Patriarcas e Profetas

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Capítulo 3 — A tentação e a queda

Este capítulo é baseado em Gênesis 3.

Não mais se achando livre para instigar a rebelião no Céu, encontrou a inimizade de Satanás contra Deus um novo campo, ao tramar a ruína do gênero humano. Na felicidade e paz do santo casal do Éden, contemplou um quadro da ventura que para ele estava para sempre perdida. Movido pela inveja decidiu-se a incitá-los à desobediência, e trazer sobre eles a culpa e o castigo do pecado. Mudaria o seu amor em desconfiança, seus cânticos de louvor em exprobrações a seu Criador. Assim não somente mergulharia estes seres inocentes na mesma miséria que ele próprio suportava, mas lançaria desonra a Deus, e ocasionaria pesares no Céu. PP 24.1

Nossos primeiros pais não foram deixados sem avisos do perigo que os ameaçava. Mensageiros celestiais expuseram-lhes a história da queda de Satanás, e suas tramas para sua destruição, explicando mais completamente a natureza do governo divino, que o príncipe do mal estava procurando transtornar. Foi pela desobediência às justas ordens de Deus que Satanás e seu exército caíram. Quão importante, pois, que Adão e Eva honrassem aquela lei pela qual somente é possível manter-se a ordem e a eqüidade! PP 24.2

A lei de Deus é tão sagrada como Ele próprio. É uma revelação de Sua vontade, uma transcrição de Seu caráter, expressão do amor e sabedoria divinos. A harmonia da criação depende da perfeita conformidade de todos os seres, de todas as coisas, animadas e inanimadas, com a lei do Criador. Deus determinou leis, não somente para o governo dos seres vivos, mas para todas as operações da natureza. Tudo se encontra sob leis fixas, que não podem ser desrespeitadas. Todavia, ao mesmo tempo em que tudo na natureza é governado por leis naturais, o homem unicamente, dentre todos os que habitam na Terra, é responsável perante a lei moral. Ao homem, a obra coroadora da criação, Deus deu o poder de compreender o que Ele requer, a justiça e beneficência de Sua lei, e as santas reivindicações da mesma para com ele; e do homem se exige inabalável obediência. PP 24.3

Semelhantes aos anjos, os moradores do Éden haviam sido postos sob prova; seu feliz estado apenas poderia ser conservado sob a condição de fidelidade para com a lei do Criador. Poderiam obedecer e viver, ou desobedecer e perecer. Deus os fizera receptáculos de ricas bênçãos; mas, se desatendessem a Sua vontade, Aquele que não poupou os anjos que pecaram, não os poderia poupar; a transgressão privá-los-ia de seus dons, e sobre eles traria miséria e ruína. PP 24.4

Os anjos os advertiram a que estivessem de sobreaviso contra os ardis de Satanás; pois seus esforços para os enredar seriam incansáveis. Enquanto fossem obedientes a Deus, o maligno não lhes poderia fazer mal; pois sendo necessário, todos os anjos do Céu seriam enviados em seu auxílio. Se com firmeza repelissem suas primeiras insinuações, estariam tão livres de perigo como os mensageiros celestiais. Se, porém, cedessem uma vez à tentação, sua natureza se tornaria tão depravada que não teriam em si poder nem disposição para resistir a Satanás. PP 25.1

A árvore da ciência se tornara a prova de sua obediência e amor a Deus. O Senhor achara conveniente não lhes impor senão uma proibição quanto ao uso de tudo que estava no jardim; mas, se desatendessem a Sua vontade neste particular, incorreriam na culpa de transgressão. Satanás não os acompanharia com tentações contínuas; poderia ter acesso a eles unicamente junto à árvore proibida. Se eles tentassem examinar a natureza da mesma, estariam expostos aos seus ardis. Foram admoestados a dar cuidadosa atenção à advertência que Deus lhes enviara, e estarem contentes com as instruções que Ele achara conveniente comunicar-lhes. PP 25.2

A fim de realizar a sua obra sem que fosse percebido, Satanás preferiu fazer uso da serpente como médium, disfarce este bem adaptado ao seu propósito de enganar. A serpente era então uma das mais prudentes e belas das criaturas da Terra. Tinha asas, e enquanto voava pelos ares apresentava uma aparência de brilho deslumbrante, tendo a cor e o brilho de ouro polido. Pousando nos ramos profusamente carregados da árvore proibida, e saboreando o delicioso fruto, era seu objetivo chamar a atenção e deleitar os olhos de quem a visse. Assim, no jardim da paz emboscava-se o destruidor, a observar a sua presa. PP 25.3

Os anjos haviam advertido Eva de que tivesse o cuidado de não se afastar do esposo enquanto se ocupavam com seu trabalho diário no jardim; junto dele estaria em menor perigo de tentação, do que se estivesse sozinha. Mas, absorta em sua aprazível ocupação, inconscientemente se desviou de seu lado. Percebendo que estava só, sentiu uma apreensão de perigo, mas afugentou seus temores, concluindo que ela possuía sabedoria e força suficientes para discernir o mal e resistir-lhe. Esquecida do aviso do anjo, logo se achou a contemplar, com um misto de curiosidade e admiração, a árvore proibida. O fruto era muito belo, e ela perguntava a si mesma por que seria que Deus os privara do mesmo. Era então a oportunidade do tentador. Como se fosse capaz de distinguir as cogitações de seu espírito, a ela assim se dirigiu: “É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?” Gênesis 3:1. PP 25.4

Eva ficou surpresa e admirada quando assim pareceu ouvir o eco de seus pensamentos. Mas a serpente continuou, com voz melodiosa, com sutis louvores à superior beleza de Eva; e suas palavras não lhe eram desagradáveis. Em vez de fugir do local, deteve-se, maravilhada, a ouvir uma serpente falar. Houvesse se dirigido a ela um ser semelhante aos anjos, e ter-se-iam despertado seus receios; ela, porém, não tinha idéia alguma de que a fascinadora serpente pudesse tornar-se o intermediário do adversário decaído. PP 25.5

À pergunta ardilosa do tentador, ela responde: “Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.” PP 26.1

Participando desta árvore, declarou ele, atingiriam uma esfera mais elevada de existência, e entrariam para um campo mais vasto de saber. Ele próprio havia comido do fruto proibido, e como resultado adquirira o dom da fala. E insinuou que o Senhor cuidadosamente desejava privá-los do mesmo, para que não acontecesse serem exaltados à igualdade para com Ele. Foi por causa de suas maravilhosas propriedades, que comunicavam sabedoria e poder, que Ele lhes havia proibido prová-lo, ou mesmo nele tocar. O tentador insinuou que a advertência divina não devia ser efetivamente cumprida; destinava-se simplesmente a intimidá-los. Como seria possível morrerem eles? Não haviam comido da árvore da vida? Deus estivera procurando impedi-los de atingir um desenvolvimento mais nobre, e de encontrarem maior felicidade. PP 26.2

Tal tem sido a obra de Satanás desde os dias de Adão até o presente, e com a mesma tem ele prosseguido com grande êxito. Ele tenta os homens a desconfiarem do amor de Deus, e a duvidarem de Sua sabedoria. Está constantemente procurando despertar um espírito de irreverente curiosidade, um inquieto, inquiridor desejo de penetrar os segredos da sabedoria e poder divinos. Em seus esforços para pesquisarem o que Deus foi servido recusar-lhes, multidões descuidam-se das verdades que Ele revelou, e que são essenciais para a salvação. Satanás tenta os homens à desobediência, levando-os a crer que estão a entrar em um maravilhoso campo de saber. Mas tudo isto é um engano. Desvanecendo-se com suas idéias de progresso, acham-se eles desprezando os mandamentos de Deus, colocando os pés na senda que leva à degradação e morte. PP 26.3

Satanás fez parecer ao santo par que eles ganhariam, violando a lei de Deus. Não ouvimos hoje idêntico raciocínio? Muitos falam da estreiteza daqueles que obedecem aos mandamentos de Deus, enquanto afirmam possuir idéias mais amplas e desfrutar de maior liberdade. O que é isto senão um eco da voz do Éden: “No dia em que dele comerdes”, isto é, transgredirdes a ordem divina, “sereis como Deus”? Gênesis 3:5. Satanás alegou ter recebido grande benefício, comendo do fruto proibido, mas não deixou transparecer que pela transgressão viera a ser expulso do Céu. Embora houvesse achado que do pecado resulta infinita perda, ocultou sua própria miséria, a fim de arrastar outros à mesma posição. Assim hoje o transgressor procura disfarçar seu verdadeiro caráter; ele pode pretender ser santo; mas a sua elevada profissão apenas o torna mais perigoso como enganador. Acha-se ele do lado de Satanás, pisando a lei de Deus, e levando outros a fazerem o mesmo para a sua ruína eterna. PP 26.4

Eva creu realmente nas palavras de Satanás, mas a sua crença não a salvou da pena do pecado. Descreu das palavras de Deus, e isto foi o que a levou à queda. No Juízo, os homens não serão condenados porque conscienciosamente creram na mentira, mas porque não acreditaram na verdade, porque negligenciaram a oportunidade de aprender o que é a verdade. Apesar do sofisma de Satanás indicando o contrário, é sempre desastroso desobedecer a Deus. Devemos aplicar o coração a conhecer o que é a verdade. Todas as lições que Deus fez com que fossem registradas em Sua Palavra, são para a nossa advertência e instrução. São dadas para nos salvar do engano. Da negligência às mesmas resultará ruína a nós mesmos. O que quer que contradiga a Palavra de Deus, podemos estar certos de que procede de Satanás. PP 27.1

A serpente apanhou o fruto da árvore proibida e colocou-o nas mãos de Eva, que estava meio relutante. Fê-la então lembrar-se de suas próprias palavras de que Deus lhes proibira tocar nele, para que não morressem. Não receberiam maior mal comendo o fruto, declarou ele, do que nele tocando. Não percebendo maus resultados do que fizera, Eva ficou mais ousada. Quando viu “que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu”. Gênesis 3:6. Era agradável ao paladar; e, enquanto comia, pareceu-lhe sentir um poder vivificador, e imaginou-se a entrar para uma esfera mais elevada de existência. Sem receio apanhou e comeu. E agora, havendo ela transgredido, tornou-se o agente de Satanás para efetuar a ruína de seu esposo. Em um estado de exaltação estranha e fora do natural, com as mãos cheias do fruto proibido, procurou a presença dele, e relatou tudo que ocorrera. PP 27.2

Uma expressão de tristeza sobreveio ao rosto de Adão. Mostrou-se atônito e alarmado. Às palavras de Eva replicou que isto devia ser o adversário contra quem haviam sido advertidos; e pela sentença divina ela deveria morrer. Em resposta insistiu com ele para comer, repetindo as palavras da serpente, de que certamente não morreriam. Ela raciocinava que isto deveria ser verdade, pois que não sentia evidência alguma do desagrado de Deus, mas ao contrário experimentava uma influência deliciosa, alegre, a fazer fremir toda a faculdade de uma nova vida, influência tal, imaginava ela, como a que inspirava os mensageiros celestiais. PP 27.3

Adão compreendeu que sua companheira transgredira a ordem de Deus, desrespeitara a única proibição a eles imposta como prova de sua fidelidade e amor. Teve uma terrível luta íntima. Lamentava que houvesse permitido desviar-se Eva de seu lado. Agora, porém, a ação estava praticada; devia separar-se daquela cuja companhia fora sua alegria. Como poderia suportar isto? Adão havia desfrutado da companhia de Deus e dos santos anjos. Havia olhado para a glória do Criador. Compreendia o elevado destino manifesto à raça humana, se permanecessem fiéis a Deus. Todavia, estas bênçãos todas foram perdidas de vista com o receio de perder ele aquela única dádiva, que, a seus olhos, sobrepujava todas as outras. O amor, a gratidão, a lealdade para com o Criador, tudo foi suplantado pelo amor para com Eva. Ela era uma parte dele, e ele não podia suportar a idéia da separação. Não compreendia que o mesmo Poder infinito que do pó da terra o havia criado, como um ser vivo e belo, e amorosamente lhe dera uma companheira, poderia preencher a falta desta. Resolveu partilhar sua sorte; se ela devia morrer, com ela morreria ele. Afinal, raciocinou, não poderiam ser verdadeiras as palavras da sábia serpente? Eva estava diante dele, tão bela, e aparentemente tão inocente como antes deste ato de desobediência. Exprimia maior amor para com ele do que antes. Nenhum sinal de morte aparecia nela, e ele se decidiu a afrontar as conseqüências. Tomou o fruto, e o comeu rapidamente. PP 27.4

Depois da sua transgressão, Adão a princípio imaginou-se a entrar para uma condição mais elevada de existência. Mas logo o pensamento de seu pecado o encheu de terror. O ar, que até ali havia sido de uma temperatura amena e uniforme, parecia resfriar o culpado casal. Desapareceram o amor e paz que haviam desfrutado, e em seu lugar experimentavam uma intuição de pecado, um terror pelo futuro, uma nudez de alma. A veste de luz que os rodeara, agora desapareceu; e para suprir sua falta procuraram fazer para si uma cobertura, pois enquanto estivessem nus, não podiam enfrentar o olhar de Deus e dos santos anjos. PP 28.1

Começaram então a ver o verdadeiro caráter de seu pecado. Adão censurou a companheira pela sua insensatez em sair de seu lado, e deixar-se enganar pela serpente; mas ambos acalentaram a esperança de que Aquele que lhes tinha dado tantas provas de Seu amor, perdoaria esta única transgressão, ou de que não seriam submetidos a um tão horrendo castigo como haviam receado. PP 28.2

Satanás exultou com seu êxito. Tinha tentado a mulher a desconfiar do amor de Deus, a duvidar de Sua sabedoria, e a transgredir a Sua lei e, por meio dela, ocasionara a derrota de Adão. PP 28.3

Entretanto, o grande Legislador estava para tornar conhecidas a Adão e Eva as conseqüências de sua transgressão. Manifestou-se no jardim a presença divina. Em sua inocência e santidade tinham eles alegremente recebido a aproximação de seu Criador; mas agora fugiram aterrorizados, e procuraram esconder-se nos mais profundos recessos do jardim. Mas “chamou o Senhor Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás? E ele disse: Ouvi a Tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me. E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?” Gênesis 3:11. PP 28.4

Adão não podia negar nem desculpar seu pecado; mas, em vez de manifestar arrependimento, esforçou-se por lançar a culpa sobre a esposa, e assim sobre o próprio Deus: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e eu comi”. Gênesis 3:12. Aquele que, por amor a Eva, havia deliberadamente preferido perder a aprovação de Deus, o seu lar no Paraíso, e uma vida eterna de alegria, podia, agora, depois de sua queda, procurar tornar sua companheira, e mesmo o próprio Criador, responsável pela transgressão. Tão terrível é o poder do pecado. PP 29.1

Quando foi interrogado à mulher: “Por que fizeste isto?” ela respondeu: “A serpente me enganou, e eu comi”. Gênesis 3:13. “Por que criaste a serpente? Por que lhe permitiste entrar no Éden?” — Tais eram as perguntas envolvidas em sua desculpa apresentada pelo pecado. Assim, como fizera Adão, lançou sobre Deus a responsabilidade de sua queda. O espírito de justificação própria originou-se com o pai da mentira; foi alimentado por nossos primeiros pais logo que se renderam à influência de Satanás, e tem sido apresentado por todos os filhos e filhas de Adão. Em vez de humildemente confessarem os pecados, procuram escudar-se lançando a culpa sobre outros, sobre as circunstâncias, ou sobre Deus, fazendo mesmo de Suas bênçãos um motivo para murmuração contra Ele. PP 29.2

O Senhor então pronunciou sentença sobre a serpente: “Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a besta, e mais que todos os animais do campos; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida”. Gênesis 3:14. Visto que havia sido empregada como o intermediário de Satanás, a serpente devia participar da visitação do juízo divino. Da mais linda e admirada das criaturas do campo, devia tornar-se na mais rasteira e detestada de todas elas, temida e odiada tanto pelo homem como pelos animais. As palavras dirigidas em seguida à serpente aplicam-se diretamente ao próprio Satanás, indicando de antemão sua final derrota e destruição: “Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Gênesis 3:15. PP 29.3

Referiram-se a Eva a tristeza e a dor que deveriam dali em diante ser o seu quinhão. E disse o Senhor: “O teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará”. Gênesis 3:16. Na criação Deus a fizera igual a Adão. Se houvessem eles permanecido obedientes a Deus — em harmonia com Sua grande lei de amor — sempre estariam em harmonia um com o outro; mas o pecado trouxera a discórdia, e agora poderia manter-se a sua união e conservar-se a harmonia unicamente pela submissão por parte de um ou de outro. Eva fora a primeira a transgredir; e caíra em tentação afastando-se de seu companheiro, contrariamente à instrução divina. Foi à sua solicitação que Adão pecou, e agora foi posta sob a sujeição de seu marido. Se os princípios ordenados na lei de Deus tivessem sido acariciados pela raça decaída, esta sentença, se bem que proveniente dos resultados do pecado, ter-se-ia mostrado ser uma bênção para o gênero humano; mas o abuso da supremacia assim dada ao homem tem tornado a sorte da mulher mui freqüentemente bastante amargurada, fazendo de sua vida um fardo. PP 29.4

Eva tinha sido perfeitamente feliz ao lado do esposo, em seu lar edênico; mas, semelhante às inquietas Evas modernas, lisonjeou-se com a esperança de entrar para uma esfera mais elevada do que aquela que Deus lhe designara. Tentando erguer-se acima de sua posição original, caiu muito abaixo da mesma. Idêntico resultado será alcançado por todas as que estão indispostas a assumir com bom ânimo os deveres da vida, de acordo com o plano de Deus. Em seus esforços para atingirem posições para as quais Ele não as adaptou, muitas estão deixando vago o lugar em que poderiam ser uma bênção. Em seu desejo de uma esfera mais elevada, muitas têm sacrificado a verdadeira dignidade feminil, e a nobreza de caráter, e deixaram por fazer precisamente o trabalho que o Céu lhes designou. PP 30.1

A Adão disse o Senhor: “Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela: maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó, e em pó te tornarás”. Gênesis 3:17-19. PP 30.2

Não era a vontade de Deus que o casal sem pecados conhecesse algo do mal. Livremente lhes dera o bem, e lhes recusara o mal. Mas, contrariamente à Sua ordem, haviam comido da árvore proibida, e agora continuariam a comer dela, isto é, teriam a ciência do mal, por todos os dias de sua vida. Desde aquele tempo o gênero humano seria afligido pelas tentações de Satanás. Em vez do trabalho feliz até então a eles designado, a ansiedade e a labuta seriam seu quinhão. Estariam sujeitos ao desapontamento, pesares, dor, e finalmente à morte. PP 30.3

Sob a maldição do pecado, a natureza toda devia testemunhar ao homem o caráter e resultado da rebelião contra Deus. Quando Deus fez o homem, Ele o fez governador sobre a Terra e todas as criaturas viventes. Enquanto Adão permanecesse fiel ao Céu, toda a natureza estaria sob a sua sujeição. Quando, porém, se rebelou contra a lei divina, as criaturas inferiores ficaram em rebelião contra o seu domínio. Assim o Senhor, em Sua grande misericórdia, mostraria aos homens a santidade de Sua lei, e os levaria por sua própria experiência a ver o perigo de a pôr de lado, mesmo no mínimo grau. PP 30.4

E a vida de labutas e cuidados que dali em diante deveria ser o quinhão do homem, foi ordenada com amor. Uma disciplina que se tornara necessária pelo seu pecado, foi o obstáculo posto à satisfação do apetite e paixão, e o desenvolvimento de hábitos de domínio próprio. Fazia parte do grande plano de Deus para a restauração do homem, da ruína e degradação do pecado. A advertência feita a nossos primeiros pais — “No dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:17), não implicava que devessem eles morrer no próprio dia em que participassem do fruto proibido. Mas naquele dia a irrevogável sentença seria pronunciada. A imortalidade lhes era prometida sob condição de obediência; pela transgressão despojar-se-iam da vida eterna. Naquele mesmo dia estariam condenados à morte. PP 30.5

A fim de possuir uma existência eterna, o homem devia continuar a participar da árvore da vida. Privado disto, sua vitalidade diminuiria gradualmente até que a vida se extinguisse. Era o plano de Satanás que Adão e Eva pela desobediência incorressem no desprazer de Deus; e então, se deixassem de obter o perdão, esperava que comessem da árvore da vida, e assim perpetuassem uma existência de pecado e miséria. Depois da queda do homem, porém, santos anjos foram imediatamente comissionados para guardarem a árvore da vida. Em redor desses anjos chamejavam raios de luz, tendo a aparência de uma espada inflamada. A nenhum da família de Adão foi permitido passar aquela barreira para participar do fruto doador de vida; logo, não há nenhum pecador imortal. PP 31.1

A onda de desgraças que emanou da transgressão de nossos primeiros pais, é considerada por muitos como uma conseqüência demasiado terrível para um pecado tão pequeno; e acusam a sabedoria e justiça de Deus em Seu trato com o homem. Mas, se eles olhassem mais profundamente para esta questão, poderiam discernir o seu erro. Deus criou o homem à Sua semelhança, livre do pecado. A Terra devia ser povoada com seres algo inferiores aos anjos; mas a sua obediência seria provada, pois que Deus não permitiria que o mundo se enchesse daqueles que desrespeitassem a Sua lei. Contudo, em Sua grande misericórdia, não designou a Adão uma prova severa. E a própria leveza da proibição tornou o pecado excessivamente grande. Se Adão não pôde suportar a menor das provas, não poderia ter resistido a uma prova maior, caso houvessem sido confiadas a ele maiores responsabilidades. PP 31.2

Se tivesse sido designada a Adão alguma prova grande, aqueles cujo coração, se inclina para o mal desculpar-se-iam então, dizendo: “Isto é uma coisa trivial, e Deus não é tão exigente a respeito de coisas pequenas”. E haveria contínua transgressão em coisas consideradas pequenas, as quais ficam sem reprovação humana. O Senhor, porém, tornou patente que o pecado, em qualquer grau, é ofensivo para Ele. PP 31.3

A Eva pareceu coisa pequena desobedecer a Deus provando o fruto da árvore proibida, e tentar o esposo a transgredir também; entretanto, o pecado deles abriu as portas ao dilúvio das desgraças sobre o mundo. Quem pode saber, no momento da tentação, as terríveis conseqüências que advirão de um passo errado? PP 31.4

Muitos que ensinam que a lei de Deus não está em vigor para o homem, insistem que é impossível a este obedecer aos seus preceitos. Mas, se isto fosse verdade, por que sofreu Adão a pena da transgressão? O pecado de nossos primeiros pais acarretou a culpa e a tristeza sobre o mundo, e se não fora a bondade e misericórdia de Deus, teria mergulhado a raça humana em irremediável desespero. Que ninguém se engane. “O salário do pecado é a morte”. Romanos 6:23. A lei de Deus não pode ser transgredida hoje com menos impunidade do que quando fora pronunciada a sentença sobre o pai da humanidade. PP 31.5

Depois de seu pecado Adão e Eva não mais deviam habitar no Éden. Encarecidamente rogaram para que pudessem permanecer no lar de sua inocência e alegria. Confessaram que haviam perdido todo o direito àquela feliz morada, mas comprometeram-se para no futuro prestar estrita obediência a Deus. Declarou-se-lhes, porém, que sua natureza ficara depravada pelo pecado; haviam diminuído sua força para resistir ao mal, e aberto o caminho para Satanás ganhar mais fácil acesso a eles. Em sua inocência tinham cedido à tentação; e agora, em estado de culpa consciente, teriam menos poder para manter sua integridade. PP 32.1

Com humildade e indizível tristeza despediram-se de seu belo lar, e saíram para habitar na Terra, onde repousava a maldição do pecado. A atmosfera, que fora tão amena e constante em sua temperatura, estava agora sujeita a assinaladas mudanças, e o Senhor misericordiosamente lhes proveu uma veste de peles, como proteção contra os extremos de calor e frio. PP 32.2

Testemunhando eles, no murchar da flor e no cair da folha, os primeiros sinais da decadência, Adão e sua companheira choraram mais profundamente do que os homens hoje fazem pelos seus mortos. A morte das débeis e delicadas flores era na verdade um motivo para tristeza; mas, quando as formosas árvores derrubaram as folhas, esta cena levou-lhe vividamente ao espírito o fato cruel de que a morte é o quinhão de todo o ser vivente. PP 32.3

O jardim do Éden permaneceu na Terra muito tempo depois que o homem fora expulso de seus agradáveis caminhos. Gênesis 4:16. Foi permitido à raça decaída por muito tempo contemplar o lar da inocência, estando a sua entrada vedada apenas pelos anjos vigilantes. À porta do Paraíso, guardada pelos querubins, revelava-se a glória divina. Para ali iam Adão e seus filhos a fim de adorarem a Deus. Ali renovaram seus votos de obediência àquela lei cuja transgressão os havia banido do Éden. Quando a onda de iniqüidade se propagou pelo mundo, e a impiedade dos homens determinou sua destruição por meio de um dilúvio de água, a mão que plantara o Éden o retirou da Terra. Mas, na restauração final de todas as coisas, quando houver “um novo céu e uma nova Terra” (Apocalipse 21:1), será restabelecido, mais gloriosamente adornado do que no princípio. PP 32.4

Então os que guardaram os mandamentos de Deus respirarão um vigor imortal, por sob a árvore da vida (Apocalipse 2:7; 22:14); e, através de infindáveis séculos, os habitantes dos mundos que não pecaram contemplarão no jardim de delícias um modelo da obra perfeita da criação de Deus, sem qualquer sinal da maldição do pecado — modelo do que teria sido a Terra inteira se tão-somente houvesse o homem cumprido o plano glorioso do Criador. PP 32.5