O Sábado e o Domingo nos Primeiros Três Séculos: o Testemunho Completo dos Pais da Igreja

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Capítulo 4

Testemunho de Justino Mártir

A Apologia de Justino foi escrita em Roma, por volta do ano 140 d.C. Seu “Diálogo com o Judeu Trifão” foi escrito alguns anos depois. Ao pesquisar seus escritos, veremos como a apostasia havia alcançado um progresso muito maior em Roma do que nos países onde viviam aqueles cujos escritos estivemos examinando. E ainda assim, quase todos esses escritos foram produzidos pelo menos um século depois dos escritos de Justino, ainda que os tenhamos citado antes de citar os dele, por causa de sua suposta origem apostólica, ou de sua suposta origem poucos anos depois dos tempos dos apóstolos. SDS 37.1

Não parece que Justino, e os habitantes de Roma que concordavam com ele na doutrina, tinham o mínimo respeito pelo antigo sábado. Ele fala do mesmo como tendo sido abolido, e o trata com desprezo. Diferentemente de alguns autores cujos escritos foram examinados, ele nega que o mesmo tenha se originado na criação, e afirma que foi estabelecido nos dias de Moisés. Ele também difere de alguns autores já citados, ao negar a perpetuidade da lei dos dez mandamentos. Em sua opinião, o sábado era uma instituição judaica, completamente desconhecida pelos bons homens anteriores a Moisés, e sem qualquer autoridade desde a morte de Cristo. A ideia da mudança do sábado, do sétimo para o primeiro dia da semana, não somente nunca é encontrada em seus escritos, mas é absolutamente incompatível com tais declarações como as anteriores, que abundam nos escritos dele. E ainda assim, Justino Mártir é proeminente e constantemente citado em favor do suposto sábado cristão. SDS 37.2

O povo romano observava uma festa no primeiro dia da semana, em honra ao sol. E assim Justino, em sua Apologia, dirigida ao imperador de Roma, relata ao monarca que os cristãos se reuniam no “dia do sol”, para cultuar. Ele não atribui nenhum título sagrado ao dia, e nem sequer sugere que o mesmo fosse um dia de abstenção do trabalho, apenas que eles passavam uma parte dele em adoração. Essas são as palavras de sua Apologia sobre a festa do domingo: SDS 38.1

E no dia chamado domingo, todos aqueles que vivem nas cidades ou no campo se reúnem em um lugar, e as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas são lidos enquanto o tempo permitir; quando o leitor acaba, o presidente apresenta uma instrução verbal, e exorta a todos à imitação dessas boas coisas. Então todos juntos nos levantamos e oramos, e, como já dissemos, quando as nossas orações terminam, pão, água e vinho são trazidos, e o presidente, da mesma forma, oferece orações e ações de graça, segundo a sua habilidade, e o povo concorda dizendo: “Amém”. Então, há uma distribuição a cada um e a participação daquilo que foi dado graças, e aos que estão ausentes uma porção é enviada por intermédio dos diáconos. E os que estiverem condições de fazê-lo, de boa vontade, podem doar o quanto bem lhe parecer; e o que é coletado é entregue ao presidente, que socorre os órfãos, as viúvas, aqueles que por causa de enfermidade ou por qualquer outro motivo estejam passando necessidade, os que estão presos e os estrangeiros de passagem no nosso meio, em resumo, socorre a todos os necessitados. Todavia, domingo é o dia em que celebramos essa reunião geral, porque é o primeiro dia em que Deus, tendo operado uma mudança nas trevas e na matéria, criou o mundo; e Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos nesse mesmo dia. Pois Ele foi crucificado no dia anterior ao dia de Saturno (sábado): e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do sol, tendo aparecido aos Seus apóstolos e discípulos, lhes ensinou essas coisas, as quais temos submetido também vocês, para a sua apreciação. — Cap. 67. SDS 38.2

Nenhuma destas palavras indica que Justino considerava a festa do domingo como uma continuação do sábado do quarto mandamento. Ao contrário, ele mostra claramente que tal ideia não era estimada por ele. Pois, enquanto o quarto mandamento ordena a observância do sétimo dia porque Deus descansou nesse dia da obra da criação, Justino argumenta em favor da festa do domingo, que este é o dia no qual Ele começou Sua obra. Portanto, a honra prestada a essa festa não era, na opinião de Justino, em nenhum sentido um ato de obediência ao quarto mandamento. Ele menciona a ressurreição do Salvador nesse dia como sua outra razão para a celebração, pelos cristãos, do “dia do sol”. Mas ele não reivindica nenhum preceito divino ou apostólico para essa celebração; as coisas que ele diz que Cristo ensinou aos Seus apóstolos, são as doutrinas que ele incorporou nessa Apologia, para informação do imperador. E é digno de nota que, embora os escritores do primeiro dia afirmem que o “dia do Senhor” era o título familiar do primeiro dia da semana no tempo do Apocalipse, ainda assim Justino, que é a primeira pessoa depois dos escritores sagrados, que menciona o primeiro dia, e isso a apenas 44 anos desde a data da visão de João em Patmos, não o chama por esse título, mas pelo nome que o mesmo possuía como uma festa pagã! Se alguém afirmar que o termo foi omitido por ele por estar se dirigindo a um imperador pagão, ainda resta o fato de que ele menciona o dia uma grande quantidade de vezes em seu “Diálogo com Trifão”, e ainda assim jamais o chama de “dia do Senhor”, nem o chama por nenhum nome sugerindo santidade. SDS 39.1

Agora apresentaremos as declarações acerca do sábado e do primeiro dia encontradas em seu “Diálogo com o Judeu Trifão”. A impropriedade, para não dizer a desonestidade, de citar Justino em favor da doutrina moderna da mudança do sábado ficará óbvia a todos. Ele era um escritor decididamente antilegalista e antissabatista, que usava o dia comumente honrado pelos romanos como uma festa, como o mais adequado, ou mais conveniente dia de adoração pública, uma posição idêntica àquela dos antissabatistas modernos. Justino pode ser chamado de homem da lei nesse sentido, no entanto, enquanto ele anula os dez mandamentos, ele chama o evangelho de “a nova lei”. Portanto, ele é uma pessoa que realmente acredita no evangelho e nega a lei. Mas vamos ouvir suas próprias palavras. Trifão, tendo no capítulo 8, aconselhado Justino a observar o sábado, e a “fazer todas as coisas que estão escritas na lei”, no capítulo 10 ele lhe diz: “Vocês não observam nenhuma festa, nem sábados”. SDS 39.2

A acusação forneceu a ocasião adequada para extrair de Justino a resposta de que, embora ele não observasse o sétimo dia como o sábado, descansava no primeiro dia, caso fosse verdade que esse dia era para ele um dia de abstenção do trabalho. E agora observe a resposta de Justino, apresentada no capítulo 12: SDS 40.1

A nova lei requer que vocês guardem um sábado perpétuo, e vocês, por ficarem ociosos ao longo de um dia, acham que são piedosos, sem discernir por que isso lhes foi ordenado. E se vocês comem pão sem fermento, dizem que a vontade de Deus se cumpriu. O Senhor nosso Deus não Se agrada de tais observâncias. Se alguém entre vocês comete perjúrios ou é ladrão, que deixe de sê-lo; se há algum adúltero, que se arrependa. Assim ele estará guardando os deleitosos e verdadeiros sábados de Deus. SDS 40.2

Essas palavras sugerem claramente que Justino considerava todos os dias iguais, e não guardava nenhum dia por meio da um dia de abstinência do trabalho. Mas no capítulo 18, Justino afirma que os sábados — e sem dúvida ele inclui o sábado semanal e o anual — foram ordenados aos judeus por causa da sua impiedade: SDS 40.3

Nós também observaríamos a circuncisão da carne, os sábados e, em suma, todas as festas, se não soubéssemos por que elas foram ordenadas a vocês, a saber, por causa das transgressões de vocês e da dureza do coração de vocês. Pois se pacientemente suportarmos a todas as coisas arquitetadas contra nós por homens ímpios e demônios, de modo que, em meio a crueldades impronunciáveis, morte e tormentos, rogamos que Deus tenha misericórdia dos que assim nos tratam, e não desejamos revidar a nenhum deles, assim como nosso novo Legislador nos ordenou. Como, ó Trifão, não haveríamos de guardar o que em nada nos prejudica — quero dizer a circuncisão da carne, os sábados e as festas? SDS 40.4

Ele não apenas declara que os judeus foram ordenados a guardar o sábado por causa de suas transgressões, mas no capítulo 19 ele nega que qualquer sábado existisse antes de Moisés. Assim, depois de citar Adão, Abel, Enoque, Ló e Melquisedeque, ele diz: SDS 41.1

Além disso, todos esses homens justos já mencionados, apesar de não guardarem nenhum sábado, eram agradáveis a Deus. SDS 41.2

Mas, embora ele negue a instituição sabática antes do tempo de Moisés, ele aqui faz a seguinte declaração acerca dos judeus: SDS 41.3

E vocês foram ordenados a guardar os sábados, para que vocês conservem o memorial de Deus. Pois a Sua palavra faz esse anúncio, dizendo: “Para que soubessem que Eu sou o SENHOR que os santifica”. [Ezequiel 20:12.] SDS 41.4

O sábado é, de fato, o memorial do Deus que fez os céus e a Terra. E seria um absurdo negar que esse memorial foi estabelecido quando a obra da criação foi terminada, e afirmar que dois mil e quinhentos anos se passaram entre a criação e o memorial! SDS 41.5

No capítulo 21, Justino afirma “que Deus ordenou vocês [os judeus] que guardassem o sábado, e impôs sobre vocês outros preceitos como sinal, como já tinha dito antes, por causa da sua injustiça, e da de vossos pais”, etc., e cita Ezequiel 20 para provar isso. No entanto, esse capítulo declara que, a fim de que soubessem quem era o Ser que os santificava, isto é, para que soubessem que o seu Deus era o Criador, o sábado tornou-se um sinal para eles. SDS 41.6

No capítulo 23., novamente ele afirma que “nos tempos de Enoque”, ninguém “guardou os sábados”. Assim, ele protesta contra observâncias sabáticas da seguinte forma: SDS 41.7

Vocês percebem que os elementos não são ociosos e não guardam sábado algum? Permaneçam como vocês nasceram. Pois, se não havia necessidade de circuncisão antes de Abraão, ou de observância de sábados, ou de festas e sacrifícios antes de Moisés, não há necessidade de realizar essas coisas agora, depois que, de acordo com a vontade de Deus, Jesus Cristo, o Filho de Deus, nasceu sem pecado, de uma virgem pertencente ao tronco de Abraão. SDS 42.1

Isso quer dizer que não havia nenhuma instituição sabática antes de Moisés, e que não há nenhuma desde Cristo. Mas no capítulo 24, Justino se propõe a apresentar um argumento a favor do domingo, não como um sábado, mas como algo mais misterioso, e como sendo mais honrado do que o sétimo dia. Assim, fez alusão à circuncisão no oitavo dia da vida de uma criança como um argumento em favor da festa do primeiro dia, ele diz: SDS 42.2

É-nos possível demonstrar que o oitavo dia possuía certo caráter misterioso que o sétimo dia não tinha, e que foi promulgado por Deus mediante esses ritos. SDS 42.3

Em outras palavras, porque Deus ordenou aos judeus que circuncidassem seus filhos aos oito dias de vida, logo, todos os homens devem agora considerar o primeiro dia da semana como mais honrado do que o sétimo dia, o qual Ele ordenou na lei moral, e o qual o próprio Justino, no capítulo 6, denomina “o memorial de Deus”. No capítulo 26, Justino diz a Trifão que: SDS 42.4

Os gentios, que creram Nele e que se arrependeram dos pecados que cometeram, receberão a herança juntamente com os patriarcas, os profetas e as pessoas justas descendentes de Jacó, ainda que não guardem o sábado, nem sejam circuncidados e nem guardem as festas. SDS 42.5

E como prova disso, ele cita Isaías 42, 62 e 63, a respeito do chamado dos gentios. Acerca disso (capítulo 27), o judeu Trifão pergunta de forma muito pertinente: SDS 42.6

Por que você seleciona e cita o que bem entende dos escritos proféticos, mas não menciona aquelas passagens que ordenam expressamente que o sábado seja observado? Pois Isaías fala o seguinte [cap. 58:13, 14], “Se desviares o teu pé de profanar o sábado”, etc. SDS 42.7

Ao qual Justino apresenta essa resposta tendenciosa: SDS 43.1

Eu omiti essas palavras proféticas, meus amigos, não porque iriam contradizer a minha tese, mas porque vocês têm compreendido, e compreendem que, embora Deus lhes ordene, por intermédio de todos os profetas, a fazer as mesmas coisas que Ele também ordenou por intermédio de Moisés, era por causa da dureza dos seus corações, e por causa da sua ingratidão para com Ele, que Ele as proclama continuamente, a fim de que, mesmo que seja dessa forma, se vocês se arrependerem, vocês possam agradá-Lo, e não sacrifiquem seus filhos aos demônios e nem tenhais parte com ladrões, etc. SDS 43.2

E ele acrescenta: SDS 43.3

De modo que, assim como no princípio, essas coisas foram ordenadas a vocês por causa das suas iniquidades, da mesma maneira, por causa da sua firmeza em praticá-las ou, mais ainda, por sua maior propensão a elas, por meio dos mesmos preceitos, Ele clama a vocês [por intermédio dos profetas] para que se lembrem ou as conheçam. SDS 43.4

Essas são palavras amargas de um gentio que era um filósofo pagão, e não são de forma alguma, uma resposta justa, a menos que possa ser demonstrado que a lei foi dada aos judeus porque eles eram muito ímpios, e foi retida dos gentios porque eles eram muito justos. A verdade é exatamente o contrário disso (Efésios 2). Mas para dizer algo contra o sábado, Justino pergunta: SDS 43.5

Será que Deus desejava que os sacerdotes pecassem quando oferecessem os sacrifícios aos sábados? Ou que pequem aqueles que são circuncidados ou circuncidam outros aos sábados; já que Ele ordena que os recém-nascidos sejam sempre circuncidados no oitavo dia, mesmo que seja sábado? SDS 43.6

Além disso, ele pergunta se o ritual não poderia acontecer um dia antes ou um dia depois do sábado, e por que aqueles “que viveram antes de Moisés” “não observavam os sábados”? SDS 44.1

O que Justino diz acerca da circuncisão e dos sacrifícios é completamente sem peso como objeção ao sábado, uma vez que o mandamento não proíbe a realização dos deveres religiosos, mas proíbe nosso próprio trabalho (Êxodo 20:8-11). E sua declaração repetida com frequência, de que as pessoas boas antes do tempo de Moisés, não guardavam o sábado, é uma afirmação banal, uma vez que Deus designou o sábado para uso santo no tempo de Adão, e sabemos de outros, na era patriarcal, que guardavam os mandamentos de Deus, e eram perfeitos diante Dele. SDS 44.2

No capítulo 29, Justino zomba da observância sabática dizendo: “Não fique espantado pelo fato de bebermos água quente aos sábados”. E como argumento contra o sábado, ele fala que Deus “dirige o governo do Universo nesse dia da mesma maneira que em todos os outros”, como se isso fosse inconsistente com a santidade presente do sábado, quando também era verdade que Deus dirigia o mundo da mesma maneira durante o período em que Justino reconhece que o sábado era obrigatório. E ele novamente volta-se para os sacrifícios e àqueles que viveram na era patriarcal. SDS 44.3

No capítulo 12, Justino novamente traz à tona seu argumento da circuncisão em favor do domingo: SDS 44.4

A ordem da circuncisão, novamente, ordenando[-lhes] que sempre circuncidassem os filhos no oitavo dia de vida, era um tipo da circuncisão verdadeira, por meio da qual somos circuncidados do engano e da iniquidade, mediante Aquele que ressuscitou dos mortos no primeiro dia depois do sábado [a saber, mediante], o nosso Senhor Jesus Cristo. Pois o primeiro dia depois do sábado, sendo o primeiro de todos os dias, é chamado, no entanto, de oitavo, segundo o número de todos os dias do ciclo, e [no entanto] permanece sendo o primeiro. SDS 44.5

A guarda do domingo deve estar intimamente relacionada com o batismo infantil, visto que um dos principais argumentos nos tempos modernos para o batismo de crianças, é extraído do fato de que Deus ordenou aos hebreus que circuncidassem seus filhos do sexo masculino; e Justino encontrou sua autoridade bíblica para a observância do primeiro dia no fato de que esse rito devia ser realizado quando a criança tivesse oito dias de vida! No entanto, esse oitavo dia não coincidia com um dia da semana apenas, mas com qualquer um dos dias, e quando coincidiu com o sétimo dia, forneceu a Justino um argumento contra a santidade do sábado! Mas quando coincidia com qualquer outro dia (coincidia com todos igualmente), isso foi um argumento a favor do domingo! Ó maravilhoso oitavo dia, que pode prosperar naquilo que é positivamente fatal ao sétimo, e que pode coincidir, toda a semana, com o primeiro dia dela, apesar de só existirem sete dias na semana! SDS 45.1

Nos capítulos 63, 64 e 112, Justino reitera a afirmação de que, aqueles que viveram na era patriarcal, não santificaram o sábado. Mas como ele não acrescenta nenhum novo pensamento ao que já foi citado acerca dele, esses não precisam ser transcritos. SDS 45.2

Mas no capítulo 47, temos algo interessante. Trifão pergunta a Justino se aqueles que creem em Cristo, e O obedecem, mas desejam “observar estas [instituições], serão salvos?” Justino responde: “Na minha opinião, Trifão, tal pessoa será salva, contanto que ela não se esforce com todas as forças para persuadir outros... a observar as mesmas coisas que ela, dizendo-lhes que não serão salvos a menos que as observem”. Trifão respondeu: “Então, por que você disse: ‘Na minha opinião, tal pessoa será salva’, a menos que haja outros que afirmem que tais pessoas não serão salvas?” SDS 45.3

Em resposta, Justino diz a Trifão que havia alguns que não teriam qualquer tipo de relacionamento ou nem mesmo lhes estenderiam hospitalidade a tais cristãos que observavam a lei dessa maneira. Mas de sua parte ele diz: SDS 45.4

Mas se alguns, de mente fraca, que desejam observar as instituições entregues a Moisés (das quais esperam alguma virtude, mas que cremos terem sido designadas por causa da dureza do coração do povo) junto com sua esperança nesse Cristo e [com o desejo de realizar] as obras naturais e eternas da justiça e da piedade, escolherem, contudo, viver com os cristãos e os fiéis, conforme disse antes, sem induzi-los a se circuncidar como eles, ou a guardar o sábado, ou a observar qualquer outra dessas cerimônias, então eu julgo que deveríamos nos unir a tais pessoas e nos associar a elas em todas as coisas, como parentes e irmãos. SDS 46.1

A linguagem de Justino mostra que existiam cristãos guardadores do sábado na sua época. Aqueles que eram de ascendência judaica, sem dúvida, geralmente observavam a circuncisão. Mas é muito injusto da parte dele apresentar os gentios, observadores do sábado, como praticantes desse rito. Que havia muitos desse tipo, fica evidente nas assim chamadas Constituições Apostólicas, e até nas Epístolas de Inácio. No entanto, Justino diz uma coisa boa. A guarda dos mandamentos, ele denomina prática “das obras naturais e eternas da justiça”. Ele consentiria em comungar com aqueles que praticam essas coisas, contanto que não fizessem disso um teste aos outros. Ele bem sabia nesse caso, que o sábado desapareceria em pouco tempo. Ele mesmo, e a parte mais popular de Roma, honravam, como sua festa, o dia observado pelos pagãos romanos, como ele lembra o imperador em sua apologia, e desejava comungar com os guardadores do sábado se eles não o testassem pelos mandamentos, isto é, se eles se unissem a ele para transgredi-los. SDS 46.2

Que Justino defendia a anulação dos dez mandamentos, isso também é manifesto. Tendo Trifão, no décimo capítulo do Diálogo, falado o seguinte a Justino: “Você não obedece aos Seus mandamentos”, e novamente: “Você não observa a lei”, Justino responde, no capítulo 11, o seguinte: SDS 46.3

Mas nós não cremos por intermédio de Moisés, ou por intermédio da lei; porque, senão, estaríamos fazendo o mesmo que vocês. Agora, porém — eu li que haverá uma lei final, como uma aliança, a principal de todas, a qual agora deve ser observada por todos os seres humanos que desejam a herança de Deus. Pois a lei promulgada no Horebe agora está ultrapassada, e pertence apenas a vocês; mas essa é para todos, universalmente. Agora, uma lei posta contra outra lei, anula a primeira; e uma aliança que veio posteriormente, da mesma maneira, torna sem efeito a anterior. SDS 46.4

Devemos, portanto, declarar Justino como um homem que defendia a anulação dos dez mandamentos e que o sábado era uma instituição judaica desconhecida antes de Moisés, e de nenhuma autoridade depois de Cristo. Ele defendia o domingo como sendo o dia mais adequado para a adoração pública, mas não baseado no fato de que o sábado tinha sido substituído por ele, pois ele corta a instituição do sábado pela raiz; e está tão longe de chamar esse dia de sábado cristão que lhe atribui o nome que ele recebia como uma festa pagã. SDS 47.1