Testemunhos para a Igreja 3

88/94

Capítulo 47 — O dever do homem para com seus semelhantes

Foram-me mostradas algumas coisas com relação à família do irmão I que me impressionaram tão fortemente desde que vim para este lugar que eu me aventuro a expô-las. Foi-me mostrado, irmão I, que existe em sua família um elemento de egoísmo que se apega a você como a lepra. Este egoísmo deve ser visto e vencido, pois é um pecado grave à vista de Deus. Como família vocês têm há tanto tempo consultado os próprios desejos, prazer e conveniência, que não percebem que outros têm direitos sobre vocês. Seus pensamentos, planos e esforços são para si mesmos. Vivem para si; não cultivam benevolência desinteressada, a qual, se fosse exercida, cresceria e se fortaleceria até ser um deleite viver para o bem de outros. Sentiriam que têm um objetivo na vida, um propósito que lhes traria recompensa de maior valor do que dinheiro. Vocês necessitam ter interesse mais específico pelos seres humanos, e assim fazendo levariam o coração a um relacionamento mais íntimo com Cristo e estariam imbuídos do Seu Espírito e se apegariam a Ele com uma tenacidade tão firme que nada os separaria de Seu amor. T3 521.2

Cristo é a Videira viva; e se vocês são ramos dessa Videira, o alimento vital que flui através dela os nutrirá, de modo que não serão estéreis ou infrutíferos. Vocês têm, como família e como indivíduos, se ligado professamente com o serviço de Cristo; e contudo são pesados nas balanças do santuário e achados em falta. Todos vocês precisam passar por uma transformação completa antes de poderem fazer aquilo que cristãos desprendidos e devotos devem fazer. Nada a não ser conversão cabal pode lhes dar uma percepção correta de seus defeitos de caráter. Todos vocês têm em grande medida o espírito e amor do mundo. Diz o apóstolo João: “Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.” 1 João 2:15. Seu espírito egoísta lhes confina e atrofia a mente para os próprios interesses. Vocês precisam “da religião pura e imaculada”. Tiago 1:27. A simplicidade da verdade os levará a sentir compaixão pelas misérias dos outros. Há pessoas que precisam de sua simpatia e amor. Exercitar estes traços de caráter é uma parte do trabalho que Cristo nos deu a todos para fazer. T3 522.1

Deus não os desculpará de não tomar a cruz e praticar abnegação fazendo o bem a outros com motivos desinteressados. Se vocês se derem ao trabalho de exercer a abnegação requerida dos cristãos, podem, pela graça de Deus, ser qualificados a ganhar almas para Cristo. Deus tem reivindicações sobre vocês as quais nunca atenderam. Há muitos ao nosso redor que têm fome de simpatia e amor. Mas, como muitos outros, vocês têm sido quase destituídos daquele amor humilde que naturalmente flui em compaixão e simpatia para com os pobres, os sofredores e os necessitados. O próprio semblante humano é um espelho da mente, lido por outros, e tem influência marcante sobre eles para o bem ou para o mal. Deus não ordena a nenhum de nós vigiar nossos irmãos e nos arrepender de seus pecados. Ele nos deixou um trabalho, e nos ordena fazê-lo resolutamente, no Seu temor, tendo somente Sua glória em vista. T3 522.2

Cada um, quer seja fiel ou não, precisará prestar contas a Deus por si mesmo, não pelos outros. Ver faltas em outros crentes e condenar sua conduta não desculpará ou compensará um de nossos erros. Não devíamos fazer de outros nosso critério nem desculpar algo em nossa conduta porque outros cometeram erro. Deus nos deu consciência para nós mesmos. Grandes princípios são prescritos em Sua Palavra, que são suficientes para nos conduzir em nossa caminhada cristã e comportamento geral. Vocês, meus queridos amigos, como uma família não têm mantido os princípios da lei de Deus. Nunca sentiram a responsabilidade do dever que recai sobre o ser humano para com seus semelhantes. T3 523.1

“E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-O e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? E Ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo? E, respondendo Jesus, disse: T3 523.2

“Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E, de igual modo, também um levita, chegando àquele lugar e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano que ia de viagem chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, aplicando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele; e, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu to pagarei, quando voltar. Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai e faze da mesma maneira.” Lucas 10:25-37. T3 523.3

As condições de herança da vida eterna são claramente afirmadas por nosso Salvador da maneira mais simples. O homem que fora ferido e roubado representa aqueles que dependem de nosso interesse, simpatia e caridade. Se negligenciarmos a causa dos necessitados e desafortunados que nos vem ao conhecimento, não importa quem sejam eles, não temos a garantia de vida eterna, pois não estaremos correspondendo aos deveres que Deus sobre nós impõe. Não nos compadecemos ou nos apiedamos da humanidade porque podem não ser de nossa parentela. Vocês têm sido achados transgressores do segundo grande mandamento, do qual dependem os últimos seis. Qualquer que transgredir “em um só ponto, se torna culpado de todos”. Tiago 2:10. Aqueles que não abrem o coração às necessidades e sofrimentos da humanidade também não abrirão o coração às reivindicações de Deus declaradas nos primeiros quatro preceitos do decálogo. Os ídolos pedem o coração e as afeições, e Deus não é honrado e não reina supremo. T3 524.1

Vocês, como família, têm fracassado lamentavelmente. Não são, no mais estrito sentido, guardadores dos mandamentos. Podem ser bem exatos em algumas coisas, e contudo negligenciar as coisas de mais peso — juízo, misericórdia e o amor a Deus. Embora os costumes do mundo não sejam um critério para nós, contudo me tem sido mostrado que a simpatia compassiva e a benevolência do mundo pelos desafortunados em muitos casos envergonham os professos seguidores de Cristo. Muitos manifestam indiferença para com aqueles que Deus colocou entre eles com o fim de testá-los e prová-los e de revelar o que está em seu coração. Deus lê. Ele nota cada ato de egoísmo, todo ato de indiferença para com os aflitos, as viúvas e os órfãos; e Ele escreve ao lado de seus nomes: “Culpados, faltosos, transgressores da lei.” Seremos galardoados segundo nossas obras. Toda negligência do dever para com os necessitados e para com os aflitos é uma negligência do dever para com Cristo na pessoa de seus santos. T3 524.2

Quando, perante Deus, o caso de todos for passado em revista, não será feita a pergunta: Que professavam eles? Mas: Que fizeram? Foram praticantes da Palavra? Viveram para si próprios, ou praticaram obra de beneficência, mediante atos de bondade e amor, preferindo os demais a si próprios, e negando a si mesmos a fim de poderem abençoar outros? Se o relatório mostra haver sido essa a sua vida, e que seu caráter foi assinalado pela ternura, abnegação e beneficência, receberão a bendita certeza, e a bênção de Cristo: “Bem está.” “Vinde, benditos de Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.” Mateus 25:23, 34. Cristo foi maltratado e ferido pelo seu assinalado amor egoísta, e sua indiferença para com os sofrimentos e necessidades dos outros. T3 525.1

Muitas vezes nossos esforços por outros podem ser desconsiderados e aparentemente perdidos. Mas isto não deve constituir-se motivo para nos mostrarmos cansados de fazer o bem. Quantas vezes não tem vindo Jesus procurar frutos nas plantas do Seu cuidado, e não tem encontrado senão folhas! Podemos ficar desapontados quanto aos resultados dos nossos melhores esforços, mas isto não nos deve levar ao indiferentismo para com os ais alheios e a nada fazer. “Amaldiçoai a Meroz, diz o Anjo do Senhor; acre-mente amaldiçoai os seus moradores, porquanto não vieram em socorro do Senhor, em socorro do Senhor, com os valorosos.” Juízes 5:23. Quantas vezes Cristo é desapontado naqueles que professam ser Seus filhos! Ele lhes deu evidências inconfundíveis de Seu amor. Tornou-Se pobre, para que por Sua pobreza nos tornássemos ricos. 2 Coríntios 8:9. Morreu por nós, para que não perecêssemos, mas tivéssemos a vida eterna. João 3:16. Que tal se Cristo tivesse Se recusado a levar nossa iniqüidade porque foi rejeitado por muitos e porque tão poucos apreciaram Seu amor e as bênçãos infinitas que Ele veio trazer-lhes? Necessitamos encorajar esforços pacientes e penosos. Precisa-se agora coragem, não desânimo ocioso e mal-humorada murmuração. Estamos neste mundo para trabalhar para nosso Mestre e não para cuidar de nossa inclinação ou prazer, para servir e glorificar a nós mesmos. Por que, então, devíamos estar inativos e desanimados por não vermos os resultados imediatos que desejamos? T3 525.2

Nosso trabalho é labutar na vinha do Senhor, não meramente para nós mesmos, mas para o bem de outros. Nossa influência é uma bênção ou uma maldição para outros. Estamos aqui para formar caráter perfeito para o Céu. Temos algo a fazer além de nos queixar e murmurar das providências de Deus, e de escrever coisas amargas contra nós mesmos. Nosso adversário não nos permitirá descansar. Se somos de fato filhos de Deus seremos atormentados e assediados severamente, e não devemos esperar que Satanás ou aqueles sob sua influência nos tratarão com bondade. Mas há anjos que excedem em poder que estarão conosco em todos os nossos conflitos se tão-somente formos fiéis. Cristo venceu a Satanás por nós no deserto da tentação. Ele é mais poderoso do que Satanás, e Ele em breve o esmagará sob nossos pés. T3 526.1

Vocês, como uma família e como indivíduos, têm-se desculpado de serviço sério e ativo na causa de seu Mestre. Vocês têm sido indolentes demais e têm deixado que outros levem muitos dos mais pesados fardos que vocês podiam e deviam ter levado. Sua força e bênção espirituais serão proporcionais ao trabalho de amor e às boas obras que vocês efetuam. A instrução do apóstolo Paulo é: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo.” Gálatas 6:2. Guardar os mandamentos de Deus requer de nós boas obras, abnegação, sacrifício próprio e dedicação para o bem de outros; não que nossas boas obras por si possam nos salvar, mas porque certamente não podemos ser salvos sem boas obras. Depois de fazermos tudo que somos capazes de fazer, devemos então dizer: Não fizemos mais do que nosso dever, e na melhor das hipóteses somos servos inúteis, indignos do menor favor de Deus. Cristo deve ser nossa justiça e a coroa de nosso regozijo. T3 526.2

Justiça própria e segurança carnal os têm cercado como uma muralha. Como família, vocês possuem um espírito de independência e orgulho. Este elemento os separa de Deus. É uma falta, um defeito que precisa ser visto e vencido. É quase impossível para vocês verem seus erros e faltas. Vocês têm uma opinião demasiado boa de si mesmos, e lhes é difícil ver e remover por confissão os erros em sua vida. Inclinam-se a justificar e defender sua conduta em quase tudo, quer seja certa ou errada. Enquanto não for demasiado tarde para corrigir os erros, entreguem o coração a Jesus através de humilhação e súplica, e procurem conhecer a si mesmos. Vão se perder a menos que despertem e trabalhem com Cristo. Vocês se encerram numa armadura fria, sem sentimento e sem compaixão. Há pouca vida e calor em seu relacionamento com outros. Vivem para si e não para Cristo. São descuidados e indiferentes às necessidades e condições de outros menos afortunados do que vocês. A todo seu redor há pessoas desoladas que anelam por amor expresso em palavras e ações. Amigável simpatia e sentimentos verdadeiros de terno interesse pelos outros trariam a seu coração bênçãos que vocês nunca experimentaram e os levariam a um íntimo relacionamento com nosso Redentor, cuja vinda ao mundo foi com o fim de fazer o bem e cuja vida devemos imitar. Que estão vocês fazendo por Cristo? “Porfiai por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão.” Lucas 13:24. T3 526.3