O Sábado e o Domingo nos Primeiros Três Séculos: o Testemunho Completo dos Pais da Igreja

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Capítulo 1

Declaração Introdutória

Com relação ao sábado, o mundo religioso pode ser dividido em três classes: SDS 9.1

1. Aqueles que mantêm o antigo sábado do sétimo dia. SDS 9.2

2. Aqueles que observam o sábado do primeiro dia. SDS 9.3

3. Aqueles que negam a existência de qualquer sábado.1 SDS 9.4

É inevitável que haja controvérsia entre essas partes. Seu primeiro apelo é à Bíblia; e isso deveria decidir o caso, porque ela revela todo o dever do ser humano. Mas há um apelo da segunda parte, e às vezes da terceira, para outra autoridade, os primeiros pais da igreja, para a decisão da questão. SDS 9.5

A controvérsia permanece assim: a segunda e a terceira partes concordam com a primeira, de que Deus antigamente exigiu a observância do sétimo dia; mas ambas negam a doutrina da primeira, de que Ele ainda exige que os seres humanos santifiquem esse dia; a segunda, afirmando que Ele mudou o sábado para o primeiro dia da semana; e a terceira, declarando que Ele aboliu completamente a própria instituição em si. SDS 9.6

A primeira classe se apoia sobre a pura letra da lei de Deus e cita essas escrituras que ensinam sobre a perpetuidade e imutabilidade da lei moral e que mostram que a nova aliança não revoga essa lei, mas a coloca no coração de cada cristão. SDS 9.7

A segunda classe tenta provar a mudança do sábado citando aqueles textos que mencionam o primeiro dia da semana e também aqueles que indiretamente a ele se referem. O primeiro dia é, sob tal autoridade, chamado por essa classe de sábado cristão, e o quarto mandamento é usado por eles para impor esse novo sábado. SDS 10.1

A terceira classe adota os textos que sustentam a dissolução da antiga aliança; e aqueles que ensinam sobre a abolição da lei cerimonial com toda sua distinção de dias, como luas novas, dias de festas e sábados anuais; e também aqueles que declaram que o homem não pode ser justificado pela lei que condena o pecado; e a partir de todos eles, afirmam que a lei e o sábado estão ambos abolidos. SDS 10.2

Mas a primeira classe responde à segunda que os textos que eles apresentam não atendem ao caso, na medida em que não dizem nada a respeito da mudança do sábado; e que não é honesto utilizar o quarto mandamento para impor a observância de um dia não ordenado nele. E a terceira classe aceita essa resposta como verdadeira e justa. SDS 10.3

À posição da terceira classe, a primeira apresenta a seguinte resposta: Que a primeira aliança foi feita entre Deus e Seu povo concernente à Sua lei; que ela cessou porque o povo descumpriu as suas condições, a guarda dos mandamentos; que a nova aliança não revoga a lei de Deus, mas assegura obediência a ela, colocando-a no coração de cada cristão; que existem dois sistemas de lei, um sendo feito de preceitos típicos e cerimoniais, e o outro consistindo apenas de princípios morais; que os textos que falam da anulação da letra das ordenanças e da distinção de carnes, bebidas, e dias, pertencem somente àquele sistema de sombras, e jamais à lei moral que contém o sábado do Senhor; e que não é culpa da lei, mas dos pecadores, por serem condenados por ela; e que, sendo a justificação alcançada somente pelo sacrifício de Cristo como uma oferta pelo pecado, é em si a confirmação mais poderosa da perpetuidade, imutabilidade e perfeição dessa lei que revela o pecado. E essa resposta, a segunda classe aceita plenamente.2 SDS 10.4

Mas a segunda classe tem algo mais a dizer. De fato, a Bíblia falha em confirmar a mudança do sábado, mas essas pessoas têm algo a mais para oferecer, que em sua opinião, é tão bom quanto as Escrituras. Os primeiros pais da igreja, que conversaram com os apóstolos, ou que conversaram com pessoas que haviam conversado com eles, e aqueles que os acompanharam por várias gerações, são apresentados por essa classe como autoridade, e o seu testemunho é usado para estabelecer o suposto sábado cristão sobre uma base sólida. E isso é o que eles afirmam sobre os pais da igreja: que eles claramente ensinam a mudança do sábado, do sétimo para o primeiro dia da semana, e que o primeiro dia é, por autoridade divina, o sábado cristão. SDS 11.1

Mas a terceira classe diretamente nega essa declaração, e afirma que os pais defendiam o sábado como uma instituição feita para os judeus quando saíram do Egito, e que Cristo o aboliu na Sua morte. Eles também afirmam que os pais não consideravam o primeiro dia como um sábado no qual os homens não devem trabalhar para não transgredir um preceito divino, mas como uma instituição eclesiástica, à qual eles chamaram “dia do Senhor”, e que era o dia apropriado para as reuniões religiosas, porque o costume e a tradição assim concordavam. E assim, a terceira classe responde à segunda com uma negação explícita dos fatos por eles alegados. Eles também querem dar um golpe na primeira classe com a afirmação de que os primeiros pais ensinaram a doutrina do não-sábado, que deve, portanto, ser reconhecida como a doutrina real do Novo Testamento. SDS 11.2

E agora a primeira classe responde a essas conflitantes declarações da segunda e terceira classes. E aqui está a sua resposta: SDS 11.3

1. Que nosso dever em relação ao Sábado, e também a todas as outras coisas, só pode ser aprendido nas Escrituras. SDS 11.4

2. Que os primeiros três séculos depois dos apóstolos, quase completaram o desenvolvimento da grande apostasia, que havia começado desde os tempos de Paulo; e essa era de apostasia não pode ser uma boa autoridade para realizar mudanças na lei de Deus. SDS 12.1

3. Que apenas uma pequena parte dos ministros e instrutores dessa época transmitiram quaisquer escritos para os nossos tempos; e estes são geralmente fragmentos das obras originais que chegaram até nós principalmente pelas mãos dos romanos, que nunca hesitaram em destruir ou corromper aquilo que testemunhava contra si mesmos, sempre que estivesse em seu poder fazê-lo. SDS 12.2

4. Mas, visto que essas duas classes, isto é, aqueles que guardam o sábado do primeiro dia, e aqueles que negam a existência de qualquer sábado, ambas apelam ao testemunho desses pais para se sustentar, e para derrubar a primeira classe, ou seja, aqueles que santificam o antigo sábado, torna-se necessário que a verdade exata a respeito dos escritos daquela época, existentes hoje, seja mostrada. Existe apenas um método de fazer isso, que acabará efetivamente com a controvérsia. Isto é, apresentar a cada um dos seus testemunhos, nas suas próprias palavras, acerca do sábado e do primeiro dia. Ao se fazer isso, os seguintes fatos aparecerão: SDS 12.3

A. Que em alguns detalhes importantes, existe uma divergência marcante entre eles. Pois, enquanto alguns ensinam que o sábado foi originado na criação e deve ser santificado até hoje, outros afirmam que ele começou com a queda do maná, e terminou com a morte de Cristo. E enquanto uma classe apresenta Cristo como violador do sábado, outra classe apresenta-O divinamente santificando esse dia, e uma terceira classe declara que Ele certamente o violou, o que seguramente Ele nunca fez, mas sempre o observou! Alguns deles também afirmam que o sábado foi abolido, e em outros lugares afirmam positivamente que ele foi perpetuado e tornado mais sagrado do que antes. Além disso, alguns afirmam que os Dez Mandamentos foram completamente abolidos, enquanto outros declaram que eles foram perpetuados e são o teste do caráter cristão nessa dispensação. Alguns chamam o dia da ressurreição de Cristo de primeiro dia da semana; outros o chamam de dia do sol, e oitavo dia; e um número maior o chama de dia do Senhor, mas não há exemplos dessa aplicação até o fim do segundo século. Alguns impõe a observância tanto do sábado quanto do primeiro dia, enquanto outros consideram o sétimo dia desprezível. SDS 12.4

B. Mas, em várias questões de grande importância, há perfeita harmonia de pensamento. Eles sempre distinguem entre o sábado e o primeiro dia da semana. A mudança do sábado, do sétimo para o primeiro dia, não é jamais mencionada em um único caso sequer. Eles nunca chamam o primeiro dia de sábado cristão, nem o tratam como um sábado de qualquer espécie. Nem tampouco existe qualquer declaração, de nenhum deles, de que trabalhar no primeiro dia da semana é pecado; o máximo que pode ser encontrado foram uma ou duas expressões vagas, que não têm necessariamente tal sentido. SDS 13.1

C. Muitos dos pais da igreja chamam o primeiro dia da semana de dia do Senhor. Mas nenhum deles reivindica para tal ato qualquer autoridade das Escrituras, e alguns declaram expressamente que tal autoridade absolutamente não existe, mas que se baseia exclusivamente no costume e a tradição. SDS 13.2

D. Mas os escritos dos pais fornecem prova positiva de que o sábado era observado por uma parte considerável do corpo da igreja cristã até a época em que foram escritos por eles. Pois alguns deles ordenam expressamente a sua observância, e mesmo alguns dos que sustentam que ele foi abolido, falam de cristãos que o observavam, com os quais eles aceitariam comungar se os mesmos não tornassem isso um teste. SDS 13.3

E. E agora notem a obra da apostasia: Essa obra nunca começa por expulsar as instituições de Deus, mas sempre por introduzir as dos homens e a princípio pedindo apenas que sejam toleradas, enquanto as ordenadas por Deus são sagradamente observadas. Isso, no devido tempo, sendo efetuado, leva ao próximo passo que é torná-las iguais às divinas. Quando isso for realizado, a terceira etapa do processo é honrá-las acima daquelas ordenadas por Deus; e isso é rapidamente sucedido pela quarta, na qual a instituição divina é lançada para fora com desprezo, e todo o terreno é dado à sua rival humana. SDS 13.4

F. Antes que os três primeiros séculos expirassem, a apostasia em relação ao sábado havia, com muitos dos pais, avançado para a terceira etapa, e com um número considerável já havia adentrado na quarta. Pois aqueles pais que santificavam o sábado, geralmente o associavam à festa chamada por eles de dia do Senhor. E embora eles falem do sábado como uma instituição divina, e nunca falarem isso do suposto dia do Senhor, eles, no entanto, davam a honra maior a esta festa humana. A apostasia havia avançado tanto, antes do final do terceiro século, que apenas mais uma coisa era necessária para realizar a obra, no que diz respeito ao sábado, e isto era descartá-lo, e honrar somente a festa do domingo. Alguns dos pais já haviam chegado lá; e a obra se generalizou nos cinco séculos seguintes depois de Cristo. SDS 14.1

G. Os historiadores da igreja moderna fazem declarações muito conflitantes a respeito do sábado durante os primeiros séculos. Alguns passam por ele quase em silêncio, ou indicam que era, no máximo, observado apenas pelos cristãos judeus. Outros, no entanto, testemunham de sua observância generalizada pelos cristãos gentios; ainda assim, alguns deles afirmam que o sábado era observado por uma questão de conveniência, e não de obrigação moral, porque aqueles que o guardavam não acreditavam que os mandamentos fossem obrigatórios. (Esse é um grande erro, como se verá no devido tempo.) O que é dito, no entanto, por esses historiadores modernos, é comparativamente sem importância, uma vez que suas fontes de informação eram, necessariamente, os próprios escritos que estão prestes a ser citados. SDS 14.2

H. Nas páginas seguintes serão encontradas em suas próprias palavras cada uma das declarações que os pais dos três primeiros séculos fazem, definindo suas visões sobre o sábado e o primeiro dia. E mesmo quando eles fazem mera alusão a qualquer desses dias, ao falar de sua visão sobre outros assuntos, a natureza da alusão é declarada e, sempre que possível, a sentença ou frase que a contém é citada. Os diferentes escritos são citados na ordem em que provavelmente foram escritos. Um número considerável não foi escrito pelas pessoas a quem foram atribuídos, mas em uma data posterior. Como os mesmos foram amplamente citados pelos escritores do primeiro dia, eles são aqui apresentados na íntegra. E até mesmo esses escritos possuem um certo valor histórico. Pois, embora não tenham sido escritos pelas pessoas cujos nomes eles carregam, eles são conhecidos por existirem a partir do segundo ou terceiro século, e dão alguma ideia dos pontos de vista que prevaleciam então.3 SDS 14.3

Antes de tudo, vamos ouvir as assim chamadas Constituições Apostólicas. Elas não eram obra dos apóstolos, mas existiam já no terceiro século e, em geral, acreditava-se que expressavam as doutrinas dos apóstolos. Elas, portanto, fornecem um testemunho histórico importante quanto à prática da igreja naquele tempo. Mosheim, em seus Comentários Históricos, seção 51, fala assim dessas Constituições: SDS 15.1

O conteúdo dessa obra é inquestionavelmente antigo; uma vez que os costumes e a disciplina dos quais ela exibe um panorama, correspondem aos que predominavam entre os cristãos do segundo e terceiro séculos, sobretudo os que moravam na Grécia e nas regiões orientais. SDS 15.2

Acerca das Constituições Apostólicas, a História da Igreja, de Guericke, diz o seguinte: SDS 15.3

Esta é uma coleção de estatutos eclesiásticos que alegava ser obra da era apostólica, mas, em realidade, se formou gradualmente ao longo do segundo, terceiro e quarto séculos. Ela tem grande valor em referência à história da organização da igreja e da arqueologia cristã de modo geral. Igreja Antiga, pág. 212. SDS 15.4