Daniel e Apocalipse
Prefácio
A partir de Enoque, o sétimo depois de Adão e contemporâneo deste por 308 anos, a voz da profecia começou a ser ouvida por meio dos lábios humanos. A esse respeito, o apóstolo Judas declara: “Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre Suas santas miríades, para exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra Ele” (Judas 14-15). Essa sublime e mais antiga das profecias se estende até o fim dos tempos. E ao longo das eras intermediárias, outras profecias abrangeram todos os eventos mais importantes do grande drama da história. DAP 15.1
O cumprimento desses grandes eventos foi tão somente a resposta da história àquilo que as profecias já haviam declarado. Portanto, em meio às evidências tão presentes da limitação da visão humana e das recorrentes falhas dos planos humanos, uma voz sempre se ergueu da Terra aos Céus: “A palavra do Senhor [...] permanece eternamente” (1 Pedro 1:25). DAP 15.2
É com o propósito de chamar atenção para essas importantes lições profético-históricas, caso nos seja permitido cunhar uma palavra, que esta obra foi escrita. Os livros de Daniel e Apocalipse foram escolhidos com esse fim, pois, em alguns aspectos, suas profecias são mais diretas do que as encontradas em outras partes da página profética e o cumprimento delas, mais extraordinário. Nosso objetivo é triplo: 1) adquirir entendimento do maravilhoso testemunho dos livros em si; 2) familiarizar-nos com alguns dos acontecimentos mais interessantes e importantes na história das nações civilizadas e assinalar como as profecias se cumpriram com precisão nesses eventos, algumas delas dependentes de desdobramentos do futuro então distante e de condições extremamente minuciosas e complicadas; e 3) extrair lições importantes dessas coisas relativas aos deveres cristãos práticos, as quais não foram entregues apenas a eras passadas, mas para o aprendizado e admoestação do mundo atual. DAP 15.3
Os livros de Daniel e Apocalipse complementam um ao outro. Posicionam-se naturalmente lado a lado e devem ser estudados juntos. DAP 15.4
Temos consciência de que qualquer tentativa de explicar tais livros e fazer uma aplicação de suas profecias costuma ser considerada uma tarefa fútil e fanática, que, às vezes, é recebida até mesmo com hostilidade aberta. É uma pena que qualquer porção da obra que todos os cristãos creem ser o livro por meio do qual Deus escolheu revelar Sua vontade à raça humana seja vista dessa maneira. Mas chamamos a atenção do leitor, no próximo parágrafo, para um grande fato que acreditamos prover tanto uma explicação quanto o antídoto para essa condição atual. DAP 15.5
Há dois sistemas gerais de interpretação adotados por diferentes expositores no esforço de explicar as sagradas Escrituras. O primeiro é o sistema místico ou espiritualizante, criado por Orígenes, para a vergonha da crítica idônea e a maldição da cristandade; o segundo é o sistema de interpretação literal, usado por homens como Tyndale, Lutero e todos os reformadores, provendo a base para cada passo de avanço que foi dado até aqui na reforma do erro para a verdade ensinada nas Escrituras. De acordo com o primeiro sistema, supõe-se que toda declaração possui um sentido místico ou oculto, o qual o intérprete teria a tarefa de trazer à tona. De acordo com o segundo, toda declaração deve ser entendida em seu sentido mais óbvio e literal, exceto quando o contexto e as conhecidas leis linguísticas mostram que os termos são figurados, em vez de literais; e tudo aquilo que é figurado deve ser explicado por partes literais da Bíblia. DAP 15.6
Pelo método místico de Orígenes, é inútil ter a expectativa de qualquer compreensão uniforme tanto de Daniel quanto de Apocalipse, ou de qualquer outro livro da Bíblia; pois tal sistema — se é que pode ser chamado assim — não conhece leis além da imaginação sem limites de seus adeptos. Logo, ele tem a seu lado tantas interpretações distintas das Escrituras quantas forem as diferentes fantasias de diferentes autores. Pelo método literal, tudo está sujeito a uma lei bem estabelecida e definida com clareza. Levando em conta esse ponto de vista, o leitor se surpreenderá com o quanto diversos trechos das Escrituras se tornam ao mesmo tempo simples, fáceis e claros, os quais, seguindo-se qualquer outro sistema, seriam enigmáticos e insolúveis. Admite-se que a Bíblia usa muitas imagens e que boa parte dos livros aqui analisados, sobretudo o de Apocalipse, se encontra revestida de linguagem simbólica. Por outro lado, também defendemos que as Escrituras não apresentam nenhuma imagem para a qual não forneça linguagem literal de explicação. Esta obra oferece uma exposição consistente dos livros de Daniel e Apocalipse de acordo com o sistema literal. DAP 16.1
O estudo das profecias não deve, de modo algum, ser negligenciado; pois são os trechos proféticos da Palavra de Deus que a transformam, de maneira especial, em lâmpada para nossos pés e em luz para nosso caminho. Esse é o testemunho inequívoco de Davi e de Pedro (Salmos 119:105; 2 Pedro 1:19). DAP 16.2
Nenhum estudo mais sublime é capaz de ocupar a mente do que o estudo dos livros nos quais Aquele que vê o fim desde o princípio, olhando para a frente ao longo de todas as eras, por meio de Seus profetas inspirados, nos deixou uma descrição dos acontecimentos vindouros, para o benefício daqueles cujo destino seria vivê-los. DAP 16.3
O aumento do conhecimento acerca das partes proféticas da Palavra de Deus seria uma das características dos últimos dias. O anjo disse a Daniel: “Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará” (Daniel 12:4); ou, conforme a versão de Michaelis: “Quando muitos dedicarem atenção diligente à compreensão destas coisas, o conhecimento se multiplicará”. Recaiu sobre nós viver nessa parte do tempo em que ocorreriam os eventos preditos pelas palavras do livro que o anjo instruiu Daniel a encerrar e selar. Tal restrição hoje expirou pelo fato de já ter chegado o tempo do fim. Usando as palavras da figura de linguagem, o selo foi removido, muitos estão esquadrinhando e o conhecimento aumentou de maneira extraordinária em todos os campos da ciência; no entanto, é evidente que essa profecia contempla, de maneira especial, o aumento do conhecimento acerca das profecias com o objetivo de nos lançar luz a respeito da era na qual vivemos, o fim desta dispensação e a iminente transferência de todos os governos terrenos para o grande Rei da Justiça, que destruirá Seus inimigos e coroará, com infinita recompensa, cada um de Seus amigos. O cumprimento da profecia na área do aumento desse tipo de conhecimento é um dos prazerosos sinais da presente era. Há mais de meio século, vem aumentando a luz sobre a palavra profética, a qual tem brilhado com resplendor sempre crescente até nossos dias. DAP 16.4
Em nenhuma porção da Palavra de Deus, esse fenômeno é mais evidente do que nos livros de Daniel e Apocalipse; e podemos nos alegrar por isso, pois nenhuma outra parte da Bíblia aborda de maneira tão extensa as profecias pertinentes às cenas finais da história deste mundo. Nenhum outro livro contém tantos elos de profecia que se estendem até o fim. Em nenhum outro livro se encontra delineada de forma tão completa e detalhada a grandiosa sequência de acontecimentos que nos conduz até o fim do tempo da graça e nos introduz às realidades da condição eterna. Nenhum outro livro explica tão plenamente, de maneira ampla e abrangente, todas as verdades que dizem respeito à última geração de habitantes da Terra, nem explana tão bem todos os aspectos temporais, morais e políticos que porão um fim aos triunfos das misérias e da maldade terrenas, a fim de que o reino eterno de justiça tenha início. Temos o prazer de chamar atenção especial para essas características dos livros de Daniel e Apocalipse, que até o presente têm sido, de modo geral, ou negligenciadas ou mal interpretadas. DAP 17.1
Não parece haver nenhuma outra profecia que deixe menos espaço para desculpa de incompreensão quanto a de Daniel, sobretudo no que se refere a suas principais características. Nela se encontram poucas imagens extremamente figuradas, todos os símbolos introduzidos são explicados e os acontecimentos são confinados dentro de períodos proféticos rígidos. Ela aponta para o primeiro advento do Messias de forma tão clara e inconfundível que provoca o ódio dos judeus contra qualquer tentativa de explicá-la. Além disso, apresenta com incrível precisão tantas eras futuras, delineando os grandes acontecimentos da história mundial, que os infiéis permanecem confusos e emudecidos diante de seu relato inspirado. DAP 17.2
E nenhum esforço para se chegar à correta compreensão do livro de Apocalipse necessita vir acompanhado de um pedido de desculpas, pois o próprio Senhor da profecia proferiu uma bênção sobre “aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo” (Apocalipse 1:3). É com o propósito honesto de ajudar, de alguma maneira, a alcançar essa compreensão, a qual, segundo as palavras supracitadas não só é um objetivo possível, como também louvável, que procuramos empreender uma exposição desse livro seguindo a regra literal de interpretação. DAP 17.3
Com empolgante interesse, contemplamos as nações atuais reunindo forças e se dirigindo justamente rumo aos movimentos descritos pelo vidente real na corte da Babilônia 2.500 anos atrás, e por João na ilha de Patmos há 1.800 anos. E tais movimentos — ouçam, filhos dos homens — são as últimas revoluções políticas a serem realizadas antes que esta Terra mergulhe no tempo final de angústia e antes que Miguel, o grande Príncipe, Se levante e coroe com livramento pleno e definitivo Seu povo, ou seja, todos aqueles cujo nome se encontra escrito no livro (Da 12:1-2). DAP 17.4
Será assim mesmo? Nosso Salvador diz: “Buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á”. Deus não ocultou tanto Sua verdade a ponto de fazê-la escapar daquele que a busca com humildade. DAP 18.1
Orando para que o mesmo Espírito que inspirou as partes das Escrituras que formam a base para este livro, e cuja ajuda o autor pediu em seus esforços expositivos, repouse em abundância sobre o leitor em suas investigações, segundo a promessa do Salvador em João 16:7, 13, 15, esta obra se destina à atenção franca e cuidadosa de todos aqueles que se interessam por temas proféticos. DAP 18.2
Uriah Smith DAP 18.3
Battle Creek, Michigan, janeiro de 1897. DAP 18.4