Testemunhos para a Igreja 2
Capítulo 79 — Transferindo tesouros terrenos
Prezado irmão N:
Fiquei muito preocupada com seu caso, desde que nos encontramos na campal de Tipton. Eu quase não podia deixar de me dirigir a você pessoalmente, enquanto falava ao povo sobre as palavras de Cristo: “Não ajunteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no Céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam, nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.” Mateus 6:19-21. T2 678.1
Lembro-me de sua fisionomia como alguém que me foi mostrado em visão algum tempo atrás. Julgava ser seu dever pregar a palavra a outros, mas seu exemplo atual impediria as pessoas de aceitarem a verdade, muito mais do que convertê-las. Professa crer na mais solene e decisiva mensagem, todavia, sua fé não é sustentada por obras. Você tem a verdade em teoria, mas não foi convertido por ela. A verdade não tomou plena posse de seu coração nem foi aplicada à vida diária. T2 678.2
Você necessita converter-se, transformar-se pela renovação da mente. Romanos 12:2. Quando a verdade tomar posse de seu coração, realizará uma reforma na vida. O mundo descrente será então convencido de que há poder na verdade que realizou tão grande mudança em um homem tão amante do mundo quanto você. O irmão ama este mundo. Seus tesouros estão aqui e seu coração está neles. A menos que o poder da verdade aparte suas afeições do seu deus que é este mundo, você perecerá juntamente com seus tesouros. T2 678.3
Você tem pouca percepção do exaltado caráter da obra para estes últimos dias e não tem feito nenhum sacrifício pela verdade. Possui um espírito estreito e avarento, e tem fechado os olhos às necessidades dos carentes e aflitos. Sua compaixão não foi despertada para aliviar as necessidades dos oprimidos, nem tem o coração motivado a ajudar a causa de Deus com seus recursos, ou atender as necessidades dos sofredores. Seu coração está apegado aos tesouros terrenos. A menos que vença esse amor pelas coisas do mundo, você não terá lugar no reino do Céu. T2 678.4
O doutor da lei perguntou a Jesus o que devia fazer para herdar a vida eterna. Jesus referiu-lhe os mandamentos de Seu Pai, dizendo-lhe que a obediência a eles era necessária para a salvação. Cristo lhe disse que ele conhecia os mandamentos e que se lhes obedecesse, teria vida. Note sua resposta: “Mestre, tudo isso guardei desde a minha mocidade.” Marcos 10:20. Jesus contemplou esse enganado jovem com piedade e amor. Ele estava prestes a revelar-lhe que havia uma falha sua em guardar, de coração, os mandamentos, que tão confiantemente afirmava obedecer. Jesus lhe disse: “Falta-te uma coisa: vai, e vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no Céu; e vem e segue-Me.” Marcos 10:21. T2 679.1
Jesus chamou a atenção desse jovem diretamente para o defeito de seu caráter. E menciona Sua vida de abnegação e submissão. Ele havia deixado tudo pela salvação do homem, e solicitou ao jovem que viesse e imitasse Seu exemplo, assegurando-lhe que teria um tesouro no Céu. Porventura o coração do jovem saltou de alegria diante da afirmação de que teria um tesouro no Céu? Oh, não! Seus tesouros terrestres eram seu ídolo; eles eclipsavam o valor da herança eterna. Ele se voltou da cruz, da vida de auto-sacrifício do Redentor, para este mundo. Tinha um hesitante desejo pela herança eterna, todavia, relutantemente voltou-lhe as costas. Foi uma luta decidir o que escolher, mas finalmente optou em continuar amando seus tesouros terrestres. T2 679.2
Esse jovem tinha muitos bens e seu coração estava neles. Ele não podia consentir em transferir seus tesouros para o Céu, afastando deles as afeições, usando-os para fazer o bem — ajudando as viúvas e os órfãos, e assim se tornando rico em boas obras. O amor desse jovem pelas riquezas era muito mais forte que seu amor pelos semelhantes e pela herança imortal. A escolha foi feita. O incentivo feito por Cristo, de assegurar um tesouro no Céu, foi rejeitado, pois o jovem não concordou em cumprir as condições. O poder de suas afeições pelas riquezas terrenas triunfou e o Céu, com toda a sua atraente glória, foi sacrificado pelos tesouros do mundo. O jovem retirou-se triste, pois queria ambos os mundos, mas ele sacrificou o celeste pelo terreno. T2 680.1
Poucos compreendem a força de seu amor às riquezas, até que venham provações sobre eles. Muitos que professam ser seguidores de Cristo mostram então que não estão preparados para o Céu. Suas obras testificam que amam mais as riquezas do que o próximo ou a Deus. Como o jovem rico, perguntam pelo caminho da vida, mas quando a senda lhes é apontada, o custo avaliado, e se convencem de que precisam sacrificar suas riquezas terrenas e se tornarem ricos em boas obras, decidem que o Céu é demasiado caro. Quanto maiores os tesouros acumulados na Terra, mais difícil é para o possuidor compreender que eles não são seus, mas emprestados para serem usados para a glória de Deus. T2 680.2
Jesus aproveitou a oportunidade para dar a Seus discípulos uma impressiva lição: “Disse, então, Jesus aos Seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos Céus. ... É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.” Mateus 19:23, 24. T2 680.3
Eis aí a força das riquezas. O poder do amor às riquezas sobre a mente humana é quase paralisante. A fortuna cega a muitos e os faz agir como se estivessem desprovidos da razão. Quanto mais possuem deste mundo, mais desejam. Seus temores de futuras necessidades aumentam com as riquezas. Têm a tendência de acumular recursos para o futuro. São mesquinhos e egoístas, temendo que Deus não lhes supra as necessidades vindouras. Tais pessoas são realmente pobres para com Deus. Como suas riquezas têm aumentado, põem a confiança nelas, e não têm fé em Deus e em Suas promessas. T2 680.4
O homem pobre que tem fé e confiança em Deus, que confia em Seu amor e cuidado, e que é rico em boas obras, usando prudentemente o pouco que possui em abençoar a outros, é rico para com Deus. Sente que seu semelhante tem reivindicações sobre ele, as quais não pode desrespeitar sem desobedecer o mandamento de Deus, “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Mateus 22:39. O pobre que é rico diante de Deus considera de maior importância a salvação dos semelhantes do que todo o ouro e a prata deste mundo. T2 681.1
Cristo aponta o caminho no qual aqueles que têm riquezas mundanas e, todavia, não são ricos para com Deus, podem assegurar verdadeiras riquezas. Ele diz: “Vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no Céu.” Mateus 19:21. O remédio que Ele propõe ao rico é uma transferência das afeições das riquezas terrenas para a herança imortal. Pelo investimento de recursos na causa de Deus, para ajudar na salvação de almas e abençoar os necessitados, podem tornar-se ricos em boas obras e entesourar “para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a vida eterna”. 1 Timóteo 6:19. Este se comprovará um investimento seguro. Mas muitos mostram por suas obras que não ousam confiar no banco celestial. Escolhem confiar seus recursos à Terra em vez de enviá-los ao Céu, para que seu coração possa estar no tesouro celestial. T2 681.2
Meu irmão, você tem diante de si uma obra a fazer: empenhar-se em vencer a cobiça e o amor das riquezas mundanas, e especialmente a confiança própria, porque tem tido evidente sucesso em acumular as coisas deste mundo. Pobres homens ricos, professando servir a Deus, são dignos de piedade. Enquanto professam conhecer ao Senhor, eles O negam em suas obras. Quão grandes são suas trevas! Mateus 6:23. Afirmam ter fé na verdade, mas suas obras não correspondem a sua religião. O amor às riquezas os torna egoístas, exigentes e arrogantes. Riqueza é poder, e freqüentemente o amor a ela corrompe e neutraliza tudo o que é nobre e divino no ser humano. T2 681.3
As riquezas trazem consigo grandes responsabilidades. Obtê-las mediante comércio injusto, ludibriando nos negócios, oprimindo as viúvas e os órfãos, ou acumulando bens e negligenciando as necessidades dos pobres, trarão finalmente a justa retribuição descrita pelo inspirado apóstolo: “Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai por vossas misérias, que sobre vós hão de vir. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas da traça. O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e comerá como fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias. Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras e que por vós foi diminuído clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos.” Tiago 5:1-4. T2 682.1
Os mais humildes e pobres dos verdadeiros discípulos de Cristo, que são ricos em boas obras, são mais abençoados e mais preciosos à vista de Deus do que os homens que se gloriam de suas grandes riquezas. Eles são mais honrados nas cortes celestiais do que os mais exaltados reis e nobres que não são ricos para com Deus. T2 682.2
O apóstolo Paulo exortou a Timóteo a advertir os ricos: “Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos; que façam o bem, enriqueçam em boas obras, repartam de boa mente e sejam comunicáveis; que entesourem para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a vida eterna.” 1 Timóteo 6:17-19. Essa admoestação é aplicável a você, irmão N, e a muitos que professam crer na verdade para estes últimos dias. T2 682.3
Aqueles que acumulam recursos ou investem muito em terras, enquanto privam suas famílias dos confortos da vida, agem como insensatos. Esses não permitem que os de sua família usufruam as coisas que Deus ricamente lhes tem concedido. Apesar de possuírem grandes posses, suas famílias são freqüentemente compelidas a trabalhar além de suas forças, para economizar mais recursos a serem acumulados. Cérebro, ossos e músculos são sobrecarregados quase ao máximo a fim de acumularem recursos, e a religião e os deveres cristãos são menosprezados. Trabalho, trabalho, trabalho, é a ambição, desde o amanhecer até a noite. T2 683.1
Muitos não manifestam um sincero desejo de conhecer a vontade de Deus e compreender Seus reclamos sobre eles. Os que procuram ensinar a verdade a outros, não obedecem à Palavra de Deus. Quanto mais ensinadores desse tipo a causa de Deus tem, menos próspera ela será. T2 683.2
A maioria daqueles a quem o Senhor confiou riquezas não percebe que está trabalhando contra os próprios interesses eternos, por reter egoistamente suas riquezas. O apóstolo lhes mostra que se tornando ricos em boas obras, estão trabalhando para si mesmos. Estão depositando para si, acumulando no Céu um tesouro para a vida eterna. Ao distribuir para atender às necessidades da causa e ajudar os necessitados, estão fazendo fielmente a obra que Deus lhes designou, e um memorial de sua abnegação, generosidade e atos de amor será escrito no livro do Céu. Todo ato de justiça será imortalizado, embora aquele que o pratica não sinta que fez alguma coisa digna de nota. Se o andar diário daqueles que professam a verdade fosse uma cópia viva da vida de Cristo, a luz que deles brotaria conduziria outros ao Redentor. Apenas no Céu serão amplamente avaliados os benditos resultados de uma vida coerente, harmoniosa e piedosa em favor da salvação de outros. T2 683.3
Meu irmão, tem muito que fazer em sua família, para mostrar-lhe que a verdade fez uma boa obra por você, e exerceu uma suave, refinadora e transformadora influência em sua vida e caráter. Você professa crer que estamos vivendo nos últimos dias, e que estamos proclamando a decisiva mensagem de advertência ao mundo. Você demonstra isso por seus atos? Deus o está provando e revelará os verdadeiros sentimentos de seu coração. T2 684.1
O Senhor lhe confiou talentos de recursos para serem usados para o avanço de Sua causa, para beneficiar os necessitados e aliviar os desamparados. Você pode realizar muito maior extensão de bem com seus recursos, do que pregando mas retendo seus recursos. Tem posto os talentos de recursos nas mãos dos banqueiros, para que ao vir o Mestre e disser “presta contas da tua mordomia” (Lucas 16:2), você possa, sem constrangimento, apresentar-Lhe os talentos duplicados, capital e juros, porque não os acumulou, não os escondeu egoistamente na terra, mas os colocou em uso? Reveja a história de sua vida passada. Quantos foram abençoados com seus recursos? Quantos corações se tornaram agradecidos por sua liberalidade? Por favor, leia o capítulo 58 de Isaías. Soltou você as ligaduras da impiedade? Tem buscado desfazer as ataduras da servidão, deixado livres os oprimidos e despedaçado todo jugo? Tem repartido o seu pão com os famintos e recolhido em casa os pobres desabrigados, e vestido os nus? T2 684.2
Se tiver sido rico nessas boas obras, poderá reivindicar as promessas dadas nesse capítulo: “Então, romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante da tua face, e a glória do Senhor será a tua retaguarda. Então, clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e Ele dirá: Eis-me aqui.” Isaías 58:8, 9. “E, se abrires a tua alma ao faminto e fartares a alma aflita, então, a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia. E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares secos, e fortificará teus ossos; e serás como um jardim regado e como um manancial cujas águas nunca faltam.” Isaías 58:10, 11. Mas no momento você não tem direito a essas prometidas bênçãos, porque não se envolveu nessa obra. Reveja sua vida passada e considere quão destituída é ela de boas, nobres e generosas ações. Você tem falado acerca da verdade, mas não a tem vivido. Sua vida não tem sido elevada e santificada, mas caracterizada por egoísmo e mesquinhez. Serve a si mesmo com fidelidade. É alto tempo de haver uma mudança em sua conduta, e de trabalhar diligentemente para garantir um tesouro no Céu. T2 684.3
Houve grande perda, a qual nunca poderá ser recuperada. As oportunidades de fazer o bem não foram aproveitadas e sua infidelidade foi registrada nos livros celestiais. A vida de Cristo caracterizou-se por abnegação, sacrifício e benevolência desinteressada. Você não teve uma correta visão do preparo necessário para o reino de Deus. Suas idéias são, de modo geral, muito pobres. Falar é material barato; não custa muito. Obras, frutos, determinarão o caráter da árvore. Que frutos tem você produzido? O apóstolo Tiago adverte seus irmãos: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura, a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e lhes não derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?” Tiago 2:14-16. Seus bons desejos, meu irmão, não suprirão necessidades. As obras precisam testificar da sinceridade de sua compaixão e amor. Quantas vezes você tem posto em prática ao pé da letra esse texto bíblico? T2 685.1
Você se tem em alta conta, mas há uma obra que precisa fazer, e ninguém mais a pode fazer em seu lugar. Sua natureza precisa ser mudada; é necessária uma transformação de todo o ser. Você ama a verdade “de palavra”, não “por obra”. 1 João 3:18. Ama um pouco ao Senhor, porém, muito mais as riquezas. Dir-lhe-ia o Mestre, se o encontrasse agora: “Bem está, servo bom e fiel, ... entra no gozo [alegria] do teu Senhor”? Mateus 25:21. A que alegria o texto se refere? “O qual, pelo gozo que Lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-Se à destra do trono de Deus.” Hebreus 12:2. A alegria que estava proposta a Cristo foi a de ver pessoas redimidas pelo sacrifício de Sua glória, Sua honra, Suas riquezas, e a própria vida. A salvação do homem, eis Sua alegria. Quando todos os remidos se reunirem no reino de Deus, “o trabalho da Sua alma Ele verá e ficará satisfeito”. Isaías 53:11. T2 686.1
Aqueles que são coobreiros de Cristo, participantes com Ele de Sua abnegação e sacrifício, podem ser instrumentos em trazer-Lhe almas, e podem vê-las salvas, eternamente salvas, para louvar a Deus e ao Cordeiro que as redimiu. T2 686.2
Pleasanton, Kansas T2 686.3
15 de Outubro de 1870 T2 686.4