História da Redenção

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Perante o concílio

Finalmente Lutero se achou perante o concílio. O imperador ocupava o trono. Estava rodeado das mais ilustres personagens do império. Nunca homem algum comparecera à presença de uma assembléia mais imponente do que aquela diante da qual Martinho Lutero deveria responder por sua fé. HR 347.1

O próprio fato daquela cena foi uma assinalada vitória para a verdade. Que um homem a quem o papa condenara, fosse julgado por outro tribunal era virtualmente uma recusa da suprema autoridade do pontífice. O reformador, colocado sob excomunhão e pelo papa excluído da sociedade humana, recebera garantia de proteção e foi ouvido pelos mais altos dignitários da nação. Roma condenara-o ao silêncio, mas agora ele estava prestes a falar perante milhares de todas as partes da cristandade. Calmo e paciente, todavia corajoso e nobre, surgiu como testemunha de Deus entre os grandes da Terra. Lutero respondeu em submisso e humilde tom, sem violência ou paixão. Sua conduta era tímida e respeitosa, embora manifestasse uma confiança e alegria que surpreendeu a assembléia. HR 347.2

Os que obstinadamente fechavam os olhos à luz e se decidiram a não convencer-se da verdade, ficaram enraivecidos com o poder das palavras de Lutero. Quando cessou de falar, o porta-voz da Dieta disse, irado: “Não respondeste à pergunta feita. ... Exige-se que dês resposta clara e precisa. ... Retratar-te-ás ou não?” HR 347.3

O reformador respondeu: “Visto que vossa sereníssima majestade e vossas nobres altezas exigem de mim resposta clara, simples e precisa, dar-vo-la-ei, é esta: Não posso submeter minha fé quer ao papa quer aos concílios, porque é claro como o dia que eles têm freqüentemente errado e se contradito um ao outro. Portanto, a menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou pelo mais claro raciocínio; a menos que eu seja persuadido por meio das passagens que citei; a menos que assim submetam minha consciência pela Palavra de Deus, não posso retratar-me e não me retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui permaneço, não posso fazer outra coisa; queira Deus ajudar-me. Amém.” HR 347.4

Assim se manteve este homem justo sobre o firme fundamento da Palavra de Deus. A luz do Céu iluminava-lhe o semblante. Sua grandeza e pureza de caráter, sua paz e alegria de coração, eram manifestas a todos ao testificar ele contra o poder do erro e testemunhar a superioridade da fé que vence o mundo. HR 348.1

Ele permaneceu firme como uma rocha, enquanto as violentas ondas do poder terreno em vão se arremetiam contra ele. A simples energia de suas palavras, seu porte destemido, seus calmos e expressivos olhos, bem como a inalterável determinação expressa em cada palavra e ação, causaram uma profunda impressão sobre a assembléia. Era evidente que ele não seria induzido, quer por promessas ou ameaças, a render-se ao mando de Roma. HR 348.2

Cristo falara por intermédio do testemunho de Lutero, com um poder e grandeza que na ocasião causou espanto e admiração tanto a amigos como a adversários. O Espírito de Deus estivera presente naquele concílio, impressionando o coração dos principais do império. Vários dos príncipes reconheceram ousadamente a justiça da causa de Lutero. Muitos estavam convictos da verdade; mas em outros as impressões recebidas não foram duradouras. Houve outra classe que no momento não exprimiu suas convicções, mas que, tendo pesquisado as Escrituras por si mesmos, em ocasião posterior declarou-se com grande coragem pela Reforma. HR 348.3

O eleitor Frederico aguardara ansiosamente o comparecimento de Lutero perante a Dieta, e com profunda emoção ouviu seu discurso. Com alegria e orgulho testemunhou a coragem, firmeza e domínio próprio do doutor, e orgulhou-se de ser o seu protetor. Ele contrastava as facções em contenda, e via que a sabedoria dos papas, reis e prelados, fora pelo poder da verdade reduzida a nada. O papado sofrera uma derrota que seria sentida entre todas as nações e em todos os tempos. HR 349.1

Houvesse o reformador cedido num único ponto, e Satanás e suas hostes teriam ganho a vitória. Mas sua persistente firmeza foi o meio para a emancipação da igreja e o início de uma era nova e melhor. A influência desse único homem, que ousou pensar e agir por si mesmo em assuntos religiosos, deveria afetar a igreja e o mundo, não somente em seu próprio tempo, mas, em todas as gerações futuras. Sua firmeza e fidelidade fortaleceriam, até ao final do tempo, a todos os que passassem por experiência semelhante. O poder e majestade de Deus se mantiveram acima do conselho dos homens, acima da potente força de Satanás. HR 349.2

Vi que Lutero era ardente e zeloso, destemido e ousado, para reprovar o pecado e advogar a verdade. Não se preocupava com homens ímpios ou demônios; sabia que consigo tinha Alguém que era mais forte do que eles todos. Lutero possuía zelo, coragem e ousadia, e por vezes esteve em perigo de ir aos extremos. Mas Deus suscitou a Melancton, que era exatamente o contrário no caráter, a fim de auxiliar Lutero no levar avante a obra da Reforma. Melancton era tímido, medroso, cauteloso e possuía grande paciência. Era grandemente amado por Deus. Grande era o seu conhecimento das Escrituras e excelentes o seu juízo e sabedoria. Seu amor pela causa de Deus era igual ao de Lutero. Os corações destes homens o Senhor os ligara entre si; eram amigos inseparáveis. Lutero era um grande auxílio para Melancton quando se achava amedrontado e vagaroso, e Melancton por sua vez o era para Lutero, quando em perigo de agir com demasiada rapidez. HR 349.3

A cautela mui previdente de Melancton muitas vezes desviou dificuldades que teriam sobrevindo à causa, se a obra estivesse entregue unicamente a Lutero; e muitas vezes a obra não teria sido levada avante se estivera entregue a Melancton só. Foi-me mostrada a sabedoria de Deus em escolher esses dois homens para promover a obra da Reforma. HR 350.1