Daniel e Apocalipse

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Daniel 6 — Daniel na cova dos leões

VERSÍCULO 1. Pareceu bem a Dario constituir sobre o reino a cento e vinte sátrapas, que estivessem por todo o reino; 2. e sobre eles, três presidentes, dos quais Daniel era um, aos quais estes sátrapas dessem conta, para que o rei não sofresse dano. 3. Então, o mesmo Daniel se distinguiu destes presidentes e sátrapas, porque nele havia um espírito excelente; e o rei pensava em estabelecê-lo sobre todo o reino. 4. Então, os presidentes e os sátrapas procuravam ocasião para acusar a Daniel a respeito do reino; mas não puderam achá-la, nem culpa alguma; porque ele era fiel, e não se achava nele nenhum erro nem culpa. 5. Disseram, pois, estes homens: Nunca acharemos ocasião alguma para acusar a este Daniel, se não a procurarmos contra ele na lei do seu Deus. DAP 95.1

A Babilônia foi tomada pelos persas, e Dario, o medo, assumiu o trono em 538 a.C. Dois anos depois, em 536 a.C., com a morte de Dario, Ciro assumiu o trono. Em algum momento entre essas duas datas, aconteceu o evento aqui narrado. DAP 95.2

Daniel foi um dos personagens principais no reino de Babilônia durante o auge de sua glória; desde essa época até o momento em que os medos e os persas assumiram o trono do império universal, ele foi no mínimo residente dessa cidade e familiarizado com todas as questões do reino. Todavia, ele não nos apresenta um relato consecutivo dos eventos que ocorreram durante sua longa conexão com esses reinos. Apenas menciona um acontecimento aqui e outro ali com o objetivo de inspirar fé, esperança e coragem no coração do povo de Deus de todas as eras, levando perseverança na adesão ao que é certo. DAP 95.3

Em Hebreus 11, Paulo faz alusão ao ocorrido que este capítulo relata ao dizer que alguns, pela fé, “fecharam a boca de leões” (v. 33). Dario confiou o reino a 120 príncipes. Supõe-se, portanto, que havia 120 províncias no império, cada uma com seu sátrapa, ou governador. Por meio das vitórias de Cambises e Dario Histaspes, posteriormente foi ampliado para 127 províncias (Ester 1:1). Sobre esses 120 príncipes, foram colocados três e, dentre esses, Daniel era o chefe. Daniel recebeu preferência por causa de seu espírito excelente. Por ter desempenhado um papel tão importante no império de Babilônia, Daniel poderia ter sido considerado inimigo por Dario e ter sido exilado, ou, pior ainda, ter sido executado; ou, por ser um cativo de uma nação em ruínas na época, poderia ter sido desprezado e ignorado. Mas não foi tratado de nenhuma dessas maneiras. Dario, é importante destacar, merece o crédito de ter preferido Daniel sobre todos os outros, pois o rei viu nele um espírito excelente. E o rei o tornou responsável por todo o reino. Por isso, os outros governantes tiveram inveja dele e decidiram destruí-lo. Mas a conduta de Daniel era perfeita em todas as questões do reino. Ele era fiel e verdadeiro. Não conseguiam encontrar motivo para se queixar dele em nada nesse aspecto. Então disseram que não conseguiam encontrar razão para incriminá-lo, a menos no que dizia respeito à lei de seu Deus. Que assim seja conosco! É impossível ter recomendação melhor. DAP 95.4

VERSÍCULO 6. Então, estes presidentes e sátrapas foram juntos ao rei e lhe disseram: Ó rei Dario, vive eternamente! 7. Todos os presidentes do reino, os prefeitos e sátrapas, conselheiros e governadores concordaram em que o rei estabeleça um decreto e faça firme o interdito que todo homem que, por espaço de trinta dias, fizer petição a qualquer deus ou a qualquer homem e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões. 8. Agora, pois, ó rei, sanciona o interdito e assina a escritura, para que não seja mudada, segundo a lei dos medos e dos persas, que se não pode revogar. 9. Por esta causa, o rei Dario assinou a escritura e o interdito. 10. Daniel, pois, quando soube que a escritura estava assinada, entrou em sua casa e, em cima, no seu quarto, onde havia janelas abertas do lado de Jerusalém, três vezes por dia, se punha de joelhos, e orava, e dava graças, diante do seu Deus, como costumava fazer. DAP 96.1

Observe o caminho que esses indivíduos percorreram a fim de cumprir seu propósito nefasto. Eles foram até o rei — fazendo tumulto, diz a margem [na KJV]. Chegaram como se alguma questão urgente tivesse subitamente surgido e eles a foram apresentar em unanimidade ao soberano. Afirmavam que todos tinham concordado. Isso não era verdade, pois Daniel, o chefe de todos eles, não fora nem consultado, é claro. O decreto que sugeriram bajulava a vaidade do rei; logo, prontamente ganhou sua aceitação. Seria uma posição até então inédita, um homem ser o único capaz de conceder favores e receber pedidos por 30 dias. Então o rei, sem imaginar quais seriam as intenções malignas dos sátrapas, assinou o decreto e o sancionou no livro de estatutos como uma das leis inalteráveis dos medos e persas. DAP 96.2

Note a sutileza desses homens — até que ponto as pessoas chegam para arruinar aquilo que é bom. Caso tivessem sugerido o decreto de que nenhum pedido fosse feito ao Deus dos hebreus, que era o verdadeiro desígnio por trás da questão, o rei teria adivinhado o objetivo deles de imediato e não teria assinado o edito. Por isso, fizeram uma aplicação geral, mostrando-se dispostos a ignorar e insultar todo o sistema religioso deles, bem como sua multidão de deuses com o propósito de arruinar aquele que era alvo de seu ódio. DAP 96.3

Daniel previu a conspiração que estava sendo feita contra ele, mas não se deu ao trabalho de impedi-la. Simplesmente confiou em Deus e deixou o problema para Sua providência. Não saiu do império sob o pretexto de trabalho, nem passou a realizar seu momento de devoção em segredo. Quando soube que o edito estava assinado, assim como antes, com o rosto voltado para sua amada Jerusalém, continuou a se ajoelhar no quarto três vezes ao dia, derramando suas preces e súplicas diante de Deus. DAP 96.4

VERSÍCULO 11. Então, aqueles homens foram juntos, e, tendo achado a Daniel a orar e a suplicar, diante do seu Deus, 12. se apresentaram ao rei, e, a respeito do interdito real, lhe disseram: Não assinaste um interdito que, por espaço de trinta dias, todo homem que fizesse petição a qualquer deus ou a qualquer homem e não a ti, ó rei, fosse lançado na cova dos leões? Respondeu o rei e disse: Esta palavra é certa, segundo a lei dos medos e dos persas, que se não pode revogar. 13. Então, responderam e disseram ao rei: Esse Daniel, que é dos exilados de Judá, não faz caso de ti, ó rei, nem do interdito que assinaste; antes, três vezes por dia, faz a sua oração. 14. Tendo o rei ouvido estas coisas, ficou muito penalizado e determinou consigo mesmo livrar a Daniel; e, até ao pôr do sol, se empenhou por salvá-lo. 15. Então, aqueles homens foram juntos ao rei e lhe disseram: Sabe, ó rei, que é lei dos medos e dos persas que nenhum interdito ou decreto que o rei sancione se pode mudar. 16. Então, o rei ordenou que trouxessem a Daniel e o lançassem na cova dos leões. Disse o rei a Daniel: O teu Deus, a quem tu continuamente serves, que Ele te livre. 17. Foi trazida uma pedra e posta sobre a boca da cova; selou-a o rei com o seu próprio anel e com o dos seus grandes, para que nada se mudasse a respeito de Daniel. DAP 96.5

Depois de haver montado a armadilha, só restava a esses homens vigiar sua vítima a fim de capturá-la. Então vieram em tumulto novamente, desta vez na residência de Daniel, como se alguma questão importante os houvesse levado de repente a consultar o chefe dos presidentes; e eis que o encontram exatamente como intencionavam e esperavam: orando a seu Deus. Até aqui tudo funcionara muito bem. Não demoraram para levar a situação ao rei e, para ter ainda mais certeza, receberam a confirmação do monarca de que o decreto estava em vigor. Prontamente delataram Daniel; e observe a estratégia perversa de que lançaram mão para suscitar o preconceito do rei: “Esse Daniel, que é dos exilados de Judá”. Sim, aquele pobre cativo, completamente dependente de ti para receber todos os favores que desfruta, em vez de ser grato e apreciá-los, não te considera, nem presta atenção a teu decreto. Então o rei percebeu a armadilha que fora preparada tanto para ele quanto para Daniel, e se esforçou até o sol se pôr para livrá-lo, provavelmente por meio de esforços pessoais junto aos conspiradores para levá-los a mudar de ideia, ou, com grande empenho, usando argumentos a fim de tentar revogar a lei. Mas eles foram inexoráveis. A lei foi mantida, e Daniel, o venerável, respeitado, reto e impecável servo do reino foi jogado na cova dos leões, para ser devorado por estes, como se fosse um dos mais vis malfeitores. DAP 98.1

VERSÍCULO 18. Então, o rei se dirigiu para o seu palácio, passou a noite em jejum e não deixou trazer à sua presença instrumentos de música; e fugiu dele o sono. 19. Pela manhã, ao romper do dia, levantou-se o rei e foi com pressa à cova dos leões. 20. Chegando-se ele à cova, chamou por Daniel com voz triste; disse o rei a Daniel: Daniel, servo do Deus vivo! Dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem tu continuamente serves, tenha podido livrar-te dos leões? 21. Então, Daniel falou ao rei: Ó rei, vive eternamente! 22. O meu Deus enviou o Seu anjo e fechou a boca aos leões, para que não me fizessem dano, porque foi achada em mim inocência diante Dele; também contra ti, ó rei, não cometi delito algum. 23. Então, o rei se alegrou sobremaneira e mandou tirar a Daniel da cova; assim, foi tirado Daniel da cova, e nenhum dano se achou nele, porque crera no seu Deus. 24. Ordenou o rei, e foram trazidos aqueles homens que tinham acusado a Daniel, e foram lançados na cova dos leões, eles, seus filhos e suas mulheres; e ainda não tinham chegado ao fundo da cova, e já os leões se apoderaram deles, e lhes esmigalharam todos os ossos. DAP 98.2

As ações do rei depois que Daniel foi jogado na cova dos leões demonstram seu interesse genuíno por ele e a condenação severa que sentia pelas escolhas que havia feito em toda essa situação. Assim que raiou o dia, ele correu para a cova onde seu primeiro ministro havia passado a noite na companhia de animais famintos e ferozes. A resposta de Daniel à primeira saudação do monarca não foi uma reprovação pelo rei ter cedido à armação de seus perseguidores, mas, sim, uma expressão de respeito e honra: “Ó rei, vive eternamente!” Depois disso, ele lembrou ao rei que ele não havia cometido nenhum mal perante o soberano — uma afirmação que deve ter atingido em cheio o coração do rei, mas contra a qual não poderia protestar. E por causa de sua inocência, o Deus a quem ele servia continuamente, e não de vez em quando ou com altos e baixos, havia enviado Seu anjo para fechar a boca dos leões. DAP 99.1

Ali estava Daniel, preservado por um poder superior a qualquer poder terreno. Sua causa foi defendida e sua inocência, declarada. Nenhum mal lhe foi feito, porque ele acreditava em Deus. A fé bastou. Um milagre foi operado. Por que, então, os acusadores de Daniel foram trazidos e jogados aos leões? Conjectura-se que atribuíram a preservação de Daniel não a um milagre, mas ao fato de, por acaso, os leões não estarem famintos naquela ocasião. Então o rei disse: “Eles não irão atacá-los assim como não atacaram Daniel, portanto vamos testar a questão colocando-os lá dentro”. Os leões estavam com tanta fome que, assim que colocaram as garras nos culpados, estes foram despedaçados antes mesmo de chegarem ao chão da cova. Assim Daniel foi duplamente vindicado, e as palavras de Salomão se cumpriram de modo notável: “O justo é salvo das tribulações, e estas são transferidas para o ímpio” (Provérbios 11:8). DAP 99.2

VERSÍCULO 25. Então, o rei Dario escreveu aos povos, nações e homens de todas as línguas que habitam em toda a Terra: Paz vos seja multiplicada! 26. Faço um decreto pelo qual, em todo o domínio do meu reino, os homens tremam e temam perante o Deus de Daniel, porque Ele é o Deus vivo e que permanece para sempre; o Seu reino não será destruído, e o Seu domínio não terá fim. 27. Ele livra, e salva, e faz sinais e maravilhas no Céu e na Terra; foi Ele quem livrou a Daniel do poder dos leões. 28. Daniel, pois, prosperou no reinado de Dario e no reinado de Ciro, o persa. DAP 99.3

O resultado do livramento de Daniel foi a proclamação de outro edito por todo o império a favor do Deus verdadeiro, o Deus de Israel. Todos os homens deveriam temê-Lo e tremer diante Dele. Aquilo que os inimigos de Daniel tramaram para promover sua ruína só serviu para ajudá-lo. Neste caso, assim como no dos três hebreus na fornalha ardente, o selo de Deus foi posto em aprovação sobre dois campos importantes do dever: 1) no caso dos três na fornalha ardente, não ceder a nenhum pecado conhecido; 2) nesta situação, não omitir nenhum dever conhecido. Dessas duas histórias, o povo de Deus de todas as eras deve extrair coragem. DAP 99.4

O decreto do rei declarava o caráter do Deus verdadeiro em termos claros: (1) Ele é o Deus vivo; todos os outros estão mortos; 2) Ele é constante para sempre; todos os outros mudam; 3) Ele tem um reino, pois criou e governa a todos; 4) Seu reino não será destruído; todos os outros chegarão ao fim; 5) Seu domínio é sem fim; nenhum poder humano é capaz de prevalecer contra ele; 6) Ele livra os cativos; 7) resgata Seus servos dos inimigos quando clamam por Sua ajuda; 8) opera maravilhas no céu e sinais na Terra; 9) e, para completar, havia libertado Daniel, apresentando diante de nossos próprios olhos a prova mais completa de Seu poder e de Sua bondade ao resgatar Seu servo do poder dos leões. Que tributo mais excelente sobre o grande Deus e Seu servo fiel! DAP 100.1

Assim termina a parte histórica do livro de Daniel. Chegamos agora à porção profética, que, como um raio de luz, espalha seu brilho por todo o fluxo de tempo desde aquele momento até o presente, e continua a iluminar o caminho da igreja até o reino eterno. DAP 100.2