Testemunhos para a Igreja 2
Capítulo 49 — Deveres para com os órfãos
Queridos irmão e irmã D:
Sua última visita e a conversa conosco sugeriu-nos muitos pensamentos, dos quais alguns não posso evitar de transpor para o papel. Sinto-me muito pesarosa que E não se tenha comportado corretamente em todas as ocasiões; entretanto, se considerarem bem, não podem esperar perfeição em jovens de sua idade. As crianças têm faltas e necessitam grande dose de paciente instrução. T2 327.2
Que ele nem sempre tenha sentimentos corretos não é mais do que se pode esperar de um menino de sua idade. Vocês devem lembrar-se de que ele não tem pai, nem mãe, nem alguém a quem possa confiar seus sentimentos, tristezas e tentações. Toda pessoa sente que necessita ter alguém que com ela simpatize. Este menino tem sido jogado daqui para ali, de um lado para outro, e pode ter muitos erros, muitos modos descuidados, com considerável independência e falta de reverência. Mas ele é de muita iniciativa, e com instrução correta e bondoso tratamento, tenho plena confiança que ele não desapontará nossas esperanças, mas compensará totalmente todo o esforço despendido. Levando em conta suas desvantagens, penso que é um menino muito bom. T2 328.1
Quando os animamos a acolhê-lo, fizemo-lo porque críamos perfeitamente que esse era seu dever, e nisto seriam abençoados. Não esperávamos que o fariam meramente para serem beneficiados pelo auxílio que poderiam receber do rapaz, mas para beneficiá-lo, cumprindo um dever para com o órfão. Dever este que todo cristão deve procurar e ansiosamente desejar praticá-lo — um dever, um penoso dever que lhes faria bem assumir, cremos, se o fizerem alegremente, tendo em vista ser um instrumento nas mãos de Deus para salvar uma alma dos laços de Satanás. Um instrumento na salvação de um filho cujo pai devotou sua preciosa vida na tarefa de indicar às pessoas “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. João 1:29. T2 328.2
Daquilo que me foi mostrado, os adventistas guardadores do sábado têm um fraco senso do imenso lugar que o mundo e o egoísmo ocupam em seu coração. Se têm desejo de fazer o bem e glorificar a Deus, há muitos modos de fazê-lo. Mas vocês não sentiram que esse é o resultado da verdadeira religião. Esse é o fruto que cada árvore boa produzirá. Não perceberam que lhes é requerido interessar-se pelos outros, considerar os casos deles como se fossem seus, e manifestar interesse altruísta por aqueles que estão em maior necessidade de ajuda. Vocês não têm se achegado aos mais necessitados. Se tivessem filhos próprios para exercitarem cuidado, afeição e amor, não estariam tão encerrados em si mesmos com seus interesses pessoais. Se os que não têm filhos e a quem Deus fez mordomos de recursos, abrissem o coração para amparar crianças que necessitam de amor, cuidado e afeição e de serem ajudadas com os bens deste mundo, poderiam ser muito mais felizes do que são hoje. Sempre que jovens sem o compassivo cuidado de um pai e o terno amor de uma mãe estiverem expostos à corruptora influência destes últimos dias, é dever de alguém suprir o lugar de pai e mãe para com alguns deles. Aprenda-se a prover-lhes amor, afeição e simpatia. Todos aqueles que professam ter um Pai no Céu, de quem esperam que deles cuide e finalmente os leve para o lar que lhes preparou, devem sentir a solene obrigação de ser amigos dos que não têm amigos, e pais dos órfãos, de ajudar as viúvas e ser de utilidade prática neste mundo em benefício da humanidade. Muitos não vêem estas coisas sob o devido aspecto. Caso vivam meramente para si, não terão maior força do que isto requer. T2 328.3
Os jovens que estão crescendo entre nós não estão sendo cuidados como deveriam. Alguns dos irmãos têm deveres que não estão dispostos e prontos a ver e executar. O receio de causar inconveniências a si mesmos é desculpa suficiente para muitos. O dia de Deus revelará deveres não cumpridos — pessoas perdidas porque o egoísmo não permitiu que lhes fosse demonstrado interesse. T2 329.1
Vi que se professos cristãos cultivassem mais afeição e bondosa atenção no cuidar dos outros, seriam recompensados quatro vezes mais. Deus observa. Ele sabe com que objetivo vivemos, e se nossa vida é marcada pela consideração para com a pobre humanidade caída, ou se nossos olhos estão obscurecidos a tudo, exceto nossos interesses, e a todos, exceto nós mesmos. Rogo-lhes, em nome de Cristo, em favor de si mesmos e dos jovens, não pensem superficialmente sobre esse assunto como muitos o fazem. É algo sério e grave, e afeta seus interesses no reino de Cristo, visto que a salvação de preciosas almas está envolvida. Não é esse um dever que Deus impõe sobre vocês, que são capazes, de fazer algo em benefício dos desabrigados, mesmo que sejam ignorantes e indisciplinados? Planejarão vocês trabalhar apenas onde possam usufruir os mais egoístas prazeres e proveitos? Não é bom desprezarem o favor divino que o Céu lhes oferece para cuidarem daqueles que necessitam, e assim deixar Deus bater em vão à porta. Ele aí permanece na pessoa dos pobres, dos órfãos desabrigados e das viúvas aflitas, que necessitam de amor, simpatia, afeição e encorajamento. Se vocês não o fizerem a um desses, não o fariam a Cristo se Ele ainda estivesse na Terra. T2 329.2
Lembrem-se de sua antiga condição, sua cegueira espiritual, e da escuridão que os envolvia antes de Cristo, o terno e amorável Salvador, vir em auxílio e alcançá-los onde estavam. Se deixarem passar a oportunidade sem dar tangíveis provas de gratidão pelo maravilhoso e assombroso amor que o compassivo Salvador lhes dedica, a vocês que estavam “separados da comunidade de Israel” (Efésios 2:12), há razões para temer que maior escuridão e miséria lhes sobrevirão. Agora é tempo para a semeadura. Vocês colherão aquilo que semearem. Aproveitem, enquanto podem, os privilégios de fazer o bem. Essas vantagens são como a chuva passageira, que os irrigará e fará reviver. Aproveitem cada oportunidade a seu alcance para fazer o bem. Mãos ociosas recolherão colheita pequena. Para que viverão as pessoas mais velhas, senão para cuidar dos jovens e ajudar os desamparados? Deus os confiou a nós, que temos mais idade e experiência, e nos pedirá contas se negligenciarmos os deveres nesse sentido. Que importa se nosso trabalho não for apreciado! Que importa se falhar muitas vezes e for bem-sucedido uma só vez! Essa única vez sobrepujará todos os desalentos experimentados antes. T2 330.1
Poucos, contudo, têm o verdadeiro senso do que significa a palavra cristão. É ser semelhante a Cristo, fazer o bem aos outros, ser destituído de todo egoísmo e ter a vida assinalada por atos de benevolência desinteressada. Nosso Redentor envia as pessoas para os braços da igreja para que sejam cuidadas desinteressadamente e se prepararem para o Céu, tornando-se assim coobreiras de Cristo. No entanto, a igreja muito freqüentemente as impele ao campo de batalha de Satanás. Um membro dirá: “Esse não é meu dever”, e apresentará desculpas sem fundamento. “Bem”, diz outro, “também não é meu dever”, e finalmente, não é dever de ninguém, e a pessoa é deixada a perecer. É dever de cada cristão empenhar-se nesse serviço altruísta. Não poderá Deus devolver a seus celeiros e aumentar-lhes os rebanhos, de forma que em lugar de perda haja ganho? “Alguns há que espalham, e ainda se lhes acrescenta mais; e outros, que retêm mais do que é justo, mas é para a sua perda.” Provérbios 11:24. T2 331.1
A obra de cada homem, entretanto, será provada e levada a juízo, e ele será recompensado de acordo com o que tiver feito. “Honra ao Senhor com a tua fazenda e com as primícias de toda a tua renda; e se encherão os teus celeiros abundantemente.” Provérbios 3:9, 10. “Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo, e que deixes livres os quebrantados, e que despedaces todo o jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto e recolhas em casa os pobres desterrados? E, vendo o nu, o cubras e não te escondas daquele que é da tua carne?” Isaías 58:6, 7. Leiam o verso seguinte e notem a rica recompensa prometida aos que assim fazem. “Então, romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará.” Isaías 58:8. Aqui está uma promessa muito preciosa para todos os que se interessarem em casos daqueles que precisam de ajuda. Como pode Deus abençoar e prosperar aqueles que não têm nenhum cuidado senão por si mesmos, e que não usam aquilo que lhes foi confiado para glorificar Seu nome na Terra? T2 331.2
A irmã Ana More está morta, mártir do egoísmo de um povo que professa estar em busca da glória, honra, imortalidade e vida eterna. Isolada dos crentes durante o último frio inverno, essa abnegada missionária morreu porque nenhum coração foi suficientemente generoso para recebê-la. Não acuso ninguém. Não sou juíza. Mas quando o Juiz de toda a Terra julgar o caso, encontrará alguém a quem responsabilizar. Todos nós somos limitados e consumidos por nosso próprio egoísmo. Possa Deus arrancar essa maldita cobertura e dar-nos “entranhas de misericórdia” (Colossences 3:12), coração de carne, ternura e compaixão, é minha prece feita por um coração oprimido e angustiado. Estou certa de que uma obra precisa ser feita ou seremos achados em falta no dia de Deus. T2 332.1
Com relação a E, não se esqueçam, eu lhes peço, que ele é uma criança apenas com a experiência de uma criança. Não o comparem, um pobre, fraco e débil menino, com vocês mesmos, dele esperando segundo essa medida. Creio sinceramente que está em seu poder agir com acerto em relação a este órfão. Vocês podem prover-lhe incentivos para que ele não sinta que sua tarefa é desprovida de alegria e de um raio de encorajamento. Vocês, meu irmão e minha irmã, podem desfrutar mútua confiança, manifestar simpatia e interesse uns pelos outros, recrear-se juntos e partilhar suas provas e fardos. Vocês têm algo com que se alegrarem, enquanto ele está sozinho. Ele é um menino que pensa, mas não tem ninguém em quem confiar e que lhe diga uma palavra animadora em meio aos seus desânimos e às severas provas que eu sei ele tem, como os de mais idade. T2 332.2
Se vocês se fecham um para com o outro, isso será amor egoísta, incompatível com as bênçãos do Céu. Tenho forte esperança de que amarão o órfão pelo amor de Cristo, que sentirão serem suas posses sem valor a menos que as empreguem em fazer o bem. Façam o bem; sejam ricos em boas obras, prontos para repartir, dispostos a comunicar, fazendo para vocês mesmos um bom fundamento para o futuro, a fim de que possam tomar “posse da vida eterna”. 1 Timóteo 6:12. Ninguém receberá a recompensa da vida eterna sem sacrifício. Um pai e uma mãe agonizantes deixaram suas jóias aos cuidados da igreja, para que fossem instruídas nas coisas de Deus e se tornassem aptas para o Céu. Quando esses pais olharem em torno e procurarem seus queridos e um deles estiver faltando por negligência, que responderá a igreja? Ela é em grande medida responsável pela salvação dessas crianças órfãs. T2 333.1
Provavelmente vocês têm falhado em conquistar a confiança e afeição do menino por não lhe darem provas mais concretas de seu amor mediante alguns incentivos. Se não podem despender dinheiro, podem pelo menos de alguma forma encorajá-lo, fazendo-o saber que não são indiferentes ao seu caso. Que o amor e afeição deva ser unilateral é um erro. Quanta afeição vocês têm preparado para manifestar? São demasiado fechados em si mesmos e não sentem a necessidade de circundar-se com uma atmosfera de ternura e bondade, nascidas da verdadeira nobreza de coração. O irmão e a irmã F deixaram os seus filhos aos cuidados da igreja. Eles possuíam muitos parentes ricos que desejavam ficar com as crianças; mas eram incrédulos, e se lhes concedesse ter o cuidado ou guarda desses filhos, desviariam o coração deles da verdade para o erro e poriam em perigo a sua salvação. Porque não lhes foi permitido ficar com as crianças, esses parentes ficaram descontentes e nada têm feito por elas. A confiança dos pais na igreja deve ser considerada, e não ser esquecida por causa do egoísmo. T2 333.2
Temos o mais profundo interesse nessas crianças. Uma delas já desenvolveu um belo caráter cristão e casou-se com um ministro do evangelho. E agora, em retribuição pelo cuidado e trabalhos por ela manifestados, tornou-se verdadeira portadora de fardos na igreja. É procurada para consulta e conselho pelos menos experientes, e eles não a buscam em vão. Ela possui verdadeira humildade cristã e conveniente dignidade, que não podem deixar de inspirar respeito e confiança em todos que a conhecem. Esses filhos estão chegados a mim como meus próprios. Não os perderei de vista nem cessarei os meus cuidados por eles. Amo-os sinceramente, com terna afeição. T2 334.1