História do Sábado

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2 – A Instituição do Sábado

Evento do sétimo dia – Por que o Criador descansou – Atos que deram origem ao sábado – Tempo e ordem de sua ocorrência – Significado da palavra “santificou” – O quarto mandamento liga a origem do sábado à criação – A segunda menção ao sábado confirma esse fato – O testemunho do Salvador – Quando Deus santificou o sétimo dia – Objetivo do Autor do sábado – Testemunhos de Josefo e de Filo – Análise de um argumento negativo com base no livro de Gênesis – Não seria difícil para os patriarcas saberem do conhecimento de Adão sobre o sábado HS 15.1

A obra do Criador estava concluída, mas a primeira semana do tempo ainda não havia terminado. Cada um dos seis dias se distinguira um do outro pela ação do Criador sobre eles, mas o sétimo dia se tornou memorável de um modo bem diferente. “E, havendo Deus terminado no dia sétimo1 a Sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a Sua obra que tinha feito”. Contudo, uma linguagem ainda mais intensa foi usada: “[E], ao sétimo dia, descansou, e restaurou-Se [ARC; “tomou alento”, ARA; “was refreshed” (foi revigorado), KJV].2 HS 15.2

Assim, o sétimo dia da semana se tornou o dia de descanso do Senhor. Que fato notável! “O eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, [que] nem Se cansa, nem Se fatiga”.3 Ele não precisa de descanso, todavia está escrito: “[A]o sétimo dia, descansou, e tomou alento”. Por que o registro não conta apenas que a obra do Criador cessou? Por que dedicar um dia para o descanso ao fim dessa obra? A resposta se encontra no verso seguinte. Ele estava lançando as bases de uma instituição divina, o memorial de Sua grande obra. HS 15.3

“E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera”. O quarto mandamento declara o mesmo fato: Ele “ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou”.4 HS 15.4

A bênção e a santificação do sétimo dia ocorreram porque Deus nele descansou. Assim, o descanso de Deus nesse dia teve como propósito lançar os fundamentos para abençoá-lo e santificá-lo. O fato de Ele ter “tomado alento” ou ter-Se “revigorado” com o descanso sugere que Deus Se deleitou no ato que lançou as bases para o memorial de Sua grande obra. HS 15.5

O segundo ato do Criador ao instituir este memorial foi colocar Sua bênção sobre o dia de descanso. A partir de então, ele passou a ser o abençoado dia de descanso do Senhor. Um terceiro ato completou a instituição sagrada. O dia, que já havia sido abençoado por Deus, foi afinal santificado ou consagrado por Ele. Santificar é “separar, colocar à parte, destinar como santo, para uso religioso”. Consagrar é “tornar santo; dedicar; separar para uso santo ou religioso”.5 HS 16.1

O momento em que cada um desses três atos foi realizado é digno de destaque especial. O primeiro ato foi o do descanso. Ele aconteceu no sétimo dia, pois o dia foi dedicado ao descanso. O segundo e o terceiro atos ocorreram depois que o sétimo dia acabou. “Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nele Ele havia descansado de toda Sua obra” (KJV) [Gênesis 2:3]. Portanto, foi no primeiro dia da segunda semana do tempo que Deus abençoou o sétimo dia e o separou para uso santo. A bênção e a santificação do sétimo dia se relacionam não ao primeiro sétimo dia do tempo, mas, sim, ao sétimo dia de cada semana do tempo que viria, em memória ao descanso de Deus naquele dia específico de Sua obra da criação. HS 16.2

Com o início do tempo, Deus começou a contar os dias, dando a cada um o nome de um número ordinal. Sete dias diferentes receberam nomes diferentes. Em memória ao que Ele fez no último desses dias, Deus o separou por nome para uso santo. Tal ato trouxe à existência as semanas, ou períodos de sete dias; pois, com o sétimo dia, Ele parou de contar e, havendo determinado que aquele dia deveria ter uso santo em memória de Seu descanso, fez o ser humano começar a contagem de uma nova semana assim que o primeiro sétimo dia terminou. Assim, como Deus Se agradou de dar ao homem, ao todo, apenas sete dias diferentes, atribuindo a cada um desses dias um nome que indica seu lugar exato na semana, o ato de Ele separar um desses dias por nome (criando as semanas e dando ao homem o sábado) nunca pode se referir a um dia indefinido ou incerto, a menos que se faça uso de engano. HS 16.3

Os dias da semana são medidos pela rotação de nossa Terra em volta de seu eixo; portanto, nosso sétimo dia só existe para os habitantes deste globo. Logo, os dias da semana foram dados para serem usados por Adão e Eva, habitantes deste planeta, e não pelos habitantes de algum outro mundo. Consequentemente, quando Deus separou um desses dias para uso santo, como memorial de Seu próprio descanso nesse dia da semana, a própria essência do ato consistia em contar a Adão que esse dia deveria ser empregado apenas para propósitos santos. Adão se encontrava no jardim de Deus, colocado ali pelo Criador para cuidar do jardim e preservá-lo. Ele também havia recebido de Deus a ordem de dominar a terra.6 Assim, quando o dia do Senhor chegasse, semana após semana, todas essas ocupações seculares, embora legítimas em si, deveriam ser deixadas de lado, e o dia deveria ser observado em memória do descanso do Criador. HS 16.4

O Dr. Twisse cita Martinho Lutero da seguinte maneira: HS 17.1

“E Martinho Lutero professa igualmente esse mesmo ponto (volume 6, sobre Gênesis 2:3). ‘Conclui-se a partir disso’, disse ele, ‘que, se Adão houvesse permanecido em sua inocência, ainda assim teria santificado o sétimo dia, ou seja, naquele dia ensinaria seus filhos e os filhos de seus filhos qual era a vontade de Deus e como Ele deveria ser adorado; louvaria a Deus, daria ações de graças, e apresentaria ofertas. Nos outros dias lavraria o solo e cuidaria do gado.’”7 HS 17.2

O verbo hebraico kadash, traduzido aqui e no quarto mandamento como santificou, é definido por Gesenius: “declarar santo; santificar; instituir qualquer coisa santa, designar”.8 É usado diversas vezes no Antigo Testamento para designar uma reunião ou proclamação pública. Por exemplo, quando as cidades de refúgio foram separadas em Israel, está escrito: “Designaram [no hebraico, santificaram], pois, solenemente, Quedes, na Galileia, na região montanhosa de Naftali, e Siquém, na região montanhosa de Efraim”, etc. Essa santificação, ou designação, das cidades de refúgio significa que elas haviam sido colocadas à parte para aquele propósito por meio de uma proclamação pública a Israel. Esse verbo também é usado para a designação de um jejum público e para a convocação de uma assembleia solene. Assim, lemos: “Promulgai [no hebraico, santificai] um santo jejum, convocai uma assembleia solene, congregai os anciãos, todos os moradores desta terra, para a Casa do Senhor, vosso Deus, e clamai ao Senhor”. “Tocai a trombeta em Sião, promulgai [ou seja, santificai] um santo jejum, proclamai uma assembleia solene”. “Disse mais Jeú: Consagrai [heb. santificai] uma assembleia solene a Baal”.9 Essa assembleia a Baal foi tão pública que todos os adoradores de Baal em Israel se reuniram. Tais jejuns e assembleias solenes eram santificados ou separados por meio de uma intimação ou proclamação pública. Assim, quando Deus separou o sétimo dia para uso sagrado, era necessário que Ele anunciasse o fato aos que fariam uso dos dias da semana. Sem esse anúncio, o dia não poderia ser separado dos outros. HS 17.3

Mas a ilustração mais marcante do significado dessa palavra se encontra no relato em que o monte Sinai foi santificado.10 Quando Deus estava prestes a pronunciar os dez mandamentos aos ouvidos de todo o Israel, Ele ordenou que Moisés descesse do monte Sinai para não deixar que o povo tocasse no monte. “Então, disse Moisés ao Senhor: O povo não poderá subir o monte Sinai, porque Tu nos tens protestado, dizendo: Marca termos ao monte e santifica-o.” Voltando ao verso no qual Deus deu essa ordem a Moisés, lemos: “E marcarás limites ao povo em redor, dizendo: Guardai-vos, que não subais o monte nem toqueis o seu termo”. Portanto, santificar o monte era ordenar ao povo que não tocasse nem em suas bordas, pois Deus estava prestes a descer em majestade sobre ele. Em outras palavras, santificar ou separar o monte Sinai para um uso santo significava dizer ao povo que Deus queria que o monte fosse tratado como algo sagrado para Si. Da mesma maneira, santificar o dia de descanso do Senhor era dizer a Adão que ele deveria tratar o dia como santo ao Senhor. HS 17.4

A declaração “abençoou Deus o dia sétimo e o santificou” não é, na verdade, um mandamento para a observância desse dia, mas, sim, o registro de que tal preceito foi dado a Adão.11 Pois como o Criador “separaria para uso santo” o dia de Seu descanso se aqueles por quem o dia seria usado não soubessem nada a esse respeito? Quem puder responder, responda. HS 18.1

Veremos que esse ponto de vista sobre o relato de Gênesis é sustentado por todos os testemunhos da Bíblia acerca do dia de descanso do Senhor. Os fatos que já examinamos constituem a base do quarto mandamento. Assim falou o grandioso Legislador, do cume do monte fumegante: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar”. “O sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus”. “Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou”.12 HS 18.2

A palavra “sábado” vem da língua hebraica e significa descanso.13 Assim, a ordem “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar” equivale a dizer: “Lembra-te do dia de descanso, para o santificar”. A explicação que se segue sustenta essa declaração: “O sétimo dia é o sábado [ou dia de descanso] do Senhor, teu Deus”. A origem do dia de descanso é informada nas seguintes palavras: “Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou”. O que é ordenado no quarto mandamento é a santificação do dia de descanso do Senhor. E fica definido ali que isso deve acontecer no dia que Ele descansou da obra da criação. Além disso, o quarto mandamento chama de “sábado” o sétimo dia, que Deus abençoou e santificou; portanto, o sábado é uma instituição que data da fundação do mundo. O quarto mandamento aponta para a criação como a origem de sua obrigação; e, quando voltamos a esse ponto, descobrimos que a base do quarto mandamento foi dada a Adão, porquanto “abençoou Deus o dia sétimo e o santificou”, isto é, separou para uso santo. Uma declaração afirma que “abençoou Deus o dia sétimo e o santificou” e a outra que “o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou”. Essas duas afirmações se referem ao mesmo ato. Uma vez que a palavra sábado não aparece na primeira declaração, alguns argumentam que o sábado não se originou na criação, mas que apenas o sétimo dia foi santificado naquela ocasião. Com base na segunda declaração, eles argumentam que Deus não abençoou o sétimo dia em si, mas simplesmente a instituição do sábado. No entanto, ambas as declarações englobam toda a verdade. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou; e esse dia assim abençoado e santificado corresponde a Seu santo sábado, ou dia de descanso. Desse modo, o quarto mandamento estabelece a origem do sábado na criação. HS 18.3

A segunda menção do sábado na Bíblia confirma de maneira decisiva os testemunhos já mencionados. No sexto dia da semana, Moisés, no deserto de Sim, disse a Israel: “Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor”.14 O que fora feito ao sétimo dia desde que Deus o abençoara e santificara como Seu dia de descanso no paraíso? Nada. O que Moisés fez ao sétimo dia para transformá-lo no descanso do santo sábado do Senhor? Nada. No sexto dia, Moisés simplesmente afirmou o fato de que o dia seguinte era o descanso do santo sábado do Senhor. O sétimo dia sempre havia ocupado essa posição desde que Deus o abençoara e santificara como Seu dia de descanso. HS 19.1

O testemunho de nosso divino Senhor acerca da origem e do propósito do sábado tem importância especial. Ele é competente para testificar a respeito disso, pois esteve com o Pai no princípio da criação.15 “O sábado foi estabelecido por causa do homem”, disse Ele, “e não o homem por causa do sábado”.16 A regra gramatical a seguir é digna de nota: “Um substantivo sem adjetivo é invariavelmente interpretado em sua extensão mais ampla, como por exemplo: O homem é responsável”.17 Os textos a seguir ilustram essa regra e também essa declaração de Cristo no Novo Testamento: “O homem se deita e não se levanta; enquanto existirem os céus, não acordará, nem será despertado do seu sono”. “Não sobreveio a vocês tentação que não fosse comum aos homens”. “Aos homens está ordenado morrerem uma só vez”.18 Nesses textos, “homem” e “homens” são usados sem adjetivos ou restrições, aplicando-se, portanto, a toda a humanidade. Logo, o sábado foi feito para toda a família humana, e teve origem junto com a humanidade. Mas, no original, a linguagem do Salvador é ainda mais enfática: “O sábado foi estabelecido por causa do homem e não o homem por causa do sábado”. Essa construção chama a atenção para o homem Adão, que foi feito do pó da terra logo antes que o sábado do sétimo dia fosse feito para ele. HS 19.2

Essa é uma confirmação notável do fato já destacado de que o sábado havia sido dado a Adão, o cabeça de toda a família humana. HS 20.1

“O sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus”; contudo, Ele fez o sábado para o homem. “Deus tornou o sábado Seu por apropriação solene, a fim de que pudesse devolvê-lo a nós sob a proteção de uma lei divina, para que ninguém nos privasse dele e ficasse impune”. HS 20.2

Mas não seria possível que o ato de Deus abençoar e santificar o sétimo dia não tivesse ocorrido ao término da semana da criação? Não pode dar-se o caso de essa bênção ter sido mencionada em Gênesis porque Deus tinha a intenção de que o dia de Seu descanso fosse observado depois? Ou melhor, será que Moisés, ao escrever o livro de Gênesis muito tempo depois da Criação, não poderia ter inserido essa história da santificação do sétimo dia no registro da primeira semana, muito embora o dia em si tenha sido santificado somente em sua época? HS 20.3

Certamente tal interpretação do registro bíblico não pode ser admitida, a menos que os fatos o exijam; mas isso seria, no mínimo, uma explicação forçada da linguagem. O relato de Gênesis, a menos que tenhamos aqui uma exceção, é uma simples narrativa de eventos. Assim, o que Deus fez em cada dia é registrado, em ordem, até o sétimo. Sem dúvida, é uma violência à narrativa afirmar que o registro correspondente ao sétimo dia tem caráter diferente daquele relacionado aos outros seis. Deus descansou no sétimo dia e o santificou porque nesse dia Ele havia descansado. A razão para Ele santificar o sétimo dia ficou estabelecida quando Seu descanso cessou. Portanto, falar que Deus não santificou o dia naquela época, mas, sim, nos dias de Moisés, além de distorcer a narrativa, é afirmar que Ele negligenciou, por 2.500 anos, fazer aquilo cujo motivo já existia desde a criação.19 HS 20.4

Pedimos, também, que sejam apresentados fatos para provar que o sábado foi santificado no deserto de Sim, e não na criação. E quais são os fatos que demonstram isso? Confessa-se que tais fatos não foram registrados. Sua existência é uma suposição necessária a fim de defender a teoria de que o sábado começou com a queda do maná, e não no paraíso. HS 20.5

Será que Deus santificou o sábado no deserto de Sim? Não há nenhum indício desse fato. Pelo contrário, ele é mencionado como algo já separado por Deus. No sexto dia, Moisés disse: “Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor”.20 Certamente esse não foi o ato de instituição do sábado, mas, sim, a menção costumeira de um fato já existente. Prosseguimos para o monte Sinai. Será que Deus santificou o sábado quando proferiu os dez mandamentos? Ninguém afirma que Ele o fez. Todos admitem que Moisés mencionou esse dia, no mês anterior, como algo já conhecido.21 Deus fala no Sinai sobre a santificação do sábado? Ele fala; mas, usando a mesma linguagem de Gênesis, Ele remonta a santificação do sábado, não ao deserto de Sim, mas à criação do mundo.22 Fazemos a seguinte pergunta àqueles que defendem a teoria em análise: se o sábado não foi santificado na criação, mas no deserto de Sim, então por que as duas narrativas23 registram a santificação do sábado na criação e omitem qualquer menção a tal fato no deserto de Sim? Além disso, por que o relato dos acontecimentos no deserto de Sim mostra que, na época, o santo sábado já existia? Em suma, como uma teoria que subverte todos os fatos registrados pode ser defendida como a verdade de Deus? HS 20.6

Vimos que o sábado foi ordenado por Deus no fim da semana da criação. O objetivo de seu Autor é digno de atenção especial. Por que o Criador erigiu esse memorial no paraíso? Por que Ele separou dos outros dias da semana o dia que havia usado para descansar? “Porque nele”, dizem as Escrituras, Deus “descansou de toda a obra que, como Criador, fizera”. Um descanso subentende necessariamente um trabalho realizado. Portanto, o sábado foi ordenado por Deus como memorial da obra da criação. Consequentemente, o mandamento da lei moral referente a esse memorial, diferente de todos os outros mandamentos da lei, começa com as palavras “Lembra-te”. Daremos mais valor à importância desse memorial quando, por meio das Escrituras, aprendermos que é a obra da criação que é reivindicada por seu Autor como a maior evidência de Seu eterno poder e divindade, e como o principal fato que O diferencia de todos os deuses falsos. Está escrito: HS 21.1

“Aquele que estabeleceu todas as coisas foi Deus”. “Os deuses que não fizeram os céus e a terra desaparecerão da terra e de debaixo destes céus”. “Mas o Senhor é verdadeiramente Deus; ele é o Deus vivo e o Rei eterno”. “O Senhor fez a terra pelo Seu poder; estabeleceu o mundo por Sua sabedoria e com a Sua inteligência estendeu os céus”. “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o Seu eterno poder, como também a Sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas”. “Pois Ele falou, e tudo se fez; Ele ordenou, e tudo passou a existir”. Assim, “entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem”.24 HS 21.2

Tal é a avaliação feita pelas Escrituras da obra da criação como prova do poder eterno e da divindade do Criador. O sábado se levanta como memorial dessa grande obra. Sua observância é um ato de grato reconhecimento, por parte de Suas criaturas inteligentes, de que Ele é o Criador e de que devem tudo a Ele; e de que elas existem e foram criadas para o Seu prazer. Você percebe quão apropriada para Adão era a observância do sábado! E, após a humanidade haver caído, quão importante para seu bem-estar é se lembrar “do dia de sábado, para o santificar”. Assim, o ser humano teria sido preservado do ateísmo e da idolatria, pois nunca se esqueceria de que há um Deus ao qual todas as coisas devem sua existência; nem adoraria outro Deus além do Criador. HS 22.1

O sétimo dia, santificado por Deus no Éden, não era judaico, mas, sim, divino. Não foi o memorial da fuga de Israel do Egito, mas do descanso do Criador. Tampouco é verdade que os escritores judeus mais renomados neguem a origem primitiva do sábado ou afirmem que se trata de um memorial judaico. Citamos o historiador Josefo e Filo Judeu, seu letrado contemporâneo. Josefo, cuja obra Antiguidades dos Judeus cobre, desde o início, um período paralelo à Bíblia, ao comentar sobre o deserto de Sim, não faz nenhuma alusão ao sábado – uma prova clara de que ele não tinha qualquer ideia de que este havia se originado naquele deserto. Mas ao contar o relato da criação, ele deu o seguinte testemunho: HS 22.2

“Moisés relata que o mundo e tudo o que nele há foi criado em apenas seis dias, e que o sétimo dia foi um descanso e liberação do trabalho relacionado a tais atividades; é por isso que celebramos o descanso de nossos labores nesse dia e o chamamos de sábado, palavra que denota descanso na língua hebraica.”25 HS 22.3

E Filo apresenta um enfático testemunho acerca do caráter do sábado como memorial. Ele diz o seguinte: HS 22.4

“Mas depois que o mundo inteiro foi concluído, segundo a natureza perfeita do número seis, o Pai santificou o dia seguinte, o sétimo, exaltando-o e denominando-o santo; pois tal dia é uma celebração, não de uma cidade ou de um país, mas de toda a Terra. Ele é o único dia que se pode corretamente chamar de dia de celebração para todos os povos e data de aniversário do mundo.”26 HS 22.5

O dia de descanso do Senhor também não era uma sombra do descanso do ser humano após se recuperar da queda. Deus sempre será adorado de maneira compreensível por Suas criaturas inteligentes. Portanto, quando Ele separou Seu dia de descanso para uso sagrado, se não fosse como memorial de Sua própria obra, mas apenas como sombra da redenção humana da queda, o real propósito de sua instituição deveria ser expresso e, em consequência, o ser humano em seu estado não caído nunca observaria o sábado com prazer, mas com profunda angústia, pois tal dia o lembraria de que logo se apostataria de Deus. Tampouco o santo e honrado dia do Senhor era uma das “ordenanças da carne [...] impostas até ao tempo oportuno de reforma”,27 pois não era possível haver reforma de seres não caídos. HS 22.6

Mas o ser humano não continuou em seu estado de retidão. O paraíso foi perdido, e, Adão, separado da árvore da vida. A maldição de Deus recaiu sobre a Terra, a morte entrou, pelo pecado, e foi transmitida a todos os homens.28 Após essa triste apostasia, não houve nenhuma outra menção ao sábado, até Moisés dizer no sexto dia: “Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor”. HS 23.1

Como objeção ao sábado, argumenta-se que não há nenhum preceito no livro de Gênesis que ordene a observância do sábado, e, em consequência, nenhuma obrigação, por parte dos patriarcas, de guardá-lo. Há um defeito nesse argumento que não é percebido por aqueles que o empregam. O livro de Gênesis não foi um conjunto de regras dado para os patriarcas seguirem. Pelo contrário, foi escrito por Moisés 2.500 anos depois da Criação, e muito tempo depois que todos os patriarcas haviam morrido. Em consequência, o fato de certos preceitos não se encontrarem em Gênesis não é evidência de que os mesmos não eram obrigatórios para os patriarcas. Assim, o livro não ordena aos seres humanos que amem a Deus de todo o coração e ao próximo como a si mesmos; não proíbe a idolatria, a blasfêmia, a desobediência aos pais, o adultério, o roubo, o falso testemunho, nem a inveja. Quem afirmaria, com base na argumentação mencionada, que os patriarcas não tinham restrição alguma com relação a essas coisas? Sendo mero registro de fatos, escrito muito tempo depois de haverem ocorrido, não era necessário que o livro contivesse um código moral. Mas caso o livro de Gênesis tivesse sido entregue aos patriarcas como uma regra de vida, ele necessariamente precisaria ter tal código. Vale ressaltar o fato de que, assim que Moisés chega em sua própria época, no livro de Êxodo, toda a lei moral é apresentada. O relato e o povo eram então contemporâneos e, para sempre, a partir de então, a lei escrita se encontraria nas mãos do povo de Deus, como uma regra de vida e um código completo de preceitos morais. HS 23.2

O argumento em consideração é problemático porque: (1) baseia-se no pressuposto de que o livro de Gênesis era a regra de vida dos patriarcas; (2) se levado a suas consequências, liberaria os patriarcas de cumprir todos os preceitos da lei moral, com exceção do sexto;29 (3) o ato de Deus de separar Seu dia de descanso para uso santo, conforme vimos, necessariamente envolve o fato de que Ele deu um preceito relativo a esse dia a Adão, em cuja época o dia foi separado. Logo, embora o livro de Gênesis não contenha um preceito referente ao sábado, ele fornece evidências diretas de que tal preceito foi concedido ao cabeça e representante da família humana. HS 23.3

Após falar sobre a instituição do sábado, o livro de Gênesis, em seu breve registro abrangendo 2.370 anos, não o menciona mais. Isso tem sido alardeado como grande prova de que esses homens santos, que, durante aquele período, eram perfeitos e andavam com Deus em observância a Seus mandamentos, estatutos e leis,30 viviam todos em aberta profanação do dia que Deus havia abençoado e separado para uso santo. Mas o livro de Gênesis também omite qualquer referência específica à doutrina do castigo futuro, à ressurreição do corpo, à revelação do Senhor com fogo consumidor e ao juízo do grande dia. Será que esse silêncio comprovaria que os patriarcas não criam nessas solenes doutrinas? Será que tal silêncio as torna menos sagradas? HS 23.4

É bom lembrar, também, que o sábado não é mencionado desde Moisés até Davi, um período de 500 anos, durante o qual se exigia que ele fosse guardado, sob pena de morte. Será que isso prova que ele não foi observado durante esse período?31 O jubileu ocupava um lugar de grande proeminência no sistema simbólico ou tipológico; contudo, na Bíblia inteira, não há registro de um só caso de observância desse evento. Ainda mais surpreendente: não está registrado nenhum caso de observância do grande Dia da Expiação, muito embora a obra no santíssimo fosse a ministração mais importante ligada ao serviço do santuário terreno. Todavia, observâncias de outras festas menos importantes do sétimo mês, tão intimamente ligadas ao Dia da Expiação, como a que o precedia em dez dias e a que o sucedia, cinco dias depois, encontram-se especificamente registradas, repetidas vezes.32 Seria um sofisma argumentar, com base no silêncio a respeito do Dia da Expiação, havendo tantas situações em que a menção a ele seria praticamente exigida, que o dia nunca foi observado; de qualquer forma, esse argumento seria melhor do que o do silêncio sobre o sábado no livro de Gênesis, apresentado contra a sua observância. HS 24.1

A contagem do tempo por semanas não deriva de nada na natureza, mas deve sua existência à ordem divina sobre o sétimo dia para que fosse usado de maneira santa, em memória do descanso do Senhor de Seus seis dias de trabalho na criação.33 Esse período de tempo é marcado pela recorrência do dia de descanso santificado pelo Criador. Vários textos deixam claro que os patriarcas contavam o tempo em semanas e agrupamentos de sete dias.34 Não é provável concluir que eles tenham mantido a semana e esquecido o sábado, que é o único fator pelo qual a semana é marcada. O fato de a contagem das semanas ter sido conservada corretamente fica claro no episódio do deserto de Sim, quando o povo, de comum acordo, recolheu porção dobrada do Maná no sexto dia. E Moisés lhes disse: “Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor”.35 HS 24.2

A brevidade do registro de Gênesis nos faz deixar de lado muitos fatos profundamente interessantes. Adão viveu 930 anos. Certamente, o fato de a família humana ter podido ver o primeiro homem, deve ter despertado, em todos, um interesse muito profundo e envolvente! Conversar com aquele que havia falado com o próprio Deus! Ouvir de seus lábios a descrição do paraíso no qual vivera! Aprender com aquele ser, criado no sexto dia, sobre os maravilhosos acontecimentos da semana da criação! Escutar de seus lábios as palavras do próprio Criador ao separar Seu dia de descanso para uso santo! E, infelizmente, familiarizar-se também com a triste história da perda do paraíso e da árvore da vida!36 HS 24.3

Assim, não foi difícil divulgar os fatos acerca dos seis dias da criação e da santificação do dia de descanso entre a humanidade na era patriarcal. Pelo contrário, era impossível que fosse de outro modo, sobretudo entre os fiéis. De Adão a Abraão, uma sucessão de homens – provavelmente inspirados por Deus – preservou o conhecimento de Deus sobre a Terra. Adão viveu até Lameque, pai de Noé, ter 56 anos de idade; Lameque viveu até Sem, filho de Noé, ter 93; Sem viveu até Abraão ter 150 anos de idade. Assim chegamos até Abraão, o pai da fé. A Bíblia diz que ele obedecia à voz de Deus e cumpria Suas ordens, Seus mandamentos, Seus estatutos e Suas leis. A seu respeito, o Altíssimo deu o seguinte testemunho: “Porque Eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor e pratiquem a justiça e o juízo”.37 O conhecimento de Deus foi preservado na família de Abraão; e descobriremos a seguir que o sábado era mencionado com familiaridade por sua descendência, como uma instituição existente. HS 25.1