Testemunhos para a Igreja 1

5/123

Capítulo 3 — Sentimentos de desespero

Em Junho de 1842, o Sr. Miller fez a sua segunda série de conferências em Portland. Considerei grande privilégio haver assistido a essas conferências, pois eu caíra em desânimo e não me sentia preparada para encontrar-me com meu Salvador. Essa segunda série criou na cidade muito mais agitação do que a primeira. Com poucas exceções, as várias denominações fecharam as portas de suas igrejas ao Sr. Miller. Muitos pregadores, nos vários púlpitos, procuravam expor os pretensos erros fanáticos do conferencista; mas multidões de ouvintes ansiosos assistiam a suas reuniões, e, por falta de lugar, muitos ficavam sem poder entrar. T1 21.1

A congregação ficava silenciosa e atenta, contrariamente ao seu hábito. O estilo de pregar do Sr. Miller não era floreado nem retórico. Ele apresentava fatos claros e surpreendentes que arrancavam os ouvintes de sua despreocupada indiferença. No decorrer da pregação, confirmava suas declarações e teorias com provas das Escrituras. Acompanhava suas palavras um poder convincente que parecia assinalá-las como a linguagem da verdade. T1 21.2

Ele era cortês e simpático. Quando todos os assentos na casa estavam ocupados, e a plataforma e lugares em redor do púlpito pareciam literalmente cheios, eu o via sair do púlpito, descer à nave e tomar pela mão algum idoso ou idosa e achar-lhes um assento, voltando então e reatando o fio do seu discurso. Era, na verdade, justamente chamado “Pai Miller”; pois exercia cuidado vigilante sobre os que estavam sob o seu ministério. Era afetuoso em seu modo de agir, dotado de disposição jovial e coração terno. T1 21.3

Como orador era interessante, e suas exortações tanto a cristãos professos como aos impenitentes eram apropriadas e poderosas. Algumas vezes, uma solenidade tão assinalada, a ponto de ser comovente, apoderava-se de suas reuniões. Muitos se rendiam à convicção do Espírito de Deus. Homens de cabelos grisalhos e senhoras idosas procuravam com passos trêmulos o lugar dos que desejavam auxílio espiritual especial; aqueles que se achavam na força da idade madura, os jovens e crianças, eram profundamente abalados. Gemidos e vozes de choro e de louvor misturavam-se no período da oração. T1 22.1

Cri nas solenes palavras proferidas pelo servo de Deus, e doía-me o coração quando eram combatidas ou delas se zombava. Eu assistia freqüentemente às reuniões e cria que Jesus devia logo vir nas nuvens do céu; o que me preocupava, porém, era estar ponta para O encontrar. Eu pensava constantemente no assunto da santidade do coração. Acima de todas as coisas anelava obter essa grande bênção, e crer que eu era inteiramente aceita por Deus. T1 22.2

Ouvi muito a respeito da santificação entre os metodistas. Vi muitas pessoas perderem sua força física sob a influência de forte agitação mental, e ouvi falar que isso era positiva evidência de santificação. Mas, não pude compreender o que era necessário para ser plenamente consagrada a Deus. Meus amigos cristãos diziam-me: “Creia em Jesus agora! Creia que Ele a aceita agora.” Tentei fazer como me disseram, mas descobri ser impossível acreditar que eu recebera a bênção, a qual, eu julgava, deveria eletrizar todo o meu ser. Admirei-me de minha própria dureza de coração, ao ser incapaz de experimentar a exaltação de espírito que outros haviam manifestado. Parecia-me que eu era diferente deles, e para sempre impedida de fruir a perfeita alegria da santidade de coração. T1 22.3

Minhas idéias a respeito da justificação e santificação eram confusas. Esses dois estados foram-me apresentados como sendo separados e distintos um do outro. Não pude compreender a diferença ou o significado dos termos, e todas as explicações dos pregadores aumentavam minhas dificuldades. Era incapaz de reivindicar a bênção para mim mesma e desejava saber se isso devia ser achado apenas entre os metodistas; e se, ao assistir às reuniões adventistas eu não estava me separando do que eu mais desejava, o santificador Espírito de Deus. T1 23.1

Observei ainda que alguns que se diziam santificados, manifestavam um espírito amargurado quando o assunto da breve volta de Jesus era apresentado. Isso não me parecia uma manifestação da santidade que professavam. Eu não compreendia por que os pastores, do púlpito, se opunham à doutrina da proximidade da segunda vinda de Cristo. Uma reforma se seguira a essa pregação, e muitos dos mais dedicados pastores e leigos haviam-na recebido como verdade. Eu tinha a impressão de que os que amavam sinceramente a Jesus deviam estar prontos para aceitar as boas novas de Seu retorno e rejubilar-se com sua proximidade. T1 23.2

Senti que apenas poderia reivindicar aquilo que eles chamavam de justificação. Li nas Escrituras que sem a santificação nenhum homem poderia ver a Deus. Nesse caso, havia alguma elevada consecução que eu deveria alcançar antes de estar segura da vida eterna. Estudei o assunto diligentemente, pois cria que Cristo estava prestes a vir e eu temia que Ele me achasse despreparada para encontrá-Lo. Palavras de condenação ressoavam dia e noite em meus ouvidos, e meu constante clamor a Deus era: “Que é necessário que eu faça para me salvar?” Atos dos Apóstolos 16:30. T1 23.3

Em minha mente, a justiça de Deus eclipsava Sua misericórdia e amor. Eu havia sido ensinada a crer num inferno continuamente a arder, e o aterrorizante pensamento que estava sempre diante de mim era que meus pecados eram tão grandes para serem perdoados, e que eu estava perdida para sempre. As assustadoras descrições que eu ouvira sobre os perdidos, marcaram-me profundamente. No púlpito, os pastores pintavam quadros vívidos da condição dos perdidos. Eles ensinavam que Deus não Se propôs salvar a ninguém, senão os santificados. Os olhos de Deus estavam sempre sobre nós; cada pecado era registrado e receberia sua justa punição. O próprio Deus mantinha os livros com a exatidão de Sua infinita sabedoria, e cada pecado que cometemos era fielmente anotado contra nós. T1 23.4

Satanás era representado como ávido por apoderar-se das presas e lançá-las na mais profunda angústia, exultando sobre seus sofrimentos nos horrores de um inferno eternamente a queimar, onde, depois de torturá-las por milhares e milhares de anos, vagas ardentes levariam à superfície contorcidas vítimas, que gritariam: “Até quando, Senhor, até quando?” Então, a resposta trovejaria no abismo: “Por toda a eternidade!” Novamente, as ondas fundidas engolfariam os perdidos, lançando-os nas profundidades do tormentoso mar de fogo. T1 24.1

Enquanto ouvia essas terríveis descrições, minha imaginação foi tão afetada que comecei a transpirar, e me foi difícil conter um grito de angústia, pois parecia-me já estar sentindo os tormentos da perdição. Nesse momento, o pastor começou a falar sobre a incerteza da vida. Num momento podemos estar aqui, e no inferno, no próximo; ou, num instante, sobre a Terra e noutro, no Céu. Escolheremos o lago de fogo e a companhia de demônios, ou, as alegrias do Céu com os anjos como nossos companheiros? Ouviremos vozes de lamento e a maldição dos perdidos por toda a eternidade, ou cantaremos louvores a Jesus diante do trono? T1 24.2

Nosso Pai celestial foi-me apresentado como um tirano que Se deleitava nas agonias dos condenados, e não como o terno e compassivo Amigo dos pecadores; que ama Suas criaturas com amor que ultrapassa todo entendimento, e que deseja vê-los salvos em Seu reino. T1 24.3

Meus sentimentos estavam muito abalados. Eu receava causar dor a qualquer criatura vivente. Quando via animais maltratados, meu coração se condoía. Talvez minhas simpatias fossem mais facilmente despertadas pelo sofrimento, porque eu mesma havia sido vítima de impensada crueldade, que resultou num dano que obscureceu minha infância. Mas quando tomou posse de minha mente o pensamento de que Deus tinha prazer em torturar Suas criaturas, que haviam sido formadas à Sua imagem, uma cortina de trevas pareceu separar-me dEle. Quando pensava que o Criador do Universo lançaria os ímpios no inferno, para queimarem nas infindáveis eras eternas, meu coração curvou-se atemorizado e perdi a esperança de que tão cruel e tirânico ser consentiria em salvar-me da condenação do pecado. T1 25.1

Pensava eu que o destino do pecador condenado seria o mesmo para mim — sofrer eternamente nas chamas do inferno, enquanto Deus existisse. Essa impressão aprofundou-se em minha mente, a tal ponto que temi perder a razão. Eu observava os mudos animais com inveja, porque eles não tinham alma a ser punida após a morte. Muitas vezes tive o desejo de nunca ter nascido. T1 25.2

Escuridão total desceu sobre mim e pareceu-me não haver um caminho para fora dessas sombras. Pudesse a verdade, como agora a conheço, ser-me apresentada então, e muitas perplexidades e tristezas ter-me-iam sido poupadas. Se o amor de Deus houvesse sido mostrado mais demoradamente e menos Sua severa justiça, a beleza e a glória do caráter divino haveriam de inspirar-me com profundo e ardoroso amor por meu Criador. T1 25.3

Tenho pensado que muitos internados em asilos de loucos foram para ali levados por experiências semelhantes a minha própria. Sua consciência foi abalada por um senso de pecado, e sua tremente fé não ousava suplicar de Deus o prometido perdão. Ouviam as descrições do inferno ortodoxo até que parecia coagular o próprio sangue das veias, e imprimir com fogo uma impressão nas placas da memória. Andando ou dormindo, o terrível quadro estava sempre presente, até que a realidade se perdeu na imaginação, e eles só viam a rodeá-los as chamas de fabuloso inferno, e só ouviam os gritos dos condenados. A razão foi destronada, e o cérebro se encheu de confusa fantasia de um sonho terrível. Os que ensinam a teoria de um inferno perene fariam bem em cuidar com mais atenção de sua autoridade para manter crença tão cruel. T1 25.4

Até então, eu nunca orara em público, e tinha apenas falado algumas tímidas palavras na reunião de oração. Tive a impressão de que deveria buscar a Deus em oração, em nossas pequenas reuniões sociais. Isso não ousava fazer, receosa de me atrapalhar e não poder exprimir meus pensamentos. Impressionou-me, porém, tão fortemente o senso do dever que, quando tentei orar em particular, parecia que estava a gracejar com Deus, porque deixara de obedecer à Sua vontade. Venceu-me o desespero, e por três longas semanas nenhum raio de luz penetrou a escuridão que me rodeava. T1 26.1

Intensos eram os meus sofrimentos mentais. Algumas vezes, durante a noite toda, eu não ousava cerrar os olhos, mas esperava até que minha irmã gêmea dormisse profundamente; deixava então silenciosamente o leito e me ajoelhava no soalho, orando em silêncio, com uma agonia intensa que se não pode descrever. Os horrores de um inferno a arder eternamente estavam sempre diante de mim. Sabia que era impossível viver por muito tempo nesse estado, e não ousava morrer e enfrentar a terrível sorte do pecador. Com que inveja eu olhava àqueles que reconheciam a sua aceitação por parte de Deus! Quão preciosa parecia para meu coração agoniado a esperança cristã! T1 26.2

Freqüentemente, eu ficava prostrada em oração quase a noite toda, gemendo e tremendo, com angústia inexprimível e desespero indescritível. “Senhor, tem misericórdia!” era meu clamor, e semelhante ao pobre publicano eu não ousava levantar os olhos para o céu, mas curvava a fronte para o soalho. Fiquei muito magra e fraca, e não obstante ocultei meu sofrimento e desespero. T1 26.3

Enquanto me achava nesse estado de desânimo, tive um sonho que me produziu profunda impressão. Sonhei que via um templo em que muitas pessoas estavam se reunindo. Apenas os que se refugiassem naquele templo seriam salvos quando terminasse o tempo; todos os que ficassem fora estariam para sempre perdidos. A multidão que se achava fora e prosseguia com seus vários interesses, caçoava e ridicularizava os que estavam entrando no templo, e dizia-lhes que esse meio de segurança era um sagaz engano e que, de fato não havia perigo algum para se evitar. Chegaram a lançar mãos de alguns para impedir-lhes a entrada. T1 27.1

Receosa de ser escarnecida, achei melhor esperar até que a multidão se dispersasse ou até que eu pudesse entrar sem ser observada por eles. Mas o número aumentava em vez de diminuir e, receando ficar muito atrasada, saí apressadamente de casa e atravessei a multidão. Na minha ansiedade por atingir o templo, não notava a multidão que me cercava nem com ela me ocupava. Entrando no edifício, vi que o vasto templo era apoiado por uma imensa coluna, e a ela se achava amarrado um cordeiro todo ferido e ensangüentado. Nós que nos achávamos presentes parecíamos saber que esse cordeiro fora lacerado e ferido por nossa causa. Todos os que entravam no templo deveriam ir diante dele e confessar seus pecados. T1 27.2

Exatamente diante do cordeiro estavam assentos elevados, sobre os quais se sentava um grupo de pessoas que parecia muito feliz. A luz celeste parecia resplandecer-lhes no rosto, e louvavam a Deus e entoavam alegres cânticos de ação de graças que se assemelhavam à música dos anjos. Esses eram os que se haviam apresentado diante do Cordeiro, confessado seus pecados, recebido perdão, e agora, em alegre expectativa, aguardavam algum acontecimento feliz. T1 27.3

Mesmo depois que entrei no edifício, sobreveio-me um receio e uma sensação de vergonha de que eu devesse humilhar-me diante daquele povo. Mas eu parecia ser compelida a ir para a frente, e vagarosamente caminhei em redor da coluna a fim de defrontar-me com o cordeiro, quando uma trombeta soou, o templo foi abalado, brados de triunfo se levantaram dos santos reunidos, e um intenso brilho iluminou o edifício, então tudo passou a ser trevas intensas. Toda aquela gente feliz desaparecera com o brilho, e fui deixada só no silencioso terror da noite. Despertei em agonia de espírito, e não pude convencer-me de que estivera a sonhar. Parecia-me que minha sorte estava fixada; e que o Espírito do Senhor me havia abandonado para não mais voltar. T1 27.4

Logo depois disso, tive outro sonho. Parecia-me estar sentada em desespero aterrador, com as mãos no rosto, refletindo assim: Se Jesus estivesse na Terra, eu iria a Ele, e me lançaria a Seus pés, e Lhe contaria todos os meus sofrimentos. Ele não Se desviaria de mim; teria misericórdia, e eu O amaria e serviria sempre. Exatamente nesse momento se abriu a porta, e entrou uma pessoa de porte e semblante belos. Olhou para mim compassivamente e disse: “Você deseja ver a Jesus? Ele está aqui e você pode vê-Lo se desejar. Tome tudo que possui e siga-me.” T1 28.1

Ouvi isso com indizível alegria, e alegremente ajuntei todas as minhas pequenas posses, e toda bugiganga que como tesouro eu guardava, e segui a meu guia. Ele me conduziu a uma escada íngreme e aparentemente frágil. Começando a subir os degraus, aconselhou-me a conservar o olhar fixo para cima a fim de que não me atordoasse e caísse. Muitos outros que estavam fazendo essa íngreme ascensão caíam antes de alcançar o topo. T1 28.2

Finalmente atingimos o último degrau e paramos diante de uma porta. Ali, meu guia me informou que eu devia deixar todas as coisas que trouxera. Alegremente, eu as depus. Então, ele abriu a porta e me mandou entrar. Em um instante, achei-me diante de Jesus. Não havia dúvida quanto àquele belo semblante; aquela expressão de benevolência e majestade não poderia pertencer a nenhum outro. Quando Seu olhar pousou sobre mim, vi logo que Ele estava familiarizado com todas as circunstâncias de minha vida e todos os meus íntimos pensamentos e sentimentos. T1 28.3

Procurei fugir de Seu olhar, sentindo-me incapaz de suportá-lo por ser tão penetrante. Ele, porém, Se aproximou com um sorriso, e, pondo a mão sobre minha cabeça, disse: “Não tema.” O som de Sua doce voz agitou-me o coração com uma felicidade que nunca experimentara antes. Eu estava alegre demais para poder proferir uma palavra, e, vencida pela emoção, caí prostrada a Seus pés. Enquanto ali jazia inerte, cenas de beleza e glória passaram diante de mim, e parecia-me ter alcançado a segurança e paz do Céu. Finalmente, recuperei as forças e levantei-me. O olhar amorável de Jesus ainda estava sobre mim, e Seu sorriso enchia o meu coração de alegria. Sua presença despertou em mim santa reverência e amor inexprimível. T1 28.4

Meu guia abriu então a porta, e ambos saímos. Mandou que eu tomasse de novo todas as coisas que havia deixado fora. Isso feito, entregou-me um fio verde muito bem enovelado. Ele me disse que o colocasse perto do coração e, quando quisesse ver a Jesus, o tirasse do seio e o estirasse inteiramente. Preveniu-me de que o não deixasse ficar enrolado durante muito tempo, para que não se embaraçasse e fosse difícil desemaranhar. Coloquei o fio junto ao coração e, cheia de alegria, desci a estreita escada, louvando ao Senhor, e dizendo a todos com quem encontrei, onde poderiam achar Jesus. Este sonho deu-me esperança. O fio verde representava ao meu espírito a fé; e a beleza e simplicidade de confiar em Deus começaram a raiar em meu coração. T1 29.1

Agora, confiava todas as minhas tristezas e perplexidades a minha mãe. Ela me manifestava muita ternura e me animava, sugerindo-me que fosse aconselhar-me com o Pastor Stockman, que então pregava, em Portland, a doutrina do advento. Eu tinha grande confiança nele, pois era um dedicado servo de Cristo. Ouvindo minha história, pôs afetuosamente a mão sobre minha cabeça, dizendo com lágrimas nos olhos: “Ellen, você é tão criança! Sua experiência é muitíssimo singular, numa idade tenra como a sua. Jesus deve estar preparando você para algum trabalho especial.” T1 29.2

Disse-me então que, mesmo que eu fosse uma pessoa de idade madura, e me achasse assim perseguida pela dúvida e desespero, ele me diria saber existir esperança para mim, mediante o amor de Jesus. A própria agonia de espírito que eu sofrera era uma prova evidente de que o Espírito do Senhor estava contendendo comigo. Disse que quando o pecador se torna endurecido no mal, não compreende a enormidade de sua transgressão, mas lisonjeia-se de que age corretamente e sem nenhum perigo. O Espírito do Senhor deixa-o, e ele se torna descuidado e indiferente, ou despreocupadamente arrogante. Aquele bom homem falou-me acerca do amor de Deus a Seus filhos errantes; disse que em vez de Se alegrar em sua destruição, Ele almeja atraí-los a Si com fé e confiança singela. Ele se demorou a falar no grande amor de Cristo e no plano da redenção. T1 29.3

O Pastor Stockman falou-me da infelicidade que eu tivera, e disse que na verdade era uma aflição atroz; mas pediu-me que cresse que a mão de um Pai amante não fora retirada de sobre mim; que na vida futura, ao dissipar-se a névoa que ora me obscurecia o espírito, eu iria discernir a sabedoria da Providência que me parecia tão cruel e misteriosa. Jesus disse a um de Seus discípulos: “O que Eu faço, não o sabes tu, agora, mas tu o saberás depois.” João 13:7. No grande futuro, não mais veremos obscuramente, como por meio de um espelho, mas havemos de conhecer os mistérios do divino amor. T1 30.1

“Vai em paz, Ellen”, disse ele; “volte para a sua casa confiante em Jesus, pois Ele não retirará Seu amor de todo aquele que O busca verdadeiramente.” Então orou fervorosamente por mim, e parecia-me que Deus certamente ouviria a oração de Seu santo, mesmo que minhas humildes petições não fossem atendidas. Saí de sua presença confortada e animada. T1 30.2

Durante os poucos minutos que passei recebendo instrução do Pastor Stockman, obtive mais conhecimento sobre o assunto do amor de Deus e de Sua compassiva ternura, do que de todos os sermões e exortações que já ouvira. Voltei para casa e de novo me pus perante o Senhor, prometendo fazer tudo que Ele pudesse exigir de mim, se tão-somente o sorriso de Jesus me animasse o coração. Foi-me apresentado o mesmo dever que antes me perturbara o espírito — tomar a minha cruz entre o povo de Deus congregado. A oportunidade não tardou; naquela noite, houve uma reunião de oração à qual assisti. T1 30.3

Quando todos se ajoelharam para orar, prostrei-me com eles, trêmula. Depois de algumas pessoas haverem orado, alcei a voz em oração, antes que disso me apercebesse. Naquele instante, as promessas de Deus pareceram-me semelhantes a tantas pérolas preciosíssimas que deveriam ser recebidas apenas pelos que as pedissem. Enquanto orava, o peso e agonia de coração que havia tanto tempo eu suportava, deixaram-me, e a bênção do Senhor desceu sobre mim, semelhante a suave orvalho. Louvei a Deus de todo o meu coração. Tudo parecia excluído de mim, exceto Jesus e Sua glória, e perdi consciência do que se passava em redor. T1 31.1

O Espírito de Deus pousou sobre mim com tal poder que não pude ir para casa aquela noite. Quando voltei para casa, no dia seguinte, grande mudança ocorrera em meu espírito. Dificilmente parecia ser eu a mesma pessoa que deixara a casa de meu pai na noite anterior. Esta passagem estava continuamente em meu pensamento: “O Senhor é meu pastor; nada me faltará.” Salmos 23:1. Meu coração transbordava de felicidade, enquanto eu suavemente repetia essas palavras. T1 31.2

Minhas opiniões acerca do Pai estavam mudadas. Considerava-O agora um Pai bondoso e terno, ao invés de tirano severo que forçasse os homens a uma obediência cega. Meu coração deixava-se levar a Ele em amor profundo e fervoroso. A obediência à Sua vontade me parecia um prazer; era para mim uma alegria estar ao Seu serviço. Nenhuma sombra nublava a luz que me revelava a perfeita vontade de Deus. Experimentei a segurança de um Salvador que em mim habitava, e compreendi a verdade do que Cristo dissera: “Quem Me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” João 8:12. T1 31.3

Minha paz e felicidade estavam em tão assinalado contraste com minha tristeza e angústia anteriores que parecia como se eu houvesse sido libertada do inferno e transportada ao Céu. Podia até louvar a Deus pela desgraça que fora a provação de minha vida, pois se tornara o meio de fixar meus pensamentos na eternidade. De natureza orgulhosa e ambiciosa, eu poderia não ter-me inclinado a entregar o coração a Jesus, se não fosse a cruel aflição que me separara, de certa maneira, das glórias e vaidades do mundo. T1 31.4

Durante seis meses, nenhuma sombra me nublou o espírito, tampouco negligenciei um dever sequer que conhecesse. Todo o meu esforço visava a fazer a vontade de Deus e conservar Jesus e o Céu continuamente em vista. Estava surpresa e extasiada com as claras perspectivas que agora a mim se apresentavam do sacrifício expiatório e da obra de Cristo. Não mais tentei explicar minhas aflições de espírito; basta dizer que “as coisas velhas já passaram; ... tudo se fez novo”. 2 Coríntios 5:17. Não havia uma nuvem para empanar minha perfeita ventura. Eu aspirava contar a história do amor de Jesus, mas não sentia disposição para entreter conversação habitual com qualquer pessoa. Meu coração estava tão cheio de amor a Deus e daquela “paz... que excede todo o entendimento” (Filipenses 4:7) que eu me comprazia em meditar e orar. T1 32.1

Na noite seguinte àquela em que recebi tão grande bênção, assisti à reunião adventista. Quando chegou a hora para os seguidores de Cristo falarem a favor dEle, não pude ficar em silêncio, mas levantei-me e relatei a minha experiência. Nenhum pensamento me viera à mente quanto ao que deveria dizer; mas a singela história do amor de Jesus para comigo caiu-me dos lábios com perfeita liberdade, e meu coração estava tão feliz por ter-se libertado de seu cativeiro de negro desespero, que perdi de vista o povo em redor de mim e parecia-me estar sozinha com Deus. Não encontrei dificuldade em expressar minha paz e felicidade, a não ser nas lágrimas de gratidão que me embargavam a voz quando falei do prodigioso amor que Jesus havia demonstrado para comigo. T1 32.2

O Pastor Stockman estava presente. Ele me vira recentemente em profundo desespero e, ao constatar agora a notável mudança que se realizara em minha aparência e sentimentos, emocionou-se. Ele chorou em voz alta, alegrando-se comigo e louvando a Deus por essa prova de Sua terna misericórdia e amorável bondade. T1 32.3

Não muito tempo depois de receber esta grande bênção, assisti a uma assembléia da Igreja Cristã, que o Pastor Brown dirigia. Fui convidada a relatar minha experiência, e não somente senti grande liberdade de expressão, mas também felicidade em contar minha singela história do amor de Jesus e da alegria de ser aceita por Deus. Enquanto eu falava com coração submisso e olhos lacrimosos, parecia ter a mente atraída para o Céu em ações de graças. O poder sensibilizador do Senhor apossou-se do povo congregado. Muitos choravam e outros louvavam a Deus. T1 33.1

Os pecadores foram convidados a levantar-se para que se fizessem orações em seu favor, e muitos atenderam. Meu coração estava tão grato a Deus pela bênção que me concedera, que almejava que outros participassem dessa alegria santa. Interessei-me profundamente por aqueles que poderiam estar sofrendo sob a convicção do desagrado do Senhor e do fardo do pecado. Enquanto relatava minha experiência, pressenti que ninguém poderia resistir à evidência do amor perdoador de Deus que em mim realizara uma mudança tão maravilhosa. A realidade da verdadeira conversão parecia-me tão evidente que eu desejava ajudar minhas jovens amigas a virem para a luz, aproveitando cada oportunidade para exercer minha influência nesse sentido. T1 33.2

Providenciei reuniões com minhas jovens amigas, algumas das quais eram consideravelmente mais velhas do que eu; e outras, em menor número, casadas. Várias delas eram frívolas e desatenciosas; minha experiência soava-lhes aos ouvidos como uma história ociosa e não davam crédito às minhas exortações. Decidi, porém, que meus esforços não cessariam sem que essas queridas pessoas, por quem eu tinha tão grande interesse, se entregassem a Deus. Despendi várias noites em oração fervorosa por aquelas pessoas que eu buscara e reunira com o propósito de com elas trabalhar e orar. T1 33.3

Algumas delas se haviam reunido conosco pela curiosidade de ouvir o que eu tinha para dizer; outras me julgavam fora de mim, por eu ser tão persistente em meus esforços, especialmente quando não manifestavam interesse algum. Mas em cada uma das nossas pequenas reuniões, continuei a exortar e a orar em prol de cada uma separadamente até que todas se entregaram a Jesus, reconhecendo os méritos de Seu amor perdoador. Todas se converteram a Deus. T1 33.4

Noite após noite, em meus sonhos, eu parecia estar trabalhando pela salvação de seres humanos. Em tais ocasiões, eram-me apresentados ao espírito casos especiais; estes eu procurava mais tarde, orando com as pessoas envolvidas. Com exceção de uma, todas essas pessoas se entregaram ao Senhor. Alguns dos nossos irmãos mais formalistas temiam que eu fosse demasiado zelosa pela conversão das pessoas. Mas o tempo parecia-me tão curto que eu cria devessem todos, que possuíssem a esperança de uma bem-aventurada imortalidade e aguardassem a próxima vinda de Cristo, trabalhar sem cessar por aqueles que ainda estavam em pecados e se encontravam à beira de terrível ruína. T1 34.1

Conquanto fosse muito jovem, o plano da salvação era-me tão claro, e minha experiência pessoal tão assinalada que, considerando a questão, compreendi ser meu dever continuar meus esforços pela salvação de vidas preciosas, orar e confessar a Cristo em toda oportunidade. Todo o meu ser foi consagrado ao serviço de meu Mestre. Tomei a determinação de, acontecesse o que acontecesse, agradar a Deus e viver como alguém que esperava o Salvador voltar e recompensar os fiéis. Sentia-me semelhante a uma criancinha que se dirigisse a Deus como a seu pai, perguntando-Lhe o que queria que fizesse. Então, como me fosse explicado o meu dever, em cumpri-lo eu sentia a maior das felicidades. Provações peculiares algumas vezes me assediavam. Os mais experimentados do que eu, esforçavam-se por deter-me e diminuir o ardor de minha fé; mas, com sorrisos de Jesus a iluminar minha vida, e o amor de Deus no coração, prossegui em meu caminho com alegria. T1 34.2

Sempre que me recordo da experiência de minha infância, meu irmão, o confidente de minhas esperanças e temores, o sincero simpatizante de minha vida cristã, vêm-me à lembrança numa torrente de ternas memórias. Ele foi um daqueles a quem o pecado apresentou poucas tentações. Naturalmente consagrado, ele nunca procurou a amizade dos jovens e dissolutos, mas preferiu antes a companhia de cristãos, cuja conversação o instruísse nos caminhos da vida. Sua conduta prudente estava bem além do comportamento dos de sua idade; ele era gentil e pacífico, e sua mente estava quase que constantemente voltada para as coisas religiosas. Aqueles que o conheceram o apontavam como modelo à juventude, um exemplo vivo da graça e beleza do verdadeiro cristianismo. T1 34.3