Beneficência Social

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Capítulo 5 — A parábola do bom samaritano

A natureza da verdadeira religião ilustrada — Na história do bom samaritano, ilustra Cristo a natureza da verdadeira religião. Mostra que consiste, não em sistemas, credos ou ritos, mas no cumprimento de atos de amor, no proporcionar aos outros o maior bem, na genuína bondade. ... Essa lição não é menos necessária hoje no mundo, do que ao ser proferida pelos lábios de Jesus. Egoísmo e fria formalidade têm quase extinguido o fogo do amor, dissipando as graças que seriam por assim dizer a fragrância do caráter. Muitos dos que professam Seu nome, deixaram de considerar o fato de que os cristãos têm de representar a Cristo. A menos que haja sacrifício prático em bem de outros, no círculo da família, na vizinhança, na igreja e onde quer que estejamos, não seremos cristãos, seja qual for a nossa profissão. — O Desejado de Todas as Nações, 372, 376. BS 42.1

Quem é o meu próximo? — Entre os judeus a questão: “Quem é o meu próximo?”, suscitava disputas intermináveis. Não tinham dúvidas quanto aos gentios e samaritanos. Estes eram estrangeiros e inimigos. Mas onde deveria ser feita a distinção entre seu próprio povo, e entre as diferentes classes da sociedade? A quem deveriam o sacerdote, o rabino, o ancião considerar seu próximo? Consumiam a vida num ciclo de cerimônias para se purificarem. O contato com a multidão ignorante e descuidada ensinavam causar uma mancha que requeria fatigantes esforços para remover. Deveriam eles considerar os “impuros” seu próximo? BS 42.2

A esta pergunta Cristo respondeu na parábola do bom samaritano. Mostrou que nosso próximo não significa unicamente alguém da igreja ou fé a que pertencemos. Não faz referência a raça, cor ou distinção de classe. Nosso próximo é toda pessoa que carece de nosso auxílio. Nosso próximo é toda alma ferida e magoada pelo adversário. Nosso próximo é todo aquele que é propriedade de Deus. — Parábolas de Jesus, 376. BS 43.1

A parábola ilustrativa — Cristo estava falando a um grupo numeroso. Os fariseus, que esperavam apanhar alguma coisa de Seus lábios que pudessem usar para condená-Lo, enviaram-Lhe um doutor da lei com a pergunta: “Que farei para herdar a vida eterna?” Cristo lia o coração dos fariseus como num livro aberto, e Sua resposta à pergunta, foi: “Que está escrito na lei? Como lês tu?” “E ele respondendo disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.” “Respondeste bem”, disse Cristo; “faze isso, e viverás.” O doutor sabia que por sua própria resposta se havia condenado a si mesmo. Sabia que não amava ao seu próximo como a si mesmo. Mas desejando justificar-se, perguntou: “E quem é o meu próximo?” BS 43.2

“Descia um homem”, disse, “de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.” BS 43.3

Na jornada de Jerusalém a Jericó, o viajante precisava atravessar parte do deserto da Judéia. O caminho passava numa garganta rochosa e deserta, infestada de salteadores, e era muitas vezes teatro de violências. Fora aqui que o vianjante tinha sido atacado, espoliado de tudo quanto possuía de valor, e abandonado meio morto no caminho. Estando nestas condições, um sacerdote por lá passou, viu o homem ferido e maltratado, engolfado em seu próprio sangue, porém deixou-o sem prestar-lhe auxílio. “Passou de largo.” Apareceu então um levita. Curioso de saber o que acontecera, deteve-se e contemplou o sofredor. Estava convicto de seu dever mas não era um serviço agradável. Desejou não ter vindo por aquele caminho, de modo que não visse o ferido. Persuadiu-se de que não tinha nada com o caso, e também “passou de largo”. BS 44.1

Mas um samaritano que viajava pela mesma estrada, viu a vítima e fez o que os outros recusaram fazer. Com carinho e amabilidade tratou do ferido. “Vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; e, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele; e, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo que de mais gastares, eu to pagarei quando voltar.” Tanto o sacerdote como o levita professavam piedade, mas o samaritano mostrou que era verdadeiramente convertido. Não lhe era mais agradável fazer o trabalho do que o era para o levita e o sacerdote, porém, no espírito e nos atos provou estar em harmonia com Deus. BS 44.2

Dando esta lição, Jesus apresentou os princípios da lei de maneira direta e incisiva, mostrando aos ouvintes que eles tinham negligenciado a prática destes princípios. Suas palavras eram tão definidas e acertadas que os ouvintes não podiam achar oportunidade de contestá-las. O doutor da lei não encontrou na lição nada que pudesse criticar. Seu preconceito a respeito de Cristo foi removido. Mas não tinha vencido suficientemente a aversão nacional, para recomendar por nome o samaritano. Ao perguntar Cristo: “Qual pois destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?” Disse: “O que usou de misericórdia para com ele.” BS 44.3

Disse, pois, Jesus: “Vai, e faze da mesma maneira.” Mostra o mesmo terno amor para com os necessitados. Assim demonstrarás que guardas toda a lei. — Parábolas de Jesus, 379, 380. BS 45.1

Qualquer pessoa necessitada é nosso próximo — Qualquer ser humano que necessite de nossa simpatia e de nossos préstimos é nosso próximo. Os sofredores e desvalidos de toda classe são nosso próximo; e quando suas necessidades são trazidas ao nosso conhecimento, é nosso dever aliviá-los tanto quanto nos seja possível. — Testimonies for the Church 4:226, 227. BS 45.2

Nesta parábola o dever de um homem para com o seu próximo ficou estabelecido para sempre. Devemos cuidar de todo caso de sofrimento e considerar-nos a nós mesmos como instrumentos de Deus para aliviar os necessitados até o máximo de nossas possibilidades. Devemos ser coobreiros de Deus. Alguns há que manifestam grande afeição por seus parentes, amigos e favoritos, e no entanto deixam de mostrar bondade e consideração aos que necessitam de terna simpatia, aos que necessitam de bondade e amor. Com fervor de coração perguntemo-nos a nós mesmos: Quem é o meu próximo? Nosso próximo não são meramente nossos associados e amigos especiais; não simplesmente os que pertencem a nossa igreja, ou que pensam como nós pensamos. Nosso próximo é toda a família humana. Devemos fazer o bem a todos os homens, e especialmente aos domésticos da fé. Devemos dar ao mundo uma demonstração do que significa praticar a lei de Deus. Devemos amar a Deus sobre todas as coisas, e ao nosso próximo como a nós mesmos. — The Review and Herald, 1 de Janeiro de 1895. BS 45.3

A verdadeira religião mal representada — O sacerdote e o levita haviam estado em adoração no templo, cujo serviço Deus mesmo ordenara. Participar desse culto era grande e exaltado privilégio, e o sacerdote e o levita sentiram que sendo tão honrados, estava abaixo de sua dignidade servir a um sofredor desconhecido ao pé da estrada. Assim, negligenciaram a oportunidade especial que Deus lhes deparara como agentes Seus para abençoar um semelhante. BS 46.1

Muitos hoje em dia perpetram erro semelhante. Dividem seus deveres em duas classes distintas. Uma classe consiste em grandes coisas reguladas pela lei de Deus; a outra, nas assim chamadas coisas pequenas, em que o mandamento “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, é passado por alto. Esta esfera de trabalho é deixada ao léu, e sujeita à inclinação e ao impulso. Deste modo o caráter é manchado e a religião de Cristo mal representada. BS 46.2

Homens há que pensam ser humilhante para a sua dignidade o servirem a humanidade sofredora. Muitos olham com indiferença e desdém os que arruinaram o templo da alma. Outros desprezam os pobres por diferentes motivos. Estão trabalhando, como crêem, na causa de Cristo, e procuram empreender algo de valor. Sentem que estão fazendo grande obra, e não se podem deter para notar as vicissitudes do necessitado e do infeliz. Sim, até pode dar-se que, favorecendo sua suposta grande obra, oprimam os pobres. Podem colocá-los em circunstâncias difíceis e probantes, privá-los de seus direitos ou negligenciar-lhes as necessidades. Apesar disso acham que tudo isto é justificável, porque estão, como cuidam, promovendo a causa de Cristo. — Parábolas de Jesus, 382, 383. BS 46.3

O vasto alcance dos reclamos da lei de Deus — Deixar que o próximo sofredor fique sem ajuda é abrir uma brecha na lei de Deus. Deus levou o sacerdote a transpor este caminho para que ele pudesse ver com os seus próprios olhos um caso que necessitava misericórdia e ajuda; mas o sacerdote, embora no exercício de um santo trabalho, cuja obra era demonstrar misericórdia e fazer o bem, passou de longe. Seu caráter fora exibido em sua verdadeira natureza perante os anjos de Deus. Para efeito de ostentação ele faria longas orações, mas não era capaz de guardar os princípios da lei em amar a Deus sobre todas as coisas e ao seu próximo como a si mesmo. O levita era da mesma tribo que o sofredor, ferido e maltratado. Todo o Céu observava os passos do levita estrada abaixo, para ver se o seu coração seria tocado com a dor humana. Ao dar com o homem, convenceu-se do que devia fazer; mas não era uma tarefa agradável, pelo que desejou não tivesse vindo por esse caminho, de maneira que não tivesse sido obrigado a ver o homem que fora ferido e maltratado, que estava desnudo e perecendo, e em necessidade de auxílio de seus semelhantes. Ele seguiu seu caminho, persuadindo-se de que isto não fazia parte de sua atividade e de que não precisava preocupar-se com o caso. Pretendendo ser um expositor da lei, um ministro das coisas sagradas, passou não obstante de largo. BS 47.1

Envolvido na coluna de nuvem, o Senhor Jesus havia dado especial indicação quanto à prática de atos de misericórdia para com o homem e os animais. Embora a lei de Deus requeira supremo amor a Deus e amor imparcial ao próximo, o vasto alcance dos seus reclamos toca também às criaturas mudas que não podem expressar em palavras suas necessidades e sofrimentos. “Se vires prostrado debaixo da sua carga o jumento daquele que te aborrece, não o abandonarás, mas ajudá-lo-ás a erguê-lo.” Aquele que ama a Deus, não somente amará o seu semelhante, mas considerará com terna compaixão as criaturas que Deus fez. Quando o Espírito de Deus está no homem, leva-o a aliviar o sofrimento antes que a criá-lo. — The Review and Herald, 1 de Janeiro de 1895. BS 47.2

Os princípios da lei de Deus foram esquecidos — O sacerdote e o levita não tinham desculpa para sua fria indiferença. A lei de misericórdia e bondade foi claramente exposta nas Escrituras do Velho Testamento. Foi sua obra designada ministrar a casos exatamente como esse que friamente haviam passado por alto. Houvessem eles obedecido à lei que diziam respeitar, e não teriam passado por este homem sem ajudá-lo. Mas eles haviam esquecido os princípios da lei que Cristo, na coluna de nuvem, havia dado a seus pais quando os levou através do deserto. ... BS 48.1

Quem é meu próximo? Esta é uma pergunta que todas as igrejas precisam compreender. Tivessem o sacerdote e o levita lido com entendimento o código hebreu, e sua maneira de tratar o homem ferido teria sido absolutamente diferente. — Manuscrito 117, 1903. BS 48.2

Condições para a herança da vida eterna — As condições de herança da vida eterna são claramente afirmadas por nosso Salvador da maneira mais simples. O homem que fora ferido e roubado representa aqueles que dependem de nosso interesse, simpatia e caridade. Se negligenciarmos a causa dos necessitados e desafortunados que nos vem ao conhecimento, não importa quem sejam eles, não temos a garantia de vida eterna, pois não estaremos correspondendo aos deveres que Deus sobre nós impõe. Não nos compadecemos ou nos apiedamos da humanidade, porque podem não ser de nossa parentela. Haveis sido achados transgressores do segundo grande mandamento, do qual dependem os últimos seis. Qualquer que transgredir num só ponto, torna-se culpado de todos. Aqueles que não abrem o coração às necessidades e sofrimentos da humanidade também não abrirão o coração aos reclamos de Deus estatuídos nos primeiros quatro preceitos do decálogo. Os ídolos pedem o coração e as afeições, e Deus não é honrado e não reina supremamente. — Testimonies for the Church 3:524. BS 48.3

Oportunidade vossa e minha — Deus dá hoje aos homens oportunidade de mostrar se amam ao próximo. Aquele que verdadeiramente ama a Deus e aos semelhantes é o que mostra misericórdia ao desvalido, ao sofredor, ao ferido, aos que estão prestes a perecer. Deus reclama de cada homem que assuma sua obra negligenciada de buscar restaurar a imagem moral do Criador na humanidade. — Carta 113, 1901. BS 49.1

Como podemos amar nosso próximo como a nós mesmos — Só podemos amar nosso próximo como a nós mesmos se amarmos a Deus acima de todas as coisas. O amor a Deus dará frutos em amor ao próximo. Muitos pensam que é impossível amar ao próximo como a nós mesmos, mas este é o único fruto genuíno do cristianismo. Amar a outros é revestir-se do Senhor Jesus Cristo; é andar e obrar tendo em vista o mundo invisível. Devemos assim conservar-nos olhando para Jesus, o Autor e Consumador de nossa fé. — The Review and Herald, 26 de Junho de 1894. BS 49.2