dia, saíram alguns do povo para o colher, porém não o acharam. Então, disse o Senhor a Moisés: Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis? Considerai que o Senhor vos deu o sábado; por isso, Ele, no sexto dia, vos dá pão para dois dias; cada um fique onde está, ninguém saia do seu lugar no sétimo dia. Assim, descansou o povo no sétimo dia.”20 HS 29.2

Essa narrativa mostra: HS 30.1

1) que Deus tinha uma lei e mandamentos antes de dar o maná; HS 30.2

2) que, ao dar pão do céu para Seu povo, Deus tinha o desígnio de provar se eles respeitavam Sua lei; HS 30.3

3) que dentro dessa lei se encontrava o santo sábado, pois o teste relativo a andar na lei dizia respeito diretamente ao sábado; e quando Deus disse: “Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?”, Ele estava Se referindo ao sábado, que eles haviam violado; HS 30.4

4) que, ao provar o povo com respeito a essa lei que já existia, Moisés não apresentou nenhum preceito novo sobre o sábado, mas permaneceu em silêncio acerca do preparo para o dia até que o povo, por vontade própria, recolhesse uma porção dobrada no sexto dia; HS 31.1

5) que, mediante esse ato, o povo provou não somente que conhecia o sábado, mas também que estava disposto a guardá-lo;21 HS 31.2

6) que a contagem da semana, cuja evidência é vista durante a era patriarcal,22 havia sido preservada corretamente, pois o povo sabia quando o sexto dia havia chegado; HS 31.3

7) que, caso houvesse qualquer dúvida a esse respeito [isto é, se a contagem semanal se havia perdido desde a criação], a queda do maná durante os seis dias da semana, sua retenção no sétimo dia e a preservação, no sábado, do necessário para esse dia, teriam resolvido a questão sem deixar nenhum lugar para dúvidas;23 HS 31.4

8) que não houve nenhum ato que instituísse o sábado no deserto de Sim; pois Deus não fez dele Seu dia de descanso nessa ocasião, nem o abençoou e santificou ali. Pelo contrário, o relato mostra que o sétimo dia já era o dia de descanso santificado pelo Senhor;24 HS 31.5

9) que a obrigação de guardar o sábado já existia e era conhecida antes da queda do maná, pois o vocabulário usado subentende a existência de tal obrigação, e não contém uma nova ordem, o que ocorre só depois de algumas pessoas transgredirem o sábado. Assim, Deus diz a Moisés: “Dar-se-á que, ao sexto dia, prepararão o que colherem”, mas não fala sobre o sétimo. E no sexto dia, Moisés fala ao povo: “Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor”, mas não ordena que eles o observem. Sobre o sétimo dia, ele afirma que é o sábado e que ninguém encontraria maná no campo. “Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o sábado; nele, não haverá”. Em tudo isso, nenhum preceito é estabelecido; todavia, a existência de um preceito é claramente subentendida; HS 31.6

10) que, quando algumas pessoas violaram o sábado, estas foram repreendidas com uma linguagem que implicava, com clareza, uma transgressão prévia do preceito: “Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?”; HS 31.7

11) e que essa repreensão, por parte do Legislador, refreou por um tempo a transgressão do povo. HS 31.8

“Considerai que o Senhor vos deu o sábado; por isso, Ele, no sexto dia, vos dá pão para dois dias;25 cada um fique onde está, ninguém saia do seu lugar no sétimo dia”.26 Deus confiou o sábado aos hebreus como um legado especial. O mesmo foi, nessa ocasião, dado a eles; ele não foi criado para eles. O sábado foi criado para o homem ao fim da primeira semana do tempo; mas depois que todas as outras nações se afastaram do Criador para adorar ídolos, ele foi dado ao povo hebreu. Isso também não prova que todos os hebreus o haviam desconsiderado até aquele momento, pois Cristo usa a mesma linguagem acerca da circuncisão. Ele diz: “Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (se bem que ela não vem dele, mas dos patriarcas)”.27 No entanto, Deus havia dado essa ordenança a Abraão e sua família 400 anos antes de concedê-la a Moisés, e eles a haviam conservado.28 HS 32.1

As palavras “o Senhor vos deu o sábado” indicam um ato solene de confiar um tesouro aos cuidados deles. Como isso foi feito? Nenhum ato de instituição do sábado ocorreu naquele momento. Nenhum preceito ordenando sua observância foi dado até que algumas pessoas o transgrediram, momento em que ele foi, então, mencionado em forma de repreensão, evocando uma obrigação prévia e a transgressão de uma lei existente. Esse ponto de vista certamente é fortalecido pelo fato de que, na ocasião, nenhuma explicação foi dada ao povo acerca da instituição do sábado. Tal fato indica que eles já tinham algum conhecimento acerca do sétimo dia. HS 32.2

Mas, então, como Deus lhes deu o sábado? Ele o fez, em primeiro lugar, ao livrá-los do jugo abjeto do Egito, sob o qual os hebreus eram uma nação de escravos. E segundo, dando-lhes alimento de forma a impor uma forte obrigação de guardar o sábado. Por 40 anos Ele lhes deu pão do céu, mandando-o por seis dias e deixando de enviá-lo no sétimo, preservando o alimento para eles durante o sábado. Foi assim que o sábado lhes foi especialmente confiado. HS 32.3

Como um presente para os hebreus, o grande memorial do Criador se tornou um sinal entre eles e Deus. “Também lhes dei os Meus sábados, para servirem de sinal entre Mim e eles, para que soubessem que Eu Sou o Senhor que os santifica”. O propósito do sinal é indicado: tornar conhecido o verdadeiro Deus. E as Escrituras nos apresentam a razão por que tal sinal teria esse fim: “Entre Mim e os filhos de Israel é sinal para sempre; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, e, ao sétimo dia, descansou, e tomou alento”.29 A instituição em si simbolizava que Deus havia criado os céus e a terra em seis dias e descansara no sétimo. Sua observância pelo povo queria dizer que o Criador era seu Deus. Que sinal repleto de significado! HS 32.4

O sábado era um sinal entre Deus e os filhos de Israel porque só eles adoravam o Criador. Todas as outras nações haviam se afastado Dele para buscar “deuses que não fizeram os céus e a terra”.30 Por essa razão, o memorial do grande Criador foi confiado aos hebreus e se tornou um sinal entre eles e o Altíssimo. O sábado, dessa forma, representava um elo de ouro unindo o Criador a Seus adoradores. HS 33.1