Daniel e Apocalipse

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Daniel 8 — Visão do carneiro, bode e chifre pequeno

O Dr. Clarke, falando sobre Daniel 8, afirma; DAP 129.1

“Chegamos agora mais uma vez à língua hebraica, encerrando-se, assim, a parte em aramaico do livro”. Como os caldeus tinham interesse particular tanto pela história quanto pelas profecias, a partir de Daniel 2:4 até o fim do capítulo 7, todo esse trecho é escrito em aramaico, a língua dos caldeus; mas como as profecias restantes se referem a épocas posteriores à monarquia dos caldeus e se relacionam principalmente à igreja e ao povo de Deus de modo geral, essas foram escritas em hebraico, o idioma no qual Deus escolheu revelar todos os Seus conselhos apresentados no Antigo Testamento acerca do Novo”. DAP 129.2

VERSÍCULO 1. No ano terceiro do reinado do rei Belsazar, eu, Daniel, tive uma visão depois daquela que eu tivera a princípio. DAP 129.3

Uma característica proeminente dos escritos sagrados — e que deveria resguardá-los para sempre da acusação de serem obra de ficção — é a franqueza e liberdade com que os escritores contam todas as circunstâncias relacionadas ao período que registram. Este versículo fala o momento em que a visão apresentada no capítulo foi dada a Daniel. O primeiro ano de Belsazar foi 540 a.C. Seu terceiro ano, no qual Daniel recebeu a visão, seria, em consequência, 538. Se, conforme se supõe, Daniel tinha vinte anos de idade quando foi levado para Babilônia no primeiro ano de Nabucodonosor, 606 a.C., então tinha por volta de 88 anos de idade nessa época. A visão a que ele se refere como aquela que teve “a princípio” é, sem dúvida, a visão do sétimo capítulo, a qual recebeu no primeiro ano de Belsazar. DAP 129.4

VERSÍCULO 2. Quando a visão me veio, pareceu-me estar eu na cidadela de Susã, que é província de Elão, e vi que estava junto ao rio Ulai. DAP 129.5

Ao passo que o versículo 1 declara o momento, este conta o lugar em que a visão foi dada. Susã, conforme aprendemos com Prideaux, era a metrópole da província de Elão. Nessa época, a cidade estava nas mãos dos babilônios, e o rei de Babilônia tinha um palácio ali. Daniel era ministro de estado e se ocupava dos negócios do rei. Por isso, conforme era adequado à sua função, se encontrava nesse lugar. Abradato, vice-rei ou príncipe de Susã, se revoltou contra Ciro e a província foi anexada pelos medos e persas. Assim, de acordo com a profecia de Isaías (21:2), Elão subiu com os medos para cercar Babilônia. Sob o domínio dos medos e persas, reconquistou as liberdades que havia perdido com os babilônios, em conformidade com a profecia de Jeremias 49:39. DAP 129.6

VERSÍCULO 3. Então, levantei os olhos e vi, e eis que, diante do rio, estava um carneiro, o qual tinha dois chifres, e os dois chifres eram altos, mas um, mais alto do que o outro; e o mais alto subiu por último. 4. Vi que o carneiro dava marradas para o ocidente, e para o norte, e para o sul; e nenhum dos animais lhe podia resistir, nem havia quem pudesse livrar-se do seu poder; ele, porém, fazia segundo a sua vontade e, assim, se engrandecia. DAP 130.1

No versículo 20, uma interpretação desse símbolo nos é comunicada em linguagem clara: “Aquele carneiro com dois chifres, que viste, são os reis da Média e da Pérsia”. Logo, só precisamos analisar quão bem o símbolo corresponde ao poder em questão. Os dois chifres representavam as duas nacionalidades que formavam o império. O mais alto surgiu por último. Isso representa o elemento persa, que, a princípio, era apenas um aliado dos medos, mas acabou se tornando a parte líder do império. As diferentes direções para as quais o carneiro agia com ímpeto denotam as direções nas quais os medos e persas empreenderam suas conquistas. Nenhum poder terreno era capaz de prevalecer sobre eles enquanto marchavam até a posição exaltada para a qual a providência divina os chamara. Suas conquistas prosseguiram com tamanho sucesso que, nos dias de Assuero (Ester 1:1), o reino medo-persa se estendia da Índia à Etiópia, as extremidades do mundo conhecido naquela época. O território era dividido em 127 províncias. A profecia parece quase não expressar todos os fatos da história quando diz que esse poder “fazia segundo a sua vontade e, assim, se engrandecia”. DAP 130.2

VERSÍCULO 5. Estando eu observando, eis que um bode vinha do ocidente sobre toda a Terra, mas sem tocar no chão; este bode tinha um chifre notável entre os olhos; 6. dirigiu-se ao carneiro que tinha os dois chifres, o qual eu tinha visto diante do rio; e correu contra ele com todo o seu furioso poder. 7. Vi-o chegar perto do carneiro, e, enfurecido contra ele, o feriu e lhe quebrou os dois chifres, pois não havia força no carneiro para lhe resistir; e o bode o lançou por terra e o pisou aos pés, e não houve quem pudesse livrar o carneiro do poder dele. DAP 130.3

“E, estando eu considerando” (ARC), diz o profeta; e nisso ele dá o exemplo para todo aquele que ama a verdade e tem qualquer consideração por coisas mais elevadas do que os objetos temporais que despertam os sentidos. Quando Moisés viu a sarça ardente, disse: “Irei para lá e verei essa grande maravilha” (Êxodo 3:3). Mas quão poucos, no presente, estão dispostos a deixar de lado o trabalho ou os prazeres a fim de considerar os importantes temas para os quais tanto a misericórdia quanto a providência de Deus se esforçam para chamar a atenção da humanidade. DAP 130.4

O símbolo aqui apresentado também é explicado pelo anjo a Daniel, no versículo 21: “mas o bode peludo é o rei [ou reino] da Grécia”. Comentando a adequação desse símbolo ao povo grego ou macedônio, bispo Newton observa que os macedônios, “cerca de duzentos anos antes de Daniel, eram chamados de AEgeadae, o povo das cabras”. Ele explica que, segundo autores pagãos, a origem do nome foi a seguinte: DAP 130.5

“Carano, seu primeiro rei, ao se dirigir com uma multidão de gregos a fim de encontrar novas moradas na Macedônia, foi aconselhado por um oráculo a usar cabras e bodes como seus guias para o império. Depois disso, ao ver um rebanho de cabras fugindo de uma tempestade violenta, ele as seguiu até Edessa, e ali estabeleceu a sede de seu império. Transformou as cabras e os bodes em insígnias ou estandartes e denominou a cidade AEgae, ou cidade das cabras. O povo passou a ser chamado de AEgeadae, o povo das cabras. DAP 132.1

“A cidade de AEgeae, ou AEgae, era o local onde os reis macedônios costumavam ser enterrados. É muito notável também o fato de o filho de Alexandre com Roxana ter recebido o nome de Alexandre AEgus, ou filho do bode; além disso, alguns dos sucessores de Alexandre são representados em suas moedas com chifres de bodes” (Dissertation on the Prophecies [Dissertação sobre as Profecias], p. 238). DAP 132.2

O bode veio do ocidente. A Grécia ficava a oeste da Pérsia. DAP 132.3

“Sobre toda a Terra”. Ele cobria todo o território pelo qual passava; isto é, varria tudo à sua frente, não deixava nada para trás. DAP 132.4

“Sem tocar o chão”. Tamanha era a extraordinária agilidade de seus movimentos que nem parecia tocar o chão, mas aparentava voar de um lugar ao outro com a rapidez do vento. A mesma característica é enfatizada pelas quatro asas do leopardo na visão do capítulo 7. DAP 132.5

“Um chifre notável entre os olhos”. O versículo 21 explica que ele corresponde ao primeiro rei do império macedônio, que foi Alexandre, o Grande. DAP 132.6

Os versículos 6 e 7 apresentam um relato conciso da conquista do império persa por Alexandre. Conta-se que os conflitos entre gregos e persas foram extremamente furiosos; e algumas das cenas registradas pela história vêm vividamente à memória pela imagem que a profecia usa: um carneiro diante do rio e o bode correndo na direção desse animal com a fúria de seu poder. Em primeiro lugar, Alexandre eliminou os generais de Dario no rio Grânico, na Frígia; em seguida, atacou Dario e o colocou em uma fuga desbaratada nas passagens de Isso, na Cilícia e, depois disso, nas planícies de Gaugamela, na Síria. A última batalha ocorreu em 331 a.C. e marcou o fim do império persa. Por meio desse acontecimento, Alexandre se tornou o soberano total da região inteira. Bispo Newton cita o versículo 6: “[O bode] dirigiu-se ao carneiro que tinha os dois chifres, o qual eu tinha visto diante do rio; e correu contra ele com todo o seu furioso poder”. Então acrescenta: DAP 132.7

“Não dá para ler essas palavras sem pensar no exército de Dario posicionado guardando o rio Grânico e o de Alexandre do outro lado, com suas forças mergulhando, atravessando a corrente a nado e atacando o inimigo com todo fogo e toda fúria que se podem imaginar” (Idem, p. 239). DAP 132.8

Ptolomeu data o início do reinado de Alexandre do ano 332 a.C., mas, de acordo com Prideaux (vol. 1, p. 378), foi somente a partir da batalha de Gaugamela, no ano seguinte, que ele se tornou “senhor absoluto do império até o extremo dos domínios que os reis persas haviam possuído”. Na véspera desse conflito, Dario enviou dez de seus líderes a fim de tentar um acordo de paz. Quando apresentaram suas condições a Alexandre, este respondeu: “Digam a seu senhor […] que o mundo não permite dois sóis, nem dois soberanos!”. DAP 132.9

A linguagem do versículo 7 conta como foi completa a sujeição da Medo-Pérsia a Alexandre. Os dois chifres foram quebrados, o carneiro jogado ao chão e pisoteado. A Pérsia foi conquistada, o país destruído, seus exércitos despedaçados e espalhados, as cidades saqueadas e a cidade real de Persépolis, a capital do império persa, que até mesmo em ruínas continua a ser uma das maravilhas do mundo até o presente, foi pilhada e incendiada. Assim, o carneiro não teve poder para resistir ao poder do bode, e não houve ninguém capaz de livrá-lo de sua mão. DAP 133.1

VERSÍCULO 8. O bode se engrandeceu sobremaneira; e, na sua força, quebrou-se-lhe o grande chifre, e em seu lugar saíram quatro chifres notáveis, para os quatro ventos do céu. DAP 133.2

O conquistador é maior do que o conquistado. O carneiro, a Medo-Pérsia, se engrandeceu; já o bode, a Grécia, se engrandeceu sobremaneira. E quando ficou forte, o grande chifre se quebrou. A inteligência e especulação humana diriam: quando ele ficar fraco e o reino for assolado pela rebelião ou for paralisado pela licenciosidade, então o chifre se quebrará e o reino será abalado. Mas Daniel viu a quebra bem no auge de sua força e no apogeu do poder, quando todos aqueles que contemplassem exclamariam: “Sem dúvida, este reino está estabelecido e nada poderá vencê-lo”. Com frequência, é esse o destino dos maus. O chifre de sua força se quebra bem quando pensam estar mais firmes do que nunca. DAP 133.3

Alexandre caiu no primor da vida (confira as notas sobre o versículo 39 do capítulo 2). Após sua morte, surgiu muita confusão entre seus seguidores acerca de sua sucessão. Por fim, chegou-se ao acordo, após uma disputa que durou sete dias, de que seu irmão de sangue, Filipe Arrideu, deveria ser declarado rei. Por meio dele e dos filhos pequenos de Alexandre, Alexandre AEgus e Hércules, o nome e a ostentação do império macedônico se mantiveram por um tempo. Mas logo todos esses foram assassinados e, com a extinção da família de Alexandre, os principais comandantes, que haviam se dirigido para diferentes partes do império a fim de atuar como governadores de províncias, assumiram o título de reis. Passaram então a disputar e guerrear uns com os outros a tal ponto que, dentro do curto intervalo de quinze anos após a morte de Alexandre, o número se reduziu a quantos? Cinco? Não. Três? Não. Dois? Não. Mas quatro — exatamente o número especificado na profecia. Pois quatro chifres notáveis se ergueriam em direção aos quatro ventos do céu no lugar do grande chifre que havia se quebrado. Foram eles: 1) Cassandro, que ficou com a Grécia e os países vizinhos; 2) Lisímaco, que obteve a Ásia Menor; 3) Seleuco, que ficou com a Síria e Babilônia, de quem procedeu a linhagem dos reis conhecidos como “selêucidas”, tão célebres na história; e 4) Ptolomeu, filho de Lago, que reinou sobre o Egito e de quem descenderam os “lágidas”. Eles exerceram domínio pelos quatro ventos do céu. Cassandro ficou com a parte ocidental; Lisímaco, com a região norte; Seleuco, com as terras orientais; e a Ptolomeu coube a porção meridional do império. Portanto, esses quatro chifres podem ser chamados de Macedônia, Trácia (que, na época, incluía a Ásia Menor e as partes que ficavam no Helesponto e em Bósforo), Síria e Egito. DAP 133.4

VERSÍCULO 9. De um dos chifres saiu um chifre pequeno e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa. 10. Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou. 11. Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício diário e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo. 12. O exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário, por causa das transgressões; e deitou por terra a verdade; e o que fez prosperou. DAP 134.1

A profecia introduz aqui um terceiro poder. Na explicação que o anjo deu a Daniel acerca dos símbolos, este não é caracterizado em palavras tão específicas quanto as que dizem respeito à Medo-Pérsia e Grécia. Por isso, sem maiores investigações, as mais criativas conjecturas têm sido propostas. Caso o anjo não houvesse dito, em palavras inconfundíveis, que a Medo-Pérsia e a Grécia eram representadas pelo carneiro e o bode, é impossível saber que aplicações as pessoas teriam dado a cada um desses símbolos. É provável que os teriam aplicado a toda e qualquer coisa, exceto às corretas. É só deixar por um instante a interpretação das profecias a cargo do juízo dos indivíduos que deparamos de imediato com as mais extravagantes exibições da imaginação humana. DAP 134.2

Há duas principais aplicações do símbolo sob consideração no momento, as únicas que precisam ser mencionadas nestas breves reflexões. A primeira é que o “chifre pequeno” aqui apresentado denota o rei sírio Antíoco Epifânio; a segunda, é que representa o poder romano. É fácil testar as reivindicações dessas duas opiniões. DAP 134.3

I. Significa Antíoco? Caso sim, este rei precisa corresponder às especificações da profecia. Se não for o caso, a aplicação não pode ser feita. O chifre pequeno surgiu de um dos quatro chifres do bode. Logo, era um poder separado, que existia de maneira independente e distinta de qualquer um dos chifres desse animal. Antíoco era um poder dessa natureza? DAP 134.4

1. Quem foi Antíoco? Desde o momento em que Seleuco se transformou em rei da parte síria do império de Alexandre, constituindo assim o chifre sírio desse poder, até seu território ser conquistado pelos romanos, 26 reis governaram sobre esse território em sucessão. Em ordem, Antíoco Epifânio foi o oitavo deles. Assim, Antíoco foi apenas um dos 26 reis que constituíram o chifre sírio do bode. Por um tempo, foi esse chifre. Portanto, não poderia ser, ao mesmo tempo, um poder separado e independente, ou outro chifre de destaque, como o chifre pequeno foi. DAP 134.5

2. Se fosse apropriado aplicar o chifre pequeno a um desses 26 reis sírios, sem dúvida, a aplicação seria feita ao mais poderoso e ilustre deles. Mas Antíoco Epifânio não corresponde de maneira nenhuma a esse papel. Embora tenha adotado o nome Epifânio, isto é, o Ilustre, somente seu nome foi ilustre. Prideaux relata, baseando-se na autoridade de Políbio, Lívio e Diodoro Sículo, que nada poderia ser mais alheio a seu verdadeiro caráter. Pois, por causa de sua insensatez perversa e extravagante, alguns achavam que ele era tolo e outros o consideravam louco. Assim, mudaram o nome de Epifânio, “o Ilustre”, para Epimanes, “o louco”. DAP 134.6

3. Antíoco, o Grande, pai de Epifânio, sofreu uma derrota terrível na guerra contra os romanos e só conseguiu garantir paz mediante o pagamento de uma soma prodigiosa de dinheiro e a rendição de parte de seu território. Como prova de que faria uma adesão fiel aos termos do tratado, ele foi obrigado a entregar reféns, dentre eles seu filho Epifânio, que foi carregado para Roma. Desde então, os romanos sempre mantiveram esse domínio. DAP 136.1

4. O chifre pequeno se tornou muito forte; mas este Antíoco não fez nada disso. Pelo contrário, ele não ampliou seus domínios, com exceção de algumas conquistas temporárias no Egito, das quais abriu mão de imediato quando os romanos tomaram a parte de Ptolomeu e lhe ordenaram que desistisse de seus planos naquela região. A ira de sua ambição decepcionada recaiu sobre os inocentes judeus. DAP 136.2

5. O chifre pequeno, em comparação com os poderes que o antecederam, se tornou forte e cresceu até atingir o exército dos céus. Afirma-se que a Pérsia simplesmente se engrandeceu, muito embora tenha reinado sobre cento e vinte e sete províncias (Ester 1:1). A Grécia foi ainda mais vasta, mas se declara que ela engrandeceu-se sobremaneira. Já o chifre pequeno, que cresceu até atingir o exército dos céus, deve superar ambos. Como é absurdo então aplicar o símbolo a Antíoco, que foi obrigado a abandonar o Egito por ordem dos romanos, a quem pagava somas enormes de dinheiro como tributo. A Religious Encyclopedia [Enciclopédia Religiosa] fala o seguinte sobre sua história: “Ao descobrir que seus recursos se haviam esgotado, resolveu ir à Pérsia para recolher tributos e coletar as vastas somas que havia concordado em pagar aos romanos”. É impossível levar muito tempo para decidir qual era o maior poder: aquele que saiu do Egito ou o que ordenou a evacuação; o que exigia tributos ou o que ordenava seu pagamento. DAP 136.3

6. O chifre pequeno se engrandeceria até ao príncipe do exército. Não há controvérsias de que o príncipe do exército se refere aqui a Jesus Cristo (Daniel 9:25; Atos 3:15; Apocalipse 1:5). Mas Antíoco morreu 164 anos antes do nascimento de nosso Senhor. Portanto, a profecia não pode se aplicar a ele, pois não corresponde a nenhuma das especificações. A pergunta é como alguém chegou à conclusão de aplicar a profecia a ele. Respondemos que os católicos romanos assumem esse ponto de vista a fim de evitar a aplicação da profecia a si próprios; e muitos protestantes os seguem com o objetivo de se opor à doutrina de que o segundo advento de Cristo está às portas. DAP 136.4

II. Foi fácil demonstrar que o chifre pequeno não denota Antíoco. Será igualmente simples mostrar que ele, de fato, representa Roma. DAP 136.5

1. O campo de visão aqui é basicamente o mesmo que a estátua de Nabucodonosor abrange no capítulo 2 e a visão de Daniel no capítulo 7. Nesses dois casos, vimos que o poder que sucedeu à Grécia como o quarto grande império foi Roma. A única inferência natural seria que o chifre pequeno, o poder que sucede à Grécia nesta visão e cresce até o céu, também corresponde a Roma. DAP 136.6

2. O chifre pequeno surge de um dos chifres do bode. É possível perguntar então: como isso pode ser verdadeiro em relação a Roma? É desnecessário lembrar o leitor de que os governos terrenos só são apresentados na profecia quando, de algum modo, se ligam à história do povo de Deus. Roma estabeleceu uma conexão com os judeus, o povo de Deus daquela época, por meio da famosa liga judaica em 161 a.C. (1 Macabeus 8; Josefo, Antiguidades, livro 12, cap. 10, seção 6; Prideaux, vol. 2, p. 166). Mas sete anos antes, isto é, em 168 a.C., Roma havia conquistado a Macedônia e transformado o país em parte de seu império. Portanto, Roma é introduzida na profecia quando saiu do chifre macedônico do bode e começou a se expandir em conquistas em outras direções. Logo, pareceu ao profeta, ou é possível falar de maneira apropriada nesta profecia, que o poder surgiu de um dos chifres do bode. DAP 136.7

3. O chifre pequeno se tornou muito forte para o sul. Isso é verdadeiro em relação a Roma. O Egito se transformou em província do império romano em 30 a.C. e assim permaneceu por alguns séculos. DAP 137.1

4. O chifre pequeno se tornou muito forte para o oriente. Isso também se aplica a Roma. Roma conquistou a Síria em 65 a.C. e a transformou em província. DAP 137.2

5. O chifre pequeno se tornou muito forte para a terra gloriosa. Roma fez exatamente isso. A Judeia é chamada de terra gloriosa em muitos textos bíblicos. Os romanos a transformaram em província de seu império em 63 a.C. e acabaram destruindo a cidade e o templo, dispersando os judeus por toda a face da Terra. DAP 137.3

6. O chifre pequeno cresceu até atingir o exército dos céus. Roma também fez isso. O exército dos céus, quando usado de maneira simbólica em referência a eventos que acontecem na Terra, denota pessoas de caráter ilustre ou posição exaltada. Afirma-se que o grande dragão vermelho (Apocalipse 12:4) arrastou e lançou por terra a terça parte das estrelas do céu. No Apocalipse, o dragão é interpretado como símbolo de Roma pagã, e as estrelas que lançou por terra foram governantes judeus. Sem dúvida, o mesmo poder e a mesma obra são evidenciados aqui, o que torna necessária a aplicação desse chifre crescente a Roma. DAP 137.4

7. O chifre pequeno se engradeceu até ao príncipe do exército. Somente Roma fez isso. Na interpretação (versículo 25), isso é chamado de se levantar contra o Príncipe dos príncipes. Que alusão mais clara à crucifixão de nosso Senhor sob a jurisdição dos romanos. DAP 137.5

8. O chifre pequeno tira o sacrifício diário. É preciso compreender que ele simboliza Roma em sua história inteira, incluindo as duas fases, pagã e papal. Essas duas fases são chamadas em outra parte de “sacrifício diário” (ou apenas “diário”, “contínuo” [ARC], pois sacrifício é uma palavra acrescentada) e “abominação desoladora” (cf. Daniel 11:31). A (transgressão) diária, ou contínua, significa a forma pagã e a transgressão desoladora, a papal (ver comentários sobre o versículo 13). As ações atribuídas a esse poder às vezes se referem a uma forma e, em outras ocasiões, à outra. “Por ele” (a forma papal) “foi tirado” “o contínuo” (forma pagã; v. 11, ARC). Roma pagã foi remodelada em Roma papal. E o lugar de seu santuário, ou adoração — a cidade de Roma — foi deitado abaixo. A sede do governo foi mudada para Constantinopla por Constantino em 330 d.C. A mesma atividade recebe destaque em Apocalipse 13:2, no qual se afirma que o dragão, Roma pagã, deu à besta, Roma papal, seu trono, a cidade de Roma. DAP 137.6

9. “E um exército [lhe] foi dado contra o [...] contínuo” (v. 12, ACF, KJV). Os bárbaros que derrotaram o império romano, nas mudanças, atritos e transformações daquela época, se tornaram conversos à fé católica e os instrumentos do destronamento da antiga religião dos romanos. Embora tenham conquistado Roma na esfera política, foram religiosamente dominados pela teologia católica romana e se tornaram os agentes responsáveis pela manutenção do mesmo império em outra fase. E isso aconteceu “por causa das transgressões”, isto é, pela operação do “mistério da iniquidade” (cf. 2 Tessalonicenses 2:7). O papado é o sistema eclesiástico falso mais astutamente concebido de toda a história. E pode ser chamado de sistema de iniquidade porque cometeu suas abominações e praticou suas orgias de superstição sob o manto e a pretensão de uma religião pura e sem mácula. DAP 137.7

10. O chifre pequeno deitou a verdade por terra, e o que fez prosperou. Isso descreve, em poucas palavras, a atuação e a carreira do papado. A verdade é por ele absurdamente caricaturada e carregada de tradições; tornou-se mascarada por meio de superstições. Foi lançada por terra e obscurecida. DAP 138.1

Esse poder anticristão “fez isso” (v. 12, ARC), ou seja, agiu no sentido de inculcar seus enganos sobre o povo, praticando seus esquemas de sagacidade para cumprir os próprios objetivos e engrandecer seu poder. DAP 138.2

E “prosperou”. Fez guerra contra os santos e prevaleceu contra eles. Tem seguido a trajetória que lhe foi designada e logo será partido sem mãos, para ser entregue ao fogo e perecer na glória consumidora da segunda vinda do nosso Senhor (cf. 2 Tessalonicenses 2:8). DAP 138.3

Roma cumpre todas as especificações da profecia. Nenhum outro poder o faz. Logo, Roma e nenhum outro é o poder em questão. E ao mesmo tempo em que as descrições apresentadas na Palavra de Deus acerca do caráter desse sistema monstruoso encontram correspondência completa, as profecias de sua história maligna têm se cumprido da forma mais extraordinária e precisa. DAP 138.4

VERSÍCULO 13. Depois, ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará a visão do sacrifício diário e da transgressão assoladora, visão na qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados? 14. Ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado. DAP 138.5

O tempo. Esses dois versículos encerram a visão propriamente dita do capítulo 8; eles introduzem o último tema que, dentre todos os outros, naturalmente atrairia mais o interesse do profeta e de toda a igreja, a saber, o tempo durante o qual os poderes desoladores mencionados anteriormente continuariam. Até quando eles persistirão no caminho de opressão contra o povo de Deus e de blasfêmia contra o mais alto Céu? Daniel, se tivesse tido tempo, talvez ele próprio teria feito a indagação, mas Deus sempre está pronto para antecipar nossas necessidades e, às vezes, responde antes mesmo de perguntarmos. Assim, dois seres celestiais entram em cena, tendo uma conversa que o profeta consegue escutar acerca desse questionamento tão importante para a compreensão da igreja. Daniel ouviu um santo falando. Não nos é dada a informação do que ele disse nessa ocasião. Mas deve ter havido algo ou no assunto ou no tom de sua voz que causou impressão profunda na mente de Daniel, uma vez que ele faz referência ao fato na frase seguinte como título, chamando o anjo de “aquele que falava”. Ele deve ter dito algo da mesma natureza que a fala dos sete trovões em Apocalipse 10, verso 3, a qual, por algum bom motivo, João foi impedido de escrever. Mas outro santo perguntou àquele que falava algo importante: Até quando durará a visão? E tanto a pergunta quanto a resposta são registradas, uma evidência em primeira mão de que se trata de um assunto que a igreja deveria entender. Tal ponto de vista recebe confirmação adicional no fato de o anjo não fazer esse questionamento para obter a informação para si mesmo, já que a resposta foi dirigida a Daniel, o principal interessado, aquele para quem a informação foi dada. “Ele me disse”, contou Daniel, ao relatar a resposta da pergunta do anjo: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”. DAP 138.6

O sacrifício diário. Temos provas no versículo 13 de que sacrifício é a palavra errada a ser suprida em conexão com o termo diário. Caso o texto fizesse referência ao sacrifício diário do serviço do templo judaico, ou, em outras palavras, ao fim desse sacrifício, como alguns supõem, que de fato se encerrou em determinado ponto do tempo, não faria sentido a pergunta “até quando” duraria a visão em relação a esse fato. A indagação subentende, sem dúvida, que os agentes ou eventos aos quais a visão diz respeito ocupam um longo período de anos. A continuidade do tempo é a ideia central. E todo o tempo da visão é preenchido por aquilo que aqui é chamado de diário e transgressão desoladora. Logo, o diário não pode ser o sacrifício diário dos judeus, cuja retirada, quando ocorreu, ocupou apenas um instante do tempo. Ela deve denotar algo que transcorra por diversos anos. DAP 139.1

A palavra que aqui é traduzida por diário ocorre 102 vezes no Antigo Testamento, de acordo com a Hebrew Concordance [Concordância Hebraica]. Na maioria das vezes, é traduzida por contínuo ou continuamente. A ideia de sacrifício não se encaixa de maneira nenhuma com a palavra. Tampouco há alguma palavra no texto que signifique sacrifício; trata-se de uma palavra totalmente acrescentada que os tradutores colocaram segundo sua compreensão do que o texto parecia demandar. É evidente que tinham uma visão errônea, pois não se faz referência alguma aos sacrifícios dos judeus. Logo, parece bem mais de acordo tanto com a construção frasal quanto com o contexto supor que a palavra diário se refere a um poder desolador, assim como a “transgressão assoladora”, à qual está ligado. Temos então dois poderes desoladores, os quais, por um longo período, oprimem ou desolam a igreja. O hebraico הַתָּמִיד וְהַפֶּשַׁע שֹׁמֵם justifica essa interpretação: a última palavra, שֹׁמֵם , desolação, se refere aos dois substantivos que a precedem, o contínuo e a transgressão, os quais estão conectados pela conjunção e. Literalmente, é possível traduzir: “Até quando a visão [acerca da] continuidade e da transgressão da assolação?”, com a palavra assolação se referindo tanto à continuidade quanto à transgressão, como se fosse expresso de forma completa da seguinte maneira: “A continuidade da assolação e a transgressão da assolação”. Por “continuidade da assolação”, ou assolação perpétua, devemos compreender uma alusão ao paganismo, ao longo de toda sua duradoura história; “a transgressão da assolação” consiste em uma referência ao papado. A expressão que descreve o segundo poder é mais forte do que a usada para falar do paganismo. É a transgressão (ou rebelião — outro sentido dessa palavra) da desolação. É como se, durante esse período da história da igreja, o poder assolador houvesse se rebelado contra todas as restrições até então impostas sobre ele. DAP 139.2

Do ponto de vista religioso, o mundo só apresentou essas duas formas de oposição à obra do Senhor na Terra. Logo, embora três governos terrenos sejam mostrados na profecia como opressores da igreja, eles são agrupados sob duas categorias: “o diário” e “a transgressão assoladora”. A Medo-Pérsia era pagã; a Grécia era pagã; Roma, em sua primeira fase, foi pagã. Todos esses estão contidos no “diário”. Então vem a forma papal — a “transgressão assoladora” — um prodígio de astúcia e artimanhas, a encarnação diabólica da crueldade e sede de sangue. Não é de se espantar que o clamor dos mártires sofredores, ao longo das eras, seja: “Até quanto, Senhor, até quando?”. E também não causa surpresa o fato de o Senhor ter descortinado à frente deles o véu do futuro, mostrando-lhes os acontecimentos consecutivos da história mundial até esses poderes perseguidores serem totalmente destruídos para sempre, dando-lhes vislumbres das glórias inefáveis do além, em sua eterna herança, a fim de que a esperança não se extinguisse por completo do coração de cada um. DAP 140.1

Os olhos do Senhor estão sobre Seu povo. A fornalha não será aquecida mais do que o necessário para consumir o refugo. É mediante muita tribulação que entraremos no reino; e a palavra tribulação se origina de tribulum, uma placa de debulha. Golpe após golpe nos deve ser desferido, até o trigo ficar livre da palha e estarmos prontos para a colheita celeste. Nenhum grão de trigo se perderá. O Senhor diz ao Seu povo: “Vós sois o sal da Terra e a luz do mundo”. A seus olhos, nada mais na Terra tem consequências relevantes ou de alguma importância. Por isso é feita aqui a pergunta peculiar: “Até quando a visão acerca do diário e da transgressão assoladora?” Em relação a quê? À glória dos reinos terrenos? À habilidade de guerreiros renomados? À fama de conquistadores poderosos? À grandeza do império humano? Não, mas a respeito do santuário e do exército, do povo e da adoração ao Altíssimo. Até quando eles serão pisoteados? É nisso que todo o interesse e a simpatia do Céu se concentram. Aquele que mexe com o povo de Deus, não lida com meros mortais, fracos e desamparados, mas com a própria Onipotência. Ele abre uma conta que deverá ser paga no foro celeste. E logo todas essas contas serão acertadas, o próprio calcanhar férreo da opressão será esmagado e o povo será tirado da fornalha pronto para brilhar como estrelas para todo o sempre. Ser alvo do interesse dos seres celestiais, alguém cuja providência divina está engajada em preservar nesta vida e coroar com imortalidade na futura — que posição mais exaltada! Muito superior à de qualquer rei, presidente, ou potentado da Terra. Leitor, você pertence a esse grupo? DAP 140.2

Neste capítulo, não há informações para determinar qual é o início e o fim das 2.300 tardes e manhãs, introduzidas pela primeira vez no versículo 14, nem para definir que parte da história mundial elas abrangem. Assim, é necessário, por enquanto, deixá-las de lado. Mas damos ao leitor a garantia de que não somos deixados na incerteza quanto a esses dias. A declaração acerca desse período faz parte de uma revelação dada para instrução do povo de Deus. Em consequência, deve ser compreendida. Ele é mencionado no meio de uma profecia em que o anjo Gabriel recebeu a ordem de fazer Daniel compreendê-lo. E pode-se presumir com segurança que, em algum momento, Gabriel cumpriu essas instruções. Logo se descobrirá que o mistério que paira sobre os 2.300 dias neste capítulo é solucionado no seguinte. DAP 140.3

O santuário. Ligado às 2.300 tardes e manhãs se encontra outro tema de igual importância, que agora se apresenta para consideração, a saber, o santuário. E a ele se relaciona a questão da purificação. O estudo desses assuntos revela a importância de compreender o início e o término dos 2.300 dias, a fim de sabermos quando a “purificação do santuário” acontecerá. Pois todos os habitantes da Terra, como ficará claro no momento certo de nosso estudo, têm um interesse pessoal nessa obra solene. DAP 141.1

Vários objetos têm sido identificados, por diferentes pessoas, como o santuário aqui mencionado: 1) a Terra; 2) a terra de Canaã; 3) a igreja; 4) o santuário, o “verdadeiro tabernáculo, que o Senhor erigiu, não o homem”, o qual se acha no Céu e do qual o tabernáculo judaico era um tipo, padrão ou figura (Hebreus 8:1-2; 9:23-24). Tais afirmações conflitantes devem ser decididas pelas Escrituras; e, felizmente, o testemunho contido nelas não é escasso, nem ambíguo. DAP 141.2

1. A Terra é o santuário? A palavra santuário ocorre 144 vezes no Antigo e no Novo Testamentos. Com base nas definições dos lexicógrafos e de seu uso na Bíblia, descobrimos que significava um lugar santo ou sagrado, a morada do Altíssimo. Portanto, se a Terra é o santuário, deve corresponder a essa definição. Mas qual característica desta Terra satisfaria à definição? Ela não é um lugar santo, nem sagrado, nem a morada do Altíssimo. Não traz consigo nenhuma marca distintiva, a não ser a de se tratar de um planeta revoltado, manchado pelo pecado, marcado e definhado pela maldição. Além disso, em nenhum lugar das Escrituras este planeta é chamado de santuário. Somente um texto pode ser usado para favorecer esse ponto de vista — e isso se for feita uma aplicação acrítica. Isaías 60:13 diz: “A glória do Líbano virá a ti; o cipreste, o olmeiro e o buxo, conjuntamente, para adornarem o lugar do Meu santuário; e farei glorioso o lugar dos Meus pés”. Sem dúvida, essas palavras se referem à nova Terra. No entanto, nem nesse caso ela é chamada de santuário, mas apenas de “lugar” do santuário, assim como é chamada de “lugar” ou “estrado” para os pés do Senhor, expressão que provavelmente denota a presença contínua de Deus em meio a Seu povo, conforme foi revelado a João quando lhe foi dito: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles” (Apocalipse 21:3). Logo, tudo o que se pode dizer acerca da Terra é que, quando renovada, ela será o lugar onde o santuário de Deus será colocado. Não apresenta nem uma sombra do indício de ser um santuário no presente, ou o santuário da profecia. DAP 141.3

2. A terra de Canaã é o santuário? Se formos governados pela definição da palavra, o argumento de que Canaã seja o santuário é tão infundado quanto o de que a Terra o é. Se indagarmos onde na Bíblia Canaã é chamada de santuário, alguns textos são apresentados por alguns que supostamente trazem o testemunho necessário. O primeiro deles é Êxodo 15:17. Moisés, em seu cântico de triunfo e louvor a Deus após a travessia do Mar Vermelho, exclamou: “Tu o introduzirás e o plantarás no monte da Tua herança, no lugar que aparelhaste, ó Senhor, para a Tua habitação, no santuário, ó Senhor, que as tuas mãos estabeleceram”. Um escritor que defende essa passagem como prova de que Canaã é o santuário da profecia diz: “Peço ao leitor que pare, examine e defina a questão de forma muito categórica antes de ir além. A qual santuário se faz referência aqui?” Mas seria muito mais seguro ao leitor não tentar definir a questão de maneira definitiva com base em um texto isolado antes de compará-lo com outras passagens bíblicas. Moisés fala aqui em antecipação. Suas palavras são uma predição do que Deus faria por Seu povo. Vejamos como isso se cumpriu. Se descobrirmos, no cumprimento, que a terra na qual foram plantados é chamada de santuário, o argumento que se baseia nesse versículo será muito fortalecido. Em contrapartida, se encontrarmos uma distinção clara entre a terra e o santuário, então Êxodo 15:17 deverá ser interpretado levando em conta isso. Voltamo-nos para Davi, que registrou como história aquilo que Moisés proferiu como profecia. Em Salmos 78:53-54, o salmista fala da libertação de Israel da escravidão egípcia e de seu estabelecimento na terra prometida. Ele diz: “E os guiou com segurança, e não temeram; mas o mar cobriu os seus inimigos. E conduziu-os até ao limite do Seu santuário, até este monte que a Sua destra adquiriu” (ARC). O “monte” aqui mencionado por Davi é o mesmo “monte da tua herança” a que Moisés se refere, no qual o povo seria plantado. A esse monte Davi chama, não de santuário, mas apenas de limite do santuário. O que, então, era o santuário? O versículo 69 do mesmo salmo nos informa: “E construiu o Seu santuário durável como os céus e firme como a terra que fundou para sempre”. A mesma distinção entre o santuário e a terra é destacada na oração do bom rei Josafá, em 2 Crônicas 20:7-8: DAP 141.4

“Porventura, ó nosso Deus, não lançaste fora os moradores desta terra de diante do Teu povo de Israel e não a deste para sempre à posteridade de Abraão, Teu amigo? Habitaram nela e nela edificaram um santuário ao Teu nome”. DAP 142.1

Analisando o texto sozinho, alguns tentam inferir, com base em Êxodo 15:17 que o monte era o santuário; mas quando o ligamos à linguagem usada por Davi, que registra o cumprimento da predição de Moisés e um comentário inspirado sobre suas palavras, tal ideia não se sustenta, pois Davi diz com toda clareza que o monte era apenas o “limite” do santuário. E que, nesse limite, ou terra, o santuário foi construído de maneira durável, uma referência ao belo templo dos judeus, o centro e símbolo de toda a adoração desse povo. Mas quem lê Êxodo 15:17 com cuidado, percebe que nem mesmo é necessária uma inferência de que Moisés, pela palavra santuário, denota o monte da herança, muito menos toda a terra da Palestina. Usando a liberdade da licença poética, ele lança mão de expressões elípticas e passa rapidamente de uma ideia para a outra, ou de um objeto para o outro. Primeiro, a herança prende sua atenção e ele fala sobre isso; em seguida, o fato de que o Senhor habitaria ali; depois, o lugar que ele providenciaria para Sua morada, a saber, o santuário cuja construção ordenaria. Assim Davi associa o monte Sião e Judá em Salmo 78:68, pois Sião se localizava em Judá. DAP 142.2

As três passagens, Êxodo 15:17, Salmo 78:54 e 69, são as principais usadas para provar que a terra de Canaã é o santuário. O mais singular, porém, é que as duas últimas, em linguagem clara, esclarecem a ambiguidade da primeira e contestam totalmente a declaração baseada nelas. DAP 143.1

Havendo refutado a principal prova sobre o assunto, não vale a pena dedicar tempo aos textos que só permitem extrair inferências. Contudo, como existe apenas um dessa categoria, faremos referência a ele, para que nada seja passado por alto. Isaías 63:18 diz: “Só por breve tempo foi o país possuído pelo Teu santo povo; nossos adversários pisaram o Teu santuário”. Essas palavras podem ser aplicadas tanto ao templo quanto à terra, pois, quando a terra foi conquistada pelos inimigos de Israel, o templo ficou em ruínas. Tal fato é afirmado com toda clareza no versículo 11 do capítulo seguinte: “O nosso templo santo e glorioso, em que nossos pais Te louvavam, foi queimado; todas as nossas coisas preciosas se tornaram em ruínas”. DAP 143.2

Expressamos ainda mais um pensamento acerca do planeta ou da terra de Canaã como o santuário. Se qualquer um deles constituísse o santuário, não só deveria ser descrito como tal em algum lugar, como também a mesma ideia deveria ser conduzida até o fim, e a purificação da Terra ou da Palestina precisaria ser chamada de purificação do santuário. A Terra de fato está contaminada e será purificada pelo fogo. Conforme veremos, porém, o fogo não é o agente usado na purificação do santuário. E essa purificação da Terra, ou de qualquer parte dela, em nenhuma parte da Bíblia é chamada de purificação do santuário. DAP 143.3

3. A igreja é o santuário? A desconfiança evidente com a qual essa ideia é sugerida consiste praticamente em uma negação do argumento antes mesmo que seja apresentado. O único texto citado para apoiar a ideia é Salmo 114:1-2: “Quando saiu Israel do Egito, e a casa de Jacó, do meio de um povo de língua estranha, Judá se tornou o Seu santuário, e Israel, o Seu domínio”. Se interpretarmos essa passagem em seu sentido mais literal, o que isso prova a respeito do santuário? Que este se confinava a uma das doze tribos; logo, apenas uma porção da igreja, não toda ela, constitui o santuário. Mas isso, pouco dizendo respeito à teoria em consideração, nada prova. O motivo de Judá ser chamada de santuário no texto citado não deve provocar perplexidade se nos lembrarmos de que Deus escolheu Jerusalém, cidade localizada em Judá, para ser o lugar de Seu santuário. Davi diz: “Escolheu, antes, a tribo de Judá, o monte Sião, que Ele amava. E construiu o Seu santuário durável como os Céus e firme como a Terra que fundou para sempre”. A passagem mostra claramente a conexão existente entre Judá e o santuário. A tribo em si não era o santuário, mas é mencionada em meio a esse assunto quando Israel saiu do Egito, porque Deus tinha o propósito de colocar Seu santuário dentro do território dessa tribo. Entretanto, mesmo que se conseguisse demonstrar que a igreja é chamada de santuário em algum lugar, isso não teria consequências para nosso propósito presente, que é determinar em que consiste o santuário de Daniel 8:13-14; pois, nessa passagem, a igreja é mencionada como outro objeto: “é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados”. Ninguém questiona que o termo exército se refere à igreja; logo, o santuário consiste em um objeto diferente. DAP 143.4

4. O templo no Céu é o santuário? Resta-nos apenas essa hipótese a analisar, a saber, a de que o santuário mencionado na passagem é o que Paulo chama em Hebreus de “verdadeiro tabernáculo, que o Senhor erigiu, não o homem”, ao qual ele dá o nome claro de “santuário” e que se localiza “nos Céus”. Na primeira dispensação, tal santuário encontrava um padrão, tipo ou uma figura primeiro no tabernáculo construído por Moisés e depois no templo de Jerusalém. É preciso destacar de maneira especial que, no ponto de vista aqui sugerido, repousa nossa única esperança de entender essa questão, pois já vimos que todas as outras posições são insustentáveis. Nenhum dos outros objetos passíveis de corresponder ao santuário — a Terra, Canaã ou a igreja — são capazes, por um instante sequer, de embasar tal afirmação. Logo, se não encontrarmos essa correspondência no objeto à nossa frente, podemos abandonar a busca em completo desespero. Precisaremos descartar boa parte da revelação como se permanecesse não revelada e tirar das páginas sagradas as diversas passagens que falam sobre o assunto, por serem uma leitura basicamente inútil. Logo, todos aqueles que, em vez de negligenciarem um assunto tão importante, se mostrarem dispostos a deixar de lado todas as opiniões preconcebidas e perspectivas acariciadas, abordarão essa posição com ansiedade intensa e interesse sem limites. Tomarão posse de qualquer evidência que nos possa ser apresentada, como alguém desnorteado em meio a um labirinto escuro se apegaria ao único fio capaz de conduzi-lo de volta à luz. DAP 144.1

É uma postura segura nos imaginar no lugar de Daniel e considerar a questão do ponto de vista dele. O que ele entenderia como santuário ao receber essas mensagens? Se conseguirmos identificar isso, não será difícil chegar às conclusões corretas sobre o assunto. A menção dessa palavra inevitavelmente faria sua mente se voltar ao santuário daquela dispensação. Sem dúvida, ele sabia muito bem o que ele era. Com efeito, sua mente se dirigiriu a Jerusalém, a cidade de seus antepassados, que se encontrava em ruínas, e para sua “santa e gloriosa casa”, que, segundo o lamento de Isaías (64:11, ARC), fora queimada. Então, como era seu hábito, sua face se voltou para o lugar onde antes ficava o venerado templo; ele orou, então, a Deus pedindo que Seu rosto resplandecesse sobre o santuário, o qual se encontrava desolado. Fica evidente que Daniel compreendeu a palavra santuário como o templo de Jerusalém. DAP 144.2

Mas é Paulo quem dá o testemunho mais explícito a esse respeito, em Hebreus 9:1: “Ora, a primeira aliança também tinha preceitos de serviço sagrado e o seu santuário terrestre”. É exatamente esse ponto que estamos preocupados em determinar: qual era o santuário da primeira aliança? Paulo prossegue e nos conta. Ouça-o, nos versículos 2-5: DAP 144.3

“Com efeito, foi preparado o tabernáculo, cuja parte anterior, onde estavam o candeeiro, e a mesa, e a exposição dos pães, se chama o Santo Lugar; por trás do segundo véu, se encontrava o tabernáculo que se chama o Santo dos Santos, ao qual pertencia um altar de ouro para o incenso e a arca da aliança totalmente coberta de ouro, na qual estava uma urna de ouro contendo o maná, o bordão de Arão, que floresceu, e as tábuas da aliança; e sobre ela, os querubins de glória, que, com a sua sombra, cobriam o propiciatório. Dessas coisas, todavia, não falaremos, agora, pormenorizadamente”. DAP 144.4

Não resta dúvida quanto ao objeto que Paulo tinha em mente. Trata-se do tabernáculo erigido por Moisés seguindo as instruções do Senhor (que mais tarde se transformou no templo de Jerusalém), com um lugar santo e outro santíssimo, além de vários utensílios próprios para o serviço, conforme aqui mencionados. Êxodo 25 em diante traz uma descrição completa da construção, dos diversos móveis e utensílios, bem como do uso de cada um. Se o leitor não estiver familiarizado com o assunto, é importante fazer a leitura e examinar de perto a descrição do templo. Paulo afirma claramente que esse foi o santuário da primeira aliança. E gostaríamos que o leitor observasse com cuidado o valor lógico dessa declaração. Ao nos contar o que foi o santuário por um tempo, Paulo nos coloca no caminho certo de investigação. Ele nos deixa uma base a partir da qual podemos trabalhar. Por um tempo, o campo está livre de toda dúvida e de qualquer obstáculo. Durante o tempo que a primeira aliança abrange, a qual durou do Sinai a Cristo, temos diante de nós um objeto distinto e definido com clareza, descrito minuciosamente por Moisés e identificado por Paulo como o santuário daquela época. DAP 146.1

Mas as palavras de Paulo têm uma significância ainda maior do que a identificação do santuário. Elas invalidam para sempre os argumentos expressos a favor da Terra, de Canaã ou da igreja como o santuário. Pois os argumentos usados para provar que são o santuário em qualquer época, provariam que também o eram na antiga dispensação. Se Canaã foi o santuário em algum momento, assim o era quando Israel foi plantado nessa terra. Se a igreja alguma vez foi o santuário, assim o era quando Israel foi tirado do Egito. Se o planeta Terra alguma vez foi o santuário, também o era no período que estamos comentando. A esse período, os argumentos usados a favor de cada um desses pontos de vista se aplicam tão bem quanto a qualquer outro período. E se não eram o santuário nessa época, então ficam destruídos todos os argumentos que demonstrariam que já foram ou poderiam ser o santuário. Mas eles eram o santuário nessa época? Essa é a pergunta final para tais teorias. E Paulo define na negativa, descrevendo para nós o tabernáculo de Moisés e nos contando que este — não a Terra, nem Canaã, nem a igreja — era o santuário daquela dispensação. DAP 146.2

E esse templo corresponde em todos os aspectos à definição do termo e ao uso para o qual o santuário fora designado. DAP 146.3

1. Era a morada terrena de Deus. “E Me farão um santuário”, disse Deus a Moisés, “para que Eu possa habitar no meio deles (Êxodo 25:8). Nesse tabernáculo, que construíram segundo as instruções do Senhor, Este manifestou Sua presença. 2. Era um lugar santo, ou sagrado — “o santo santuário” (Levítico 16:33). 3. Na Palavra de Deus, ele é chamado vez após vez de santuário. Das 140 vezes em que a palavra é usada no Antigo Testamento, em quase todos os casos se refere a ele. DAP 146.4

A princípio, o tabernáculo foi construído de um modo adaptável à condição dos filhos de Israel na época. Eles estavam iniciando os quarenta anos de peregrinação pelo deserto quando esse edifício foi erigido no meio deles para ser a habitação de Deus e o centro de sua adoração. As viagens eram necessárias e as mudanças, frequentes. Logo, era preciso que o tabernáculo fosse transportado diversas vezes de um lugar para o outro. Por isso, foi produzido com partes móveis. As laterais eram feitas de tábuas retas, e a cobertura consistia de cortinas de linho e pele tingida de animais, as quais podiam ser retiradas com facilidade, transportadas com conveniência e facilmente montadas a cada etapa da jornada. Após a entrada na terra prometida, essa estrutura temporária deu lugar ao magnífico templo de Salomão. Dessa maneira mais permanente existiu, com exceção da época em que ficou em ruínas nos dias de Daniel, até sua destruição definitiva pelos romanos em 70 d.C. DAP 146.5

Esse é o único santuário ligado à Terra acerca do qual a Bíblia dá qualquer instrução ou sobre o qual a história registra. Mas não existiria outro em nenhum lugar? Esse foi o santuário da primeira aliança e, junto com ela, chegou ao fim. Não haveria santuário ligado à segunda ou à nova aliança? É preciso haver; caso contrário, falta uma analogia entre essas alianças. E, nesse caso, a primeira aliança teria um sistema de adoração que, embora descrito em minúcias, seria ininteligível, e a segunda aliança teria um sistema de adoração indefinido e obscuro. E Paulo, em essência, afirma que a nova aliança, em vigor desde a morte de Cristo, o testador, tem um santuário; pois, ao estabelecer o contraste entre as duas, como faz no livro de Hebreus, diz no capítulo 9:1 que a primeira aliança “também tinha preceitos de serviço sagrado e o seu santuário terrestre”. Isso é o mesmo que afirmar que a nova aliança tem igualmente seu serviço e o próprio santuário. Além disso, no versículo 8 desse capítulo, ele fala do santuário terreno como o primeiro tabernáculo. Se aquele foi o primeiro, então deve haver um segundo. E assim como o primeiro tabernáculo existiu somente enquanto a primeira aliança estava em vigor, quando esta chegou ao fim, o segundo tabernáculo assumiu o lugar do primeiro, sendo preciso haver um santuário na nova aliança. Não há como escapar dessa conclusão. DAP 147.1

Onde, então, devemos procurar pelo santuário da nova aliança? Paulo, ao usar a palavra também em Hebreus 9:1, sugere que já havia falado antes sobre esse santuário. Se voltarmos para o início do capítulo anterior, o encontraremos resumindo seus argumentos prévios da seguinte forma: “Ora, o essencial das coisas que temos dito é que possuímos tal sumo sacerdote, que se assentou à destra do trono da Majestade nos Céus, como ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem” (8:1-2). Há alguma dúvida de que encontramos nessa passagem o santuário da nova aliança? Há uma alusão clara ao santuário da primeira aliança. Aquele foi erigido pelo homem, por Moisés; já este foi construído pelo Senhor, não por seres humanos. Aquele era o local onde os sacerdotes terrenos desempenhavam seu ministério; este é o lugar no qual ministra Cristo, o Sumo Sacerdote da nova aliança. Aquele se localizava na Terra; já este, no Céu. Assim, o primeiro foi chamado de maneira muito apropriada por Paulo de “santuário terrestre”; já o segundo, de “celestial”. DAP 147.2

Esse ponto de vista se sustenta ainda mais pelo fato de que o santuário construído por Moisés não foi uma estrutura original, mas, sim, erigido de acordo com um modelo. O grande original existia em algum outro lugar. O que Moisés construiu foi apenas um tipo ou cópia. Leia as instruções que o Senhor lhe deu a esse respeito: “Segundo tudo o que Eu te mostrar para modelo do tabernáculo e para modelo de todos os seus móveis, assim mesmo o fareis” (Êxodo 25:9). “Vê, pois, que tudo faças segundo o modelo que te foi mostrado no monte” (v. 40). Confira mais informações a esse mesmo respeito em Êxodo 26:30; 27:8; Atos 7:44. DAP 147.3

Do que o santuário terrestre era tipo ou figura? Resposta: do santuário da nova aliança, o “verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem”. A relação entre a primeira aliança e a segunda é a de tipo e antítipo. Seus sacrifícios eram tipos do sacrifício maior desta dispensação; seus sacerdotes eram tipos de nosso Senhor, em Seu sacerdócio mais perfeito; o ministério deles era realizado à sombra e segundo o exemplo do ministério de nosso Sumo Sacerdote celestial. E o santuário onde ministravam eram um tipo ou figura do verdadeiro santuário no Céu, onde o Senhor realiza Seu ministério. DAP 148.1

Todos esses fatos são expressos claramente por Paulo em Hebreus 8:4-5: DAP 148.2

“Ora, se Ele [Cristo] estivesse na Terra, nem mesmo sacerdote seria, visto existirem aqueles que oferecem os dons segundo a lei, os quais ministram em figura e sombra das coisas celestes, assim como foi Moisés divinamente instruído, quando estava para construir o tabernáculo; pois diz ele: Vê que faças todas as coisas de acordo com o modelo que te foi mostrado no monte.” DAP 148.3

Esse testemunho revela que o ministério dos sacerdotes terrestres era uma sombra do sacerdócio de Cristo; e a evidência apresentada por Paulo para provar o fato se encontra na orientação que Deus deu a Moisés para que construísse o tabernáculo segundo o modelo que lhe fora mostrado no monte. Isso mostra claramente que o padrão mostrado a Moisés no monte se identifica com o santuário ou verdadeiro tabernáculo no Céu, onde o Senhor ministra, mencionado três versículos antes. DAP 148.4

Em Hebreus 9:8-9, Paulo diz ainda: “Querendo com isto dar a entender o Espírito Santo que ainda o caminho do Santo Lugar [grego, santos lugares, plural] não se manifestou, enquanto o primeiro tabernáculo continua erguido. É isto uma parábola para a época presente”. Enquanto o primeiro tabernáculo existia e a primeira aliança estava em vigor, a ministração do tabernáculo mais perfeito e da obra da nova aliança não era é, naturalmente, levada adiante. Mas quando chegou Cristo, o Sumo Sacerdote das coisas boas por vir, quando o primeiro tabernáculo cumpriu seu propósito e a primeira aliança cessou, então Jesus foi elevado ao trono da Majestade nos Céus como ministro do verdadeiro santuário. Ali entrou pelo próprio sangue (v. 12) “no Santo dos Santos [aqui o grego também traz o plural, os lugares santos], uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção”. Assim, o primeiro tabernáculo era uma figura desses lugares santos celestiais para a época já presente ao Paulo escrever essas palavras. Caso sejam necessários ainda mais testemunhos, no versículo 23, ele fala do tabernáculo terrestre com seus compartimentos e móveis como figuras das coisas no Céu ; e no versículo 24, chama o santuário feito por mãos, isto é, o tabernáculo terrestre construído por Moisés, de figura do verdadeiro, ou seja, do tabernáculo no Céu. DAP 148.5

Tal ponto de vista é fortalecido ainda mais pelo testemunho de João. Dentre as coisas que recebeu permissão para contemplar no Céu, viu sete candelabros de fogo queimando diante do trono (Apocalipse 4:5), um altar de incenso e um incensário de ouro (8:3); vislumbrou a arca da Aliança de Deus (11:9), e tudo isso em conexão com um “templo” no Céu (Apocalipse 11:19; 15:8). Todo leitor da Bíblia reconhece que esses móveis faziam parte do santuário. Eles devem sua existência ao santuário e se confinavam a ele, a fim de serem usados no serviço ligado ao templo. Assim como, se não houvesse santuário, eles não existiriam, podemos saber que, onde quer que os encontremos, ali haverá um santuário. Portanto, o fato de João ter visto tais coisas no Céu nesta dispensação é prova de que existe um santuário ali, e ele recebeu permissão para contemplá-lo. DAP 148.6

Por mais relutante que alguém esteja em reconhecer a existência de um santuário no Céu, com certeza, o testemunho apresentado é suficiente para provar o fato. Paulo disse que o tabernáculo de Moisés era o santuário da primeira aliança. Moisés relatou que Deus lhe mostrou um modelo no monte, segundo o qual deveria erigir o tabernáculo. Paulo testifica ainda que Moisés o fez de acordo com o padrão e que este era o verdadeiro tabernáculo no Céu, o qual o Senhor edificou, e não o ser humano; e que o tabernáculo erigido com mãos era, em verdade, uma figura ou representação do santuário celestial. Por fim, João, ratificando a declaração de Paulo sobre a existência desse santuário no Céu, dá o testemunho ocular de que o contemplou ali. Que outro tipo de testemunho é necessário? Ou melhor, o que mais é concebível? DAP 149.1

Temos agora um todo harmonioso no que se refere à pergunta do que constitui o santuário. O santuário da Bíblia — que todos se atentem para isso, e que conteste o fato quem puder — consiste, em primeiro lugar, no tabernáculo típico erigido em meio aos hebreus no êxodo do Egito, o santuário da primeira aliança; em segundo lugar, no verdadeiro tabernáculo no Céu, do qual o primeiro era um tipo ou uma figura, o santuário da nova aliança. Eles se encontram inseparavelmente ligados como tipo e antítipo. Do antítipo voltamos para o tipo e do tipo somos conduzidos natural e inevitavelmente para o antítipo. DAP 149.2

Dissemos que Daniel entenderia de imediato que a palavra santuário se referia ao santuário de seu povo em Jerusalém, assim como qualquer outra pessoa em sua dispensação. Mas a declaração de Daniel 8:14 faz referência a esse santuário? Isso depende do tempo ao qual ela se aplica. Todas as afirmações sobre o santuário que se aplicam à velha dispensação dizem respeito, é claro, ao santuário dessa dispensação; e todas as declarações que aludem à dispensação atual devem fazer menção ao santuário desta dispensação. Se as 2.300 tardes e manhãs, cujo fim marcaria a purificação do santuário, terminaram na velha dispensação, então o santuário a ser purificado é o dessa época. Caso elas se estendam até esta dispensação, então o santuário ao qual alude é o santuário desta dispensação — o santuário da nova aliança no Céu. Essa é uma questão que só pode ser determinada por um argumento adicional sobre os 2.300 dias que será apresentado nos comentários sobre Daniel 9:24, onde o assunto do tempo é retomado e explicado. DAP 149.3

Aquilo que dissemos até agora acerca do santuário é apenas periférico em relação ao tema principal da profecia. A questão chave gira em torno da sua purificação. “Até 2.300 tardes e manhãs; e o santuário será purificado”. Mas era necessário definir primeiro em que consiste o santuário antes de podermos examinar com propriedade a questão de sua purificação. Agora estamos preparados para isso. DAP 149.4

Depois de descobrir o que constitui o santuário, logo é possível definir o questionamento sobre sua purificação e como ela é realizada. Já foi observado que, não importa o que significa o santuário da Bíblia, este precisa ter algum serviço ligado a ele chamado de purificação. Não há nenhum relato na Bíblia de qualquer obra dessa natureza em relação à Terra, a Canaã ou à igreja. Essa é uma boa evidência de que nada disso constituía o santuário. Existe tal serviço conectado com o objeto que demonstramos ser o santuário e que recebe o nome de purificação tanto em referência ao edifício terreno quanto ao templo celestial. DAP 150.1

O leitor é contrário à ideia de que alguma coisa no Céu necessita de purificação? Essa é uma barreira para a aceitação do ponto de vista aqui apresentado? Então sua controvérsia não é com essa obra, mas, sim, com Paulo, que afirma tal fato sem deixar espaço para dúvidas. Mas antes de ir contra o apóstolo, pedimos ao opositor que examine com cuidado qual é a natureza dessa purificação, já que, sem dúvida, sua dificuldade se deve a uma total incompreensão. A seguir se encontram os termos claros com os quais Paulo declara a purificação tanto do santuário terreno quanto do celestial: DAP 150.2

“Com efeito, quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e, sem derramamento de sangue, não há remissão. Era necessário, portanto, que as figuras das coisas que se acham nos Céus se purificassem com tais sacrifícios, mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios a eles superiores” (Hebreus 9:22-23). DAP 150.3

À luz dos argumentos anteriores, o texto pode ser parafraseado da seguinte maneira: DAP 150.4

“Era necessário, portanto, que o tabernáculo erigido por Moisés, com seus utensílios sagrados, os quais eram cópias do verdadeiro santuário no Céu, fossem purificados, ou limpos, com o sangue de bezerros e bodes. Mas as próprias coisas celestiais, o santuário desta dispensação, o verdadeiro tabernáculo, que o Senhor edificou, não o homem, deve ser purificado com sacrifícios superiores, a saber, com o sangue de Cristo”. DAP 150.5

Agora nos perguntamos: qual é a natureza dessa purificação e como ela é realizada? De acordo com a linguagem de Paulo, que acabamos de citar, é feita por meio do sangue. Logo, a purificação não consiste na limpeza de alguma sujeira ou impureza física, pois o sangue não é o agente usado para esse tipo de serviço. Tal consideração já deveria convencer a mente do opositor com respeito à purificação das coisas celestiais. O fato de Paulo falar de coisas celestiais que precisam ser purificadas não quer dizer que haja qualquer impureza física no Céu, pois não é a esse tipo de purificação que ele se refere. Paulo explica que essa purificação é realizada com o sangue porque sem derramamento de sangue não há remissão. DAP 150.6

Portanto, a remissão, ou seja, a obra de retirar o pecado é que necessita ser feita. Não se trata de uma limpeza física, mas, sim, da purificação do pecado. Como os pecados passam a ter ligação com o santuário, seja no tabernáculo terrestre ou no celestial, para que este necessite ser purificado? Tal pergunta é respondida pela ministração ligada ao tipo, a qual passaremos a abordar. DAP 150.7

Os capítulos finais de Êxodo nos trazem um relato da construção do santuário terrestre e a disposição do serviço a ele conectado. Levítico inicia com o registro da ministração que ali era realizada. Nosso propósito é chamar a atenção apenas para um aspecto específico do serviço do santuário, que era executado da seguinte maneira: o indivíduo que havia pecado levava sua vítima para a porta do tabernáculo. Colocava a mão, por um instante, sobre a cabeça do animal; e é razoável inferir que confessava sobre ele seu pecado. Por meio desse ato expressivo, ele admitia que havia pecado e era digno de morrer, mas, em seu lugar, consagrava a vítima e para ela transferia a culpa. Então, com as próprias mãos (que emoções deveria estar sentindo!) tirava a vida da vítima por causa da culpa. A lei exigia a vida do transgressor por sua desobediência — a vida se encontra no sangue (Levítico 17:11, 14). Portanto, sem derramamento de sangue não há remissão; com o derramamento de sangue, a remissão é possível, pois a lei, que exige a vida do transgressor, é dessa forma satisfeita. O sangue da vítima, representando uma vida merecidamente perdida e servindo como veículo de sua culpa, era então levado ao santuário pelo sacerdote, que o ministrava perante o Senhor. DAP 151.1

Assim, mediante a confissão, a morte da vítima e o ministério do sacerdote, o pecado do indivíduo era transferido para o santuário. Vítima após vítima era oferecida dessa maneira pelo povo. A obra seguia em frente dia após dia. Dessa forma, o santuário se tornava receptáculo contínuo dos pecados da congregação. Mas essa não era a solução final para esses pecados. A culpa acumulada era removida por meio de um serviço especial, chamado de purificação do santuário. No tipo, tal serviço ocorria uma vez por ano; e o décimo dia do sétimo mês, no qual era realizado, era chamado de Dia da Expiação. Nesse dia, todo o Israel se abstinha do trabalho e afligia a alma. O sacerdote conduzia dois bodes e os apresentava perante o Senhor na porta da tenda da congregação. Lançava sorte sobre os animais. Um seria para o Senhor e o outro, o bode expiatório. O bode do Senhor era sacrificado e o sacerdote levava o sangue do animal para o lugar santíssimo do santuário, onde o aspergia sobre o propiciatório. Esse era o único dia no qual recebia permissão para entrar em tal compartimento. Quando saía, impunha ambas as mãos sobre a cabeça do bode expiatório, confessava sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, todas as suas transgressões e todos os pecados, colocando-os, desse modo, sobre a cabeça do bode (Levítico 16:21). Então um homem especialmente designado conduzia o bode para uma terra não habitada, um lugar de separação ou esquecimento, a fim de que nunca mais voltasse ao arraial de Israel. Assim, os pecados do povo nunca mais eram lembrados para sua condenação. Esse ritual tinha o propósito de purificar o povo de seus pecados e de purificar o santuário e seus utensílios (Levítico 16:30, 33). Por meio desse processo, o pecado era removido, mas só em figura, pois toda a obra era típica. DAP 151.2

O leitor que não se encontra familiarizado com o ritual da expiação deve estar se perguntando, talvez com certo espanto, que tipificação era prevista com esse estranho serviço e que obra a ser realizada nesta dispensação ele prefigurava. Respondemos: uma obra semelhante na ministração de Cristo, conforme Paulo ensina com toda clareza. Após afirmar, em Hebreus 8, que Cristo é o ministro do verdadeiro tabernáculo, o santuário no Céu, ele declara que os sacerdotes da Terra serviam como exemplo e sombra das coisas celestiais. Em outras palavras, a obra dos sacerdotes terrestres era uma sombra, um exemplo, uma representação correta, na medida em que consegue ser executada por mortais, da ministração de Cristo no alto. Os sacerdotes ministravam nos dois compartimentos do santuário terreno. Portanto, Cristo ministra em ambos os compartimentos do templo celestial. Com efeito, tal templo possui dois compartimentos, caso contrário não seria corretamente representado pelo terreno; e nosso Senhor oficia em ambos, do contrário o serviço do sacerdote na Terra não seria uma sombra correta da obra de Jesus. Mas Paulo afirma claramente que Ele ministrava nos dois compartimentos, pois diz que entrou no lugar santo (do grego τὰ ἅγια, os lugares santos) por intermédio do próprio sangue (Hebreus 9:12). Logo, há uma obra realizada por Cristo em Seu ministério no templo celestial que corresponde à executada pelos sacerdotes em ambos os compartimentos da construção terrena. Mas o serviço no segundo compartimento, ou lugar santíssimo, era uma obra especial que encerrava o ciclo anual de serviço e purificava o santuário. Portanto, a ministração de Cristo no segundo compartimento do santuário celestial deve ser uma obra de natureza semelhante, constituindo o encerramento de Seu trabalho como nosso grande Sumo Sacerdote, bem como a purificação desse santuário. DAP 151.3

Assim como, mediante os sacrifícios da dispensação antiga, os pecados do povo eram transferidos em figura pelos sacerdotes ao santuário terrestre, onde eles ministravam, desde que Cristo ascendeu para ser nosso intercessor na presença do Pai, os pecados de todos os que buscam sinceramente o perdão por Seu intermédio são transferidos, em realidade, para o santuário celestial onde Ele ministra. Não precisamos nos deter para perguntar se Cristo ministra por nós nos lugares celestiais literalmente com Seu sangue ou somente em virtude de seus méritos. Basta dizer que Seu sangue foi derramado e, mediante esse sangue, a remissão dos pecados está garantida, a qual era obtida apenas em figura por meio do sangue de animais na antiga dispensação. Mas tais sacrifícios tinham virtude genuína pela seguinte razão: eles expressavam fé no sacrifício real que havia de vir. Assim, aqueles que deles lançavam mão gozam dos mesmos benefícios da obra de Cristo disponíveis àqueles que, nesta dispensação, a Ele se achegam pela fé, mediante as ordenanças do evangelho. DAP 152.1

A transferência contínua dos pecados para o santuário celestial — e se eles não são transferidos, quem consegue explicar a natureza da obra de Cristo em nosso favor à luz dos tipos e da linguagem usada por Paulo? –, essa transferência contínua, repetimos, de pecados para o santuário celestial torna necessária a sua purificação pelo mesmo motivo que uma obra semelhante era exigida no santuário terrestre. DAP 152.2

É preciso notar uma distinção importante entre as duas ministrações. No tabernáculo terreno, um ciclo completo de serviço era realizado todos os anos. Ao longo de 359 dias, nos anos comuns, a ministração prosseguia no primeiro compartimento. Uma obra de um dia, realizada no lugar santíssimo, completava o ciclo anual. A obra então começava novamente no lugar santo e continuava até outro Dia da Expiação concluir o trabalho anual. E assim por diante, ano após ano. A contínua repetição da obra era necessária por causa do curto período de vida dos sacerdotes mortais. Mas tal necessidade não existe no caso do nosso Senhor divino, que vive sempre para interceder por nós (cf. Hebreus 7:23-25). Logo, a obra do santuário celestial, em vez de um trabalho anual, é realizada de uma vez por todas. Em vez de se repetir ano após ano, um grande ciclo é levado adiante e concluído, para nunca mais precisar ser feito outra vez. DAP 152.3

Um ano completo de serviço no santuário terreno representava toda a obra do santuário do alto. No tipo, a purificação do santuário constituía uma breve obra que encerrava o serviço anual. No antítipo, a purificação do santuário é a obra final de Cristo, nosso grande Sumo Sacerdote, no tabernáculo celeste. No tipo, a fim de purificar o santuário, o sumo sacerdote entrava no lugar santíssimo e ministrava na presença de Deus perante a arca da aliança. No antítipo, quando chega o momento da purificação do santuário, nosso Sumo Sacerdote, de igual modo, entra no lugar santíssimo para dar fim a Sua obra de intercessão em favor da humanidade. Afirmamos com toda confiança que não é possível chegar a nenhuma outra conclusão sobre esse assunto sem desprezar o testemunho inequívoco da Palavra de Deus. DAP 153.1

Leitor, você consegue perceber agora a importância desse assunto? Consegue compreender como o santuário de Deus deve ser alvo do interesse do mundo inteiro? Consegue ver que toda a obra da salvação está centralizada ali, e que, quando ela terminar, o período da graça estará encerrado e o caso dos salvos e dos perdidos estará eternamente decidido? Reconhece que a purificação do santuário é uma obra breve e especial, por meio da qual o grande plano estará para sempre terminado? Percebe que, se for possível saber quando essa obra de purificação começa, trata-se de um anúncio solene ao mundo de que é chegada a última hora da salvação, a qual logo se aproxima do fim? É isso que a profecia tem o propósito de mostrar, ou seja, tornar conhecido o início dessa obra tremenda. “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”. DAP 153.2

Antes de apresentarmos qualquer argumento sobre a natureza e a aplicação desses dias, pode-se adotar com segurança a posição de que eles devem alcançar o tempo da purificação o santuário celestial, pois o terrestre deveria ser purificado todos os anos. O profeta estaria dizendo coisas sem sentido se interpretássemos que, ao fim de 2.300 dias, um período de mais de seis anos no total, caso os considerarmos de maneira literal, ocorreria um evento que deveria acontecer regularmente todos os anos. O santuário celestial é aquele no qual a decisão de todos os casos será tomada. O progresso da obra ali é algo que deve absorver todo o interesse da humanidade. Se as pessoas compreendessem a importância de tais questões sobre seus interesses eternos, com que avidez e ansiedade dedicariam o mais cuidadoso estudo em oração. Confira nos comentários de Daniel 9:20 em diante um argumento sobre os 2.300 dias, mostrando quando eles terminaram e quando a obra solene da purificação do santuário celestial começou. DAP 153.3

VERSÍCULO 15. Havendo eu, Daniel, tido a visão, procurei entendê-la, e eis que se me apresentou diante uma como aparência de homem. 16. E ouvi uma voz de homem de entre as margens do Ulai, a qual gritou e disse: Gabriel, dá a entender a este a visão. DAP 154.1

Iniciamos agora a interpretação da visão. A primeira coisa com que deparamos é o interesse de Daniel e seus esforços para compreender essas coisas. Ele buscava o sentido. Aqueles que dedicam atenção ávida e cuidadosa às questões proféticas não são aqueles que não se preocupam com elas. Só consegue passar por uma mina de ouro com indiferença aqueles que não sabem da preciosidade que se encontra sob seus pés. Imediatamente ali diante do profeta estava alguém com aparência de homem. O texto não diz que era um homem, como alguns desejam nos enganar, na tentativa de provar que anjos são pessoas mortas, recorrendo a tais passagens como evidência. O versículo diz “uma [...] aparência de homem”, expressão que devemos evidentemente compreender como um anjo em forma humana. E ele ouviu a voz de um homem, isto é, a voz de um anjo em forma humana falando. Este deu uma ordem para que o homem Daniel entendesse a visão. O pedido foi dirigido a Gabriel, nome que significa “o poderoso”. Ele continua sua instrução a Daniel no capítulo 9. Durante a nova dispensação, Gabriel foi comissionado a anunciar o nascimento de João Batista a seu pai Zacarias (Lucas 1:11); e o do Messias à virgem Maria no versículo 26. A Zacarias, apresentou-se com as seguintes palavras: “Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus” (v. 19). Essas palavras parecem indicar que ele era um anjo de ordem elevada e dignidade superior. Mas aquele que se dirigiu a ele sem dúvida ocupava posição ainda mais alta, tendo poder de lhe dar ordens e controlar suas ações. Provavelmente não foi outro senão o arcanjo Miguel, ou Cristo. Somente Ele e Gabriel tinham conhecimento das questões que seriam comunicadas a Daniel (ver capítulo 10:21). DAP 154.2

VERSÍCULO 17. Veio, pois, para perto donde eu estava; ao chegar ele, fiquei amedrontado e prostrei-me com o rosto em terra; mas ele me disse: Entende, filho do homem, pois esta visão se refere ao tempo do fim. 18. Falava ele comigo quando caí sem sentidos, rosto em terra; ele, porém, me tocou e me pôs em pé no lugar onde eu me achava; 19. e disse: Eis que te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ira, porque esta visão se refere ao tempo determinado do fim. DAP 154.3

Em circunstâncias semelhantes às aqui narradas, João se prostrou aos pés de um anjo, mas com o propósito de adoração (Apocalipse 19:10; 22:8). Daniel parece ter ficado completamente subjugado diante da majestade do mensageiro celestial. Ele se prostrou com a face em terra, provavelmente como se estivesse em sono profundo, mas não de fato. A tristeza, é bem verdade, fez os discípulos caírem no sono; mas o medo, como nesse caso, dificilmente teria o mesmo efeito. O anjo bondosamente colocou a mão sobre ele para lhe dar segurança (quantas vezes os mortais foram instruídos a não temer por seres celestiais!), e o tirou da condição de desamparo e prostração, colocando-o de pé. Com a declaração geral de que, no momento designado, o fim viria e que revelaria o que aconteceria no último tempo da ira, Gabriel inicia a interpretação da visão. DAP 154.4

Deve-se entender que a ira abrange certo período de tempo. Mas qual? Deus disse a Seu povo, Israel, que derramaria Sua indignação sobre a perversidade deles; então deu instruções acerca do “príncipe de Israel”, “profano e perverso”: “Tira o diadema e remove a coroa [...]. Ruína! Ruína! A ruínas a reduzirei, e ela já não será, até que venha Aquele a quem ela pertence de direito; a Ele a darei” (Ezequiel 21:25-27, 31). DAP 156.1

A referência aqui é ao período da indignação de Deus contra o povo da aliança, um período no qual o santuário e o exército seriam pisados. O diadema foi removido e a coroa retirada quando Israel foi dominado pelo reino de Babilônia. Foi conquistado mais uma vez pelos medos e persas, novamente pelos gregos e de novo pelos romanos, correspondendo às três vezes que a palavra é repetida pelo profeta. Os judeus, tendo rejeitado a Cristo, logo foram dispersos por toda a face da Terra, e o Israel espiritual substituiu a semente literal. Contudo, mesmo o Israel espiritual se encontra em sujeição aos poderes terrenos e assim continuará até o trono de Davi ser estabelecido de novo — até aquele que é seu herdeiro de direito, o Messias, o Príncipe da paz, aparecer e receber o reino. Quando isso ocorrer, a indignação já terá cessado. O que há de acontecer no último tempo desse período é justamente o que o anjo está prestes a revelar a Daniel. DAP 156.2

VERSÍCULO 20. Aquele carneiro com dois chifres, que viste, são os reis da Média e da Pérsia; 21. mas o bode peludo é o rei da Grécia; o chifre grande entre os olhos é o primeiro rei; 22. o ter sido quebrado, levantando-se quatro em lugar dele, significa que quatro reinos se levantarão deste povo, mas não com força igual à que ele tinha. DAP 156.3

Assim como os discípulos disseram ao Senhor, podemos afirmar acerca do anjo que falou a Daniel: “Agora é que falas claramente e não empregas nenhuma figura” (João 16:29). A explicação da visão é dada em linguagem que não poderia ser mais clara (ver os comentários sobre os versos 3-8). A característica distintiva do império persa, a união das duas nacionalidades que o formavam, é representada pelos dois chifres do carneiro. A Grécia alcançou sua mais elevada glória como unidade sob a liderança de Alexandre, o Grande, o general mais famoso que o mundo já viu. Essa parte da história é representada pela primeira fase do bode, durante a qual o chifre notável simboliza Alexandre, o Grande. Após sua morte, o reino se dividiu em fragmentos, mas se consolidou quase que de imediato em quatro grandes divisões, representadas pela segunda fase do bode, quando tinha quatro chifres que surgiram no lugar do primeiro, o qual se quebrou. Tais divisões não mantiveram o poder alcançado por Alexandre. Nenhuma delas conservou a força do reino original. Esses grandes marcos da história, que dão origem a volumes escritos por historiadores, foram-nos apresentados neste inteligente resumo pelo escritor inspirado com alguns riscos do lápis e uns poucos toques da pena. DAP 156.4

VERSÍCULO 23. Mas, no fim do seu reinado, quando os prevaricadores acabarem, levantar-se-á um rei de feroz catadura e especialista em intrigas. 24. Grande é o seu poder, mas não por sua própria força; causará estupendas destruições, prosperará e fará o que lhe aprouver; destruirá os poderosos e o povo santo. 25. Por sua astúcia nos seus empreendimentos, fará prosperar o engano, no seu coração se engrandecerá e destruirá a muitos que vivem despreocupadamente; levantar-se-á contra o Príncipe dos príncipes, mas será quebrado sem esforço de mãos humanas. DAP 156.5

Este poder surge após as quatro divisões do reino do bode, já em sua fase final, isto é, próximo ao fim de sua carreira. Trata-se, é claro, do mesmo chifre pequeno do versículo 9 em diante. Se aplicado a Roma, conforme explicado nos comentários sobre o versículo 9, tudo ficará harmonioso e claro. DAP 157.1

“Um rei, feroz de cara” (ARC). Moisés, ao prever a punição que sobreviria aos judeus pelas mãos do mesmo poder, o chama de “nação feroz de rosto” (Deuteronômio 28:49-50). Nenhum povo comparecia em batalha em uma disposição bélica tão extraordinária quanto os romanos. “Especialista em intrigas”, ou “entendendo sentenças obscuras” (KJV). Moisés, no texto que acabamos de mencionar, diz: “cuja língua não entenderás”. Isso não poderia ser dito acerca dos babilônios, persas ou gregos em relação aos judeus, pois os idiomas aramaico e grego eram usados em maior ou menor escala na Palestina. Todavia, esse não era o caso do latim. DAP 157.2

“Quando a rebelião dos ímpios tiver chegado ao máximo” (NVI). O tempo inteiro, a conexão entre o povo de Deus e seus opressores é levada em conta. Foi por causa das transgressões de Seu povo que eles foram entregues ao cativeiro. E a persistência no pecado ocasionou uma punição cada vez mais severa. Em nenhuma época os judeus foram mais corruptos, moralmente, como nação, do que na época em que passaram a ficar sob a jurisdição dos romanos. DAP 157.3

“Grande é o seu poder, mas não por sua própria força”. O sucesso dos romanos se devia, em grande parte, ao auxílio de seus aliados e às divisões entre seus inimigos, da qual estavam sempre prontos a tirar vantagem. DAP 157.4

“Causará estupendas destruições”. O Senhor disse aos judeus por intermédio do profeta Ezequiel que os entregaria a homens “mestres de destruição” (21:31). Que descrição mais significativa e aplicável aos romanos! Ao tomarem Jerusalém, eles mataram um milhão e cem mil judeus e fizeram noventa e sete mil cativos. Como destruíram de maneira estupenda esse povo poderoso e santo no passado! DAP 157.5

E aquilo que não conseguiam realizar pela força, empreendiam por meio de artifícios. As bajulações, fraudes e a corrupção eram tão fatais quanto os estrondos da guerra. E Roma, por fim, na pessoa de um de seus governadores, levantou-se contra o Príncipe dos príncipes, dando a sentença de morte a Jesus Cristo. “Mas será quebrado sem esforço de mãos humanas”, expressão que identifica a destruição desse poder com o despedaçamento da estátua do capítulo 2. DAP 157.6

VERSÍCULO 26. A visão da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão, porque se refere a dias ainda mui distantes. 27. Eu, Daniel, enfraqueci e estive enfermo alguns dias; então, me levantei e tratei dos negócios do rei. Espantava-me com a visão, e não havia quem a entendesse. DAP 157.7

“A visão da tarde e da manhã” é a dos 2.300 dias. Ao deparar com o longo período de opressão e as calamidades que sobreviriam a seu povo, Daniel enfraqueceu e ficou doente por uns dias. Ficou perplexo com a visão, mas não a entendeu. Por que Gabriel não desempenhou seu dever dessa vez, dando a Daniel entendimento da visão? Porque Daniel havia recebido tudo que era capaz de suportar. Por isso, instruções adicionais foram adiadas para um momento futuro. DAP 158.1