O Sábado e o Domingo nos Primeiros Três Séculos: o Testemunho Completo dos Pais da Igreja
Capítulo 2
Testemunho das Constituições Apostólicas
“Tenha diante dos seus olhos o temor de Deus, e sempre se lembre dos dez mandamentos do Senhor: amar o único Senhor Deus com toda sua força; não dar ouvido a ídolos, nem a outros seres, considerando-os como deuses sem vida, ou seres irracionais, ou demônios. Considere a multiforme obra de Deus, cujo início se deu por intermédio de Cristo. Guardarás o sábado, por causa Daquele que cessou Sua obra de Criação, mas não cessou Sua obra de providência. É um descanso para meditação na lei, não para ociosidade das mãos”. Livro 2, seç. 4, par. 36. SDS 17.1
Esta é uma sã doutrina sabatista. Mas a apostasia havia começado sua obra no estabelecimento do suposto dia do Senhor, que era destinado, no devido tempo, para lançar fora o sábado. A próxima menção do sábado também apresenta a festa chamada “dia do Senhor”, mas o leitor se lembrará que isso não foi escrito no primeiro século, e sim no terceiro: SDS 17.2
Que seus julgamentos sejam realizados no segundo dia da semana, para que, se surgir alguma controvérsia sobre a sua sentença, havendo um intervalo até o sábado, você possa resolver a controvérsia, e trazer às pazes aqueles que têm as disputas um com o outro antes do dia do Senhor. — Livro 2, seç. 6, par. 47. SDS 17.3
Pelo termo “dia do Senhor” entende-se, aqui, o primeiro dia da semana. Mas o escritor não chama o primeiro dia sábado, termo este sendo aplicado ao sétimo dia. SDS 17.4
Na seção 7, no parágrafo 59, os cristãos são ordenados a se reunir para o culto SDS 18.1
todos os dias, de manhã e à noite, cantando salmos e orando na casa do Senhor: de manhã, recitando o salmo sessenta e dois, e à noite, o salmo cento e quarenta, mas principalmente no dia de sábado. E no dia da ressurreição de nosso Senhor, que é o dia do Senhor, reúnam-se com mais diligência, rendendo louvor a Deus, que fez o Universo por meio de Jesus, e O enviou para nós. SDS 18.2
Caso contrário, que justificativa apresentará a Deus aquele que não se reúne nesse dia para ouvir a palavra salvífica acerca da ressurreição, no qual oramos três vezes de pé, em memória Daquele que ressuscitou em três dias, no qual é feita a leitura dos profetas, a pregação do evangelho, a oblação do sacrifício e a oferta do alimento santo? SDS 18.3
O escritor dessas “Constituições”, desta vez, dá grande destaque ao primeiro dia, apesar de ainda honrar o sábado, e de modo algum dá esse título ao domingo. Mas no livro 5, seção 2, parágrafo 10, temos um testemunho singular sobre a maneira em que se passava o domingo. Assim diz o autor: SDS 18.4
Agora nós os exortamos, irmãos e conservos, a evitar palavras vãs e discursos obscenos, zombarias, bebedeira, lascívia, luxúria, paixão desenfreada, com discursos insensatos, já que não lhes permitimos, tanto quanto no dia do Senhor, que são dias de alegria, que falem ou façam qualquer coisa imprópria. SDS 18.5
Com base nisso, parece que o suposto dia do Senhor era um dia de maior alegria do que os outros dias da semana. No livro 5, seção 3, parágrafo 14, é dito: SDS 18.6
Mas quando o primeiro dia da semana raiou, Ele ressurgiu dos mortos, e cumpriu as coisas que, antes da paixão, nos profetizou, dizendo: “o Filho do Homem deverá permanecer três dias e três noites no coração da terra”. SDS 18.7
No livro 5, na seção 3, parágrafo 15, o escritor nomeia os dias nos quais os cristãos deveriam jejuar: SDS 19.1
Mas Ele nos ordenou a jejuar no quarto e no sexto dia da semana; o primeiro por ter sido traído, e o último por causa da Sua paixão. Mas Ele nos determinou a quebrar nosso jejum no sétimo dia, no cantar do galo, mas a jejuar no dia de sábado. Não que o dia de sábado seja um dia de jejum, sendo o descanso da criação, mas porque devemos jejuar apenas nesse único sábado, uma vez que nesse dia o Criador estava debaixo da terra. SDS 19.2
No parágrafo 17, os cristãos são proibidos de “celebrar o dia da ressurreição do nosso Senhor em qualquer outro dia que não domingo”. No parágrafo 18, eles são novamente incumbidos de jejuar naquele sábado que vem em conexão com o aniversário da morte de nosso Senhor. No parágrafo 19, o primeiro dia da semana é chamado de dia do Senhor por quatro vezes. O período de 40 dias desde a Sua ressurreição até a Sua ascensão deve ser observado. O aniversário da ressurreição de Cristo deve ser celebrado por meio da Ceia. SDS 19.3
E que essa seja uma ordenança eterna, até a consumação do mundo, até que o Senhor venha. Pois para os judeus, o Senhor ainda está morto, mas para os cristãos Ele vive; para os primeiros, por causa da sua incredulidade; para os últimos, por sua plena certeza da fé. Pois a esperança Nele é a vida imortal e eterna. Depois de oito dias, que haja outra festa celebrada com honra, no próprio oitavo dia, no qual Ele deu a mim, Tomé, que tinha dificuldade para crer, essa plena certeza, mostrando-me as marcas dos cravos, e a ferida feita em Seu lado pela lança. E novamente, a partir do primeiro dia do Senhor, contem-se quarenta dias, desde o dia do Senhor até o quinto dia da semana, e celebre-se a festa da ascensão do Senhor, na qual ele terminou toda Sua dispensação e constituição, etc. SDS 19.4
As ordenanças aqui apresentadas só devem ocorrer uma vez por ano. São elas: o aniversário da ressurreição de Cristo e o aniversário do dia em que Ele apareceu a Tomé, e devem ser celebradas por meio da Ceia. O povo também deveria observar o dia da ascensão — no quinto dia da semana, quarenta dias depois de sua ressurreição — dia no qual Ele terminou Sua obra. No parágrafo 20, eles são ordenados a celebrar o aniversário do Pentecostes. SDS 19.5
Mas depois de dez dias da Sua ascensão, que é o quinquagésimo dia depois do primeiro dia do Senhor, guardai uma grande festa; pois nesse dia, na terceira hora, o Senhor Jesus nos enviou o dom do Espírito Santo. SDS 20.1
Essa não era uma festa semanal, mas anual. O jejum também é estabelecido nesse parágrafo, mas todos os sábados, exceto aquele em que Cristo jazia na tumba, está isento desse jejum, e cada um dos supostos dia do Senhor: SDS 20.2
Nós lhes ordenamos jejuar todo quarto dia da semana, e todos os dias da preparação [o sexto dia], e a sobra do vosso jejum seja dado aos necessitados; em todos os sábados, exceto um, e todos os dias do Senhor, realizem as suas assembleias solenes, e regozijem-se; pois aquele que jejua no dia do Senhor, sendo o dia da ressurreição, será culpado de pecado, ou durante o tempo do Pentecostes, ou em geral, quem estiver triste num dia de festa ao Senhor. Pois neles devemos nos regozijar e não lamentar. SDS 20.3
Esse escritor afirma que é pecado jejuar ou lamentar no domingo, mas nunca sugere que é pecado trabalhar nesse dia, quando não estiver envolvido em adoração. A seguir, aprenderemos que o decálogo está de acordo com a lei da natureza, e que é de obrigação perpétua. SDS 20.4
No livro 6, na seção 4, parágrafo 19, afirma-se que: “Ele deu uma lei clara para apoiar a lei da natureza, lei que é pura, salvífica e santa, na qual Seu próprio nome foi escrito, perfeita, que nunca falha, sendo completa em dez mandamentos, sem mácula, convertedora de almas”. SDS 20.5
No parágrafo 20 afirma-se: “A lei é o decálogo, o qual o Senhor lhes transmitiu com voz audível”. SDS 21.1
No parágrafo 22, ele diz: “Portanto, vocês que são libertos da maldição, são abençoados. Pois Cristo, o Filho de Deus, por Sua vinda confirmou e completou a lei, mas retirou os preceitos adicionais, embora não todos eles, mas pelo menos os mais penosos; tendo confirmado a primeira, e abolido os últimos”. E ele ainda testifica o seguinte: “E, além disso, antes da Sua vinda, Ele recusou os sacrifícios do povo, enquanto eles frequentemente os ofereciam, quando pecavam contra Ele, pensando que Ele seria aplacado por sacrifícios e não pelo arrependimento”. SDS 21.2
Por essa razão, o escritor verdadeiramente testifica que Deus recusou-Se a aceitar suas ofertas queimadas e sacrifícios, suas luas novas e seus sábados. SDS 21.3
No livro 6, na seção 23, ele diz: “Aquele que ordenou que honremos nossos pais, era, Ele mesmo, sujeito a eles. Aquele que havia ordenado a guarda do sábado, descansando nele a fim de meditar nas leis, agora nos ordena considerar a lei da criação, e da providência diária, e dar graças a Deus”. SDS 21.4
Isso tem um pouco do sabor da doutrina de que todos os dias são iguais. No entanto, esse não pode ser o significado; pois no livro 7, na seção 2, parágrafo 23, ele ordena a observância do sábado, e também da festa do dia do Senhor, mas especifica um sábado no ano em que os homens deveriam jejuar. Assim ele diz: SDS 21.5
Mas guarda o sábado, e a festa do dia do Senhor; pois o primeiro é o memorial da criação, e o segundo, da ressurreição. Mas há apenas um sábado que deve ser observado por você durante o ano inteiro; é aquele do sepultamento do nosso Senhor, no qual os homens devem guardar um jejum, não uma festa. Pois enquanto o Criador estava debaixo da terra, a tristeza por ele é mais forte do que a alegria pela criação; pois o Criador é mais honrado por natureza e dignidade do que Suas próprias criaturas. SDS 21.6
No livro 7, na seção 2, parágrafo 30, ele diz: “No dia da ressurreição do Senhor, isto é, o dia do Senhor, reúnam-se, sem falta, dando graças a Deus”, etc. SDS 22.1
No parágrafo 36, o escritor menciona o sábado novamente: “Ó Senhor Todo-Poderoso, Tu criaste o mundo por intermédio de Cristo, e instituíste o sábado em memória da criação, porque nesse dia Tu nos fizeste descansar de nossas obras, para a meditação nas Tuas leis”. SDS 22.2
No mesmo parágrafo, ao falar sobre a ressurreição de Cristo, o escritor diz: SDS 22.3
Razão pela qual solenemente nos reunimos para celebrar a festa da ressurreição no dia do Senhor, etc. SDS 22.4
No mesmo parágrafo, ele fala novamente do sábado: SDS 22.5
Tu lhes deste a lei, ou o decálogo, que foi pronunciada por intermédio da Tua voz e escrita com Tua mão. Tu ordenaste a observância do sábado, não lhes proporcionando uma ocasião para ociosidade, mas uma oportunidade para a piedade, para conhecimento do Teu poder, e proibição da maldade; tendo-os limitado dentro de um santo circuito por causa da doutrina, para regozijo no sétimo período. SDS 22.6
Nesse parágrafo, ele também declara seu ponto de vista acerca do sábado, e acerca do dia que ele chama de dia do Senhor, dando a primazia ao último: SDS 22.7
Por causa disso Ele permitiu que os homens descansassem todos os sábados, para que assim ninguém desejasse pronunciar qualquer palavra de ira no dia do sábado. Pois o sábado é o fim da criação, o término do mundo, o estudo da lei, e o grato louvor a Deus pelas bênçãos que Ele derramou sobre a humanidade. O dia do Senhor supera tudo isso, apontando para o próprio Mediador, o Provedor, o Legislador, a Causa da ressurreição, o Primogênito de toda a criação, etc. SDS 22.8
E ele acrescenta: SDS 23.1
É por essa razão que o dia do Senhor nos ordena oferecer a Ti, ó Senhor, ações de graças por tudo. Pois essa é a graça concedida por Ti, a qual em virtude da sua grandeza, ofuscou todas as outras bênçãos. SDS 23.2
É certamente digno de nota que o suposto dia do Senhor, para o qual nenhuma autoridade divina é reivindicada, é aqui exaltado acima do sábado do Senhor, apesar do Sábado ser reconhecido como o memorial divino da criação, e ser expressamente ordenado no decálogo, o qual o escritor declara ser de obrigação perpétua. Testado por seus próprios princípios, ele estava bem avançado em apostasia; pois considerava uma festa humana mais honrada do que aquela que ele próprio reconheceu ter sido ordenada por Deus; e só mais um único passo restou, isto é, colocar de lado o mandamento de Deus em favor de ordenança humana. SDS 23.3
No livro 8, na seção 2, parágrafo 4, afirma-se que, quando um bispo é escolhido e será ordenado: SDS 23.4
Que se reúna o povo, com os presbíteros e bispos que estão presentes, no dia do Senhor, e que eles deem o seu consentimento. SDS 23.5
No livro 8, na seção 4, parágrafo 33, ocorre a última menção desses dois dias nas assim chamadas Constituições Apostólicas: SDS 23.6
Que os escravos trabalhem cinco dias; mas que tenham folga no dia de sábado e no dia do Senhor para irem à igreja receber instrução na piedade. Pois temos dito que o sábado existe por causa da criação, e o dia do Senhor, por causa da ressurreição. SDS 23.7
A isso pode ser acrescentado o 64º Cânone dos Apóstolos, que está anexado às “Constituições”: SDS 23.8
Se alguém do clero for achado jejuando no dia do Senhor, ou no dia de sábado, com exceção de apenas um, que seja deposto de seu cargo; mas se for um dos leigos, que seja suspenso. SDS 23.9
Cada uma das menções do sábado e do primeiro dia nesse antigo livro chamado “Constituições Apostólicas”, estão agora diante do leitor. Esse livro chega até nós procedente do terceiro século, e contém o que naquela época amplamente acreditava-se que fosse a doutrina dos apóstolos. É, portanto, valioso para nós, não como autoridade a respeito dos ensinamentos dos apóstolos, mas por nos dar conhecimento dos pontos de vista e práticas que prevaleceram no terceiro século. Na época em que essas “Constituições” foram escritas, os dez mandamentos eram reverenciados como a regra imutável do direito, e o sábado do Senhor era, por muitos, observado como um ato de obediência ao quarto mandamento e como o memorial divino da criação. Mas a festa do primeiro dia já havia adquirido tal força e influência, a ponto de indicar claramente que, em breve, ela reivindicaria todo o terreno. Mas observem que o sábado e o suposto dia do Senhor são tratados como instituições distintas, e que nenhuma indicação da mudança do sábado para o primeiro dia da semana nem sequer uma vez é apresentada. As Constituições Apostólicas são citadas primeiro, não por terem sido escritas pelos apóstolos, mas por causa de seu título. Pela mesma razão, a suposta Epístola de Barnabé é citada na sequência, não por ter sido escrita por esse apóstolo — pois é ampla a prova de que não foi, — mas porque é frequentemente citada, pelos escritores do primeiro dia, como as palavras do apóstolo Barnabé. No entanto, ela já existia desde a metade do segundo século e, como as “Constituições Apostólicas”, é valiosa para nós porque nos dá algumas pistas sobre as opiniões que prevaleceram na região onde o escritor viveu, ou que pelo menos eram defendidas por seu grupo. SDS 24.1