Patriarcas e Profetas

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Capítulo 49 — As últimas palavras de Josué

Este capítulo é baseado em Josué 23-24.

As guerras de conquista terminaram, e Josué se retirara ao pacífico remanso de seu lar, em Timnate-Sera. “E sucedeu que, muitos dias depois que o Senhor dera repouso a Israel de todos os seus inimigos em redor, [...] chamou Josué a todo o Israel, aos seus anciãos, e aos seus cabeças, e as seus juízes, e aos seus oficiais.” PP 381.1

Alguns anos haviam-se passado desde que o povo se estabelecera em suas posses, e já se podiam ver aparecendo os mesmos males que até então acarretaram juízos sobre Israel. Sentindo Josué as debilidades da idade a assaltarem-no, e compreendendo que sua obra logo deveria encerrar-se, encheu-se de ansiedade pelo futuro de seu povo. Foi com um interesse maior do que o de um pai que ele lhes falou, reunindo-se eles mais uma vez em redor de seu idoso chefe. “Vós já tendes visto”, disse ele, “tudo quanto o Senhor vosso Deus fez a todas estas nações por causa de vós, porque o Senhor vosso Deus é o que pelejou por vós.” Posto que os cananeus tivessem sido subjugados, ainda possuíam uma porção considerável da terra prometida a Israel; e Josué exortou o seu povo a não ficar em sossego, e esquecer-se da ordem do Senhor de desapossar inteiramente aquelas nações idólatras. PP 381.2

O povo em geral era vagaroso no completar a obra de expulsar os gentios. As tribos haviam-se dispersado às suas posses, o exército se debandara, e considerava-se uma empresa difícil e duvidosa renovar a guerra. Mas Josué declarou: “O Senhor vosso Deus as impelirá de diante de vós, e as expelirá de diante de vós; e vós possuireis a sua terra, como o Senhor vosso Deus vos tem dito. Esforçai-vos, pois, muito para guardardes e para fazerdes tudo quanto está escrito no livro da lei de Moisés, para que dele não vos aparteis, nem para a direita nem para a esquerda.” PP 381.3

Josué apelou para o próprio povo como testemunha de que, tanto quanto satisfizeram as condições, Deus havia fielmente cumprido Sua promessa para com eles. “Vós bem sabeis, com todo o vosso coração, e com toda a vossa alma”, disse ele, “que nem uma só palavra caiu de todas as boas palavras que falou de vós o Senhor vosso Deus; todas vos sobrevieram, nem delas caiu uma só palavra.” Declarou-lhes que, como o Senhor cumprira Suas promessas, assim deveria cumprir Suas ameaças. “E será que, assim como sobre vós vieram todas estas boas coisas, que o Senhor vosso Deus vos disse, assim trará o Senhor sobre vós todas aquelas más coisas. [...] Quando traspassardes o concerto do Senhor vosso Deus, [...] então a ira do Senhor sobre vós se acenderá, e logo perecereis de sobre a boa terra que vos deu.” PP 381.4

Satanás engana a muitos com a plausível teoria de que o amor de Deus para com o Seu povo é tão grande que Ele desculpará o pecado neles; ele faz figurar que, conquanto as ameaças da Palavra de Deus devam servir para certo propósito em Seu governo moral, nunca se devem elas cumprir literalmente. Mas, em todo o Seu trato com Suas criaturas, Deus tem mantido os princípios da justiça, revelando o pecado em seu verdadeiro caráter — demonstrando que seu resultado certo é miséria e morte. Nunca houve nem nunca haverá perdão incondicional do pecado. Tal perdão mostraria o abandono dos princípios de justiça que constituem o próprio fundamento do governo de Deus. Isto encheria de consternação o universo dos seres não caídos. Deus indicou fielmente os resultados do pecado; e, se essas advertências não fossem verdadeiras, como poderíamos nós estar certos de que Suas promessas se cumpririam? A pretensa benevolência que quer pôr de parte a justiça, não é benevolência, mas fraqueza. PP 382.1

Deus é o doador da vida. Desde o princípio, todas as Suas leis foram ordenadas para toda a vida. Mas o pecado se intrometeu na ordem que Deus estabelecera, e seguiu-se a discórdia. Enquanto existir o pecado, sofrimento e morte serão inevitáveis. É unicamente porque o Redentor assimilou a maldição do pecado em nosso favor que o homem pode esperar livrar-se, em sua própria pessoa, dos horrendos resultados do pecado. PP 382.2

Antes da morte de Josué, os chefes e representantes das tribos, obedientes à sua convocação, congregaram-se de novo em Siquém. Nenhum lugar em todo o país possuía tantas recordações sagradas, transportando a mente para o concerto de Deus com Abraão e Jacó, e relembrando também seus próprios votos solenes por ocasião da entrada em Canaã. Ali estavam as montanhas de Ebal e Gerizim, testemunhas silenciosas daqueles votos que agora, na presença de seu chefe prestes a morrer, se reuniram para renovar. De cada lado havia evidências do que Deus operara por eles; como lhes dera uma terra para a qual não trabalharam, e cidades que não haviam construído, e vinhedos e olivais que não plantaram. Josué recordou mais uma vez a história de Israel, contando novamente as obras maravilhosas de Deus, para que todos pudessem ter uma intuição de Seu amor e misericórdia, e O servissem “com sinceridade e com verdade”. PP 382.3

Por determinação de Josué, a arca fora trazida de Siló. A ocasião foi de grande solenidade, e este símbolo da presença de Deus aprofundaria a impressão que ele desejava produzir no povo. Depois de apresentar a bondade de Deus para com Israel, ele os convidou em nome de Jeová, a escolherem a quem serviriam. O culto aos ídolos era ainda até certo ponto praticado secretamente, e agora Josué se esforçou por levá-los à decisão de que baniriam de Israel este pecado. “Se vos parece mal aos vossos olhos servir ao Senhor”, disse ele, “escolhei hoje a quem sirvais”. Josué 24:15. Josué desejava levá-los a servir a Deus, não constrangidamente, mas de livre vontade. O amor a Deus é a base mesma da religião. Empenhar-nos em Seu serviço meramente pela esperança de recompensa ou medo do castigo, de nada serviria. A apostasia declarada não seria mais ofensiva a Deus do que a hipocrisia e o mero culto por formalidade. PP 382.4

O idoso líder instou com o povo para considerar, em todos os seus aspectos, o que havia sido posto perante eles, e decidir se realmente desejavam viver como viviam as degradadas nações idólatras em redor deles. Se lhes parecia mal servir a Jeová, fonte de poder e de bênçãos, que escolhessem naquele dia a quem serviriam — se aos “deuses a quem serviram vossos pais”, e do meio dos quais Abraão foi chamado a sair, “ou os deuses dos amorreus, em cuja terra habitais”. Estas últimas palavras foram uma censura veemente a Israel. Os deuses dos amorreus não tinham sido capazes de proteger seus adoradores. Por causa de seus pecados abomináveis e aviltantes, aquela ímpia nação fora destruída, e a boa terra que possuíam fora dada ao povo de Deus. Que loucura para Israel preferir as divindades por cuja adoração os amorreus haviam sido destruídos! “Porém eu e a minha casa”, disse Josué, “serviremos ao Senhor”. Josué 24:15. O mesmo zelo santo que inspirava o coração do chefe, comunicou-se ao povo. Seus apelos provocaram a resposta decisiva: “Nunca nos aconteça que deixemos ao Senhor para servirmos a outros deuses.” PP 383.1

“Não podeis servir ao Senhor”, disse Josué, “porquanto é Deus santo, [...] não perdoará a vossa transgressão nem os vossos pecados.” Antes que pudesse haver qualquer reforma permanente, o povo devia ser levado a sentir sua completa incapacidade de, por si mesmos, prestarem obediência a Deus. Haviam quebrantado a Sua lei; esta os condenava como transgressores, e não provia meio de livramento. Enquanto confiavam em sua própria força e justiça, era-lhes impossível conseguir o perdão de seus pecados; não podiam satisfazer as reivindicações da lei perfeita de Deus, e era em vão que se comprometiam a servi-Lo. Unicamente pela fé em Cristo é que poderiam conseguir o perdão do pecado, e receber força para obedecer à lei de Deus. Não mais deviam confiar em seus próprios esforços para alcançar a salvação; deviam confiar inteiramente nos méritos do Salvador prometido, se queriam ser aceitos por Deus. PP 383.2

Josué se esforçou por levar os ouvintes a pesarem bem suas palavras, e absterem-se de votos que não estariam preparados para cumprir. Com profundo fervor repetiram a declaração: “Não, antes ao Senhor serviremos.” Consentindo solenemente com o testemunho contra si mesmos de que escolheram a Jeová, mais uma vez reiteraram seu compromisso de fidelidade: “Serviremos ao Senhor nosso Deus, e obedeceremos à Sua voz.” PP 383.3

“Assim fez Josué concerto naquele dia com o povo, e lho pôs por estatuto e direito em Siquém.” Tendo escrito um relatório deste feito solene, colocou-o juntamente com o livro da lei ao lado da arca. E levantou uma coluna em memória, dizendo: “Eis que esta pedra nos será por testemunho; pois ela ouviu todas as palavras que o Senhor nos tem dito; e também será testemunho contra vós, para que não mintais a vosso Deus. Então Josué despediu o povo, cada um para a sua herdade.” PP 384.1

A obra de Josué em prol de Israel estava finalizada. Havia seguido inteiramente ao Senhor; e no Livro de Deus ele é chamado: “O servo do Senhor.” O mais nobre testemunho em favor de seu caráter como líder público é a história da geração que fruíra seus labores: “Serviu, pois, Israel ao Senhor todos os dias de Josué, e todos os dias dos anciãos que ainda viveram muito depois de Josué.” PP 384.2