Atos Dos Apóstolos
Seção 4 — O Ministério De Paulo
Capítulo 35 — A Salvação Para os Judeus
Após muitos inevitáveis atrasos, Paulo chegou afinal a Corinto, cenário de tantos trabalhos ansiosos no passado, e por algum tempo objeto de profunda solicitude. Verificou que muitos dos primitivos crentes ainda se referiam a ele com afeição, como aquele que primeiro lhes levara a luz do evangelho. Como saudasse esses discípulos e visse as evidências de sua fidelidade e zelo, rejubilava-se por sua obra em Corinto não haver sido em vão. AA 194.1
Os crentes de Corinto, outrora tão propensos a perder de vista seu alto chamado em Cristo, tinham desenvolvido força de caráter cristão. Suas palavras e atos revelavam o poder transformador da graça de Deus, e eram eles agora uma potente força para o bem nesse centro de paganismo e superstição. Na sociedade de seus amados companheiros e desses fiéis conversos, o espírito cansado é abatido do apóstolo encontrou repouso. AA 194.2
Durante sua permanência em Corinto, Paulo achou tempo para projetar novos e mais vastos campos de trabalho. Sua projetada viagem a Roma ocupava especialmente seus pensamentos. Ver a fé cristã firmemente estabelecida no grande centro do mundo conhecido, era uma de suas mais caras esperanças e acalentados planos. Uma igreja já havia sido estabelecida em Roma, e o apóstolo desejava conseguir a cooperação dos crentes dali na obra a ser promovida na Itália e em outros países. A fim de preparar o caminho para os seus trabalhos entre esses irmãos, muitos dos quais lhe eram por enquanto estranhos, enviou-lhes uma carta, anunciando seu intento de visitar Roma e sua esperança de plantar o estandarte da cruz na Espanha. AA 194.3
Em sua epístola aos romanos, Paulo expôs os grandes princípios do evangelho. Ele afirmava a sua posição nas questões que estavam agitando as igrejas judaicas e gentílicas, e mostrava que as esperanças e promessas que haviam pertencido outrora aos judeus especialmente, eram agora oferecidas também aos gentios. AA 194.4
Com grande clareza e poder o apóstolo apresentava a doutrina da justificação pela fé em Cristo. Ele esperava que outras igrejas também pudessem ser ajudadas pela instrução enviada aos cristãos de Roma; mas quão pouco podia ele prever o vasto alcance da influência de suas palavras! Através dos séculos a grande verdade da justificação pela fé tem permanecido como poderoso farol a guiar os pecadores arrependidos ao caminho da vida. Foi esta luz que dissipou as trevas que envolviam a mente de Lutero e revelou-lhe o poder do sangue de Cristo para purificar do pecado. A mesma luz tem guiado à verdadeira fonte de perdão e de paz, milhares de almas sobrecarregadas de pecado. Cada cristão tem motivos para agradecer a Deus pela epístola aos romanos. AA 194.5
Nesta carta Paulo deu livre expressão a suas preocupações em favor dos judeus. Desde sua conversão suspirava ele por ajudar seus irmãos de raça a alcançar uma clara compreensão da mensagem do evangelho. “O bom desejo do meu coração e a oração a Deus por Israel”, declarou, “é para sua salvação” (Rm 10:1). AA 194.6
Não era um desejo comum que o apóstolo sentia. Constantemente estava ele pedindo a Deus para operar em favor dos israelitas que haviam deixado de reconhecer a Jesus de Nazaré como o Messias prometido. “Em Cristo digo a verdade, não minto”, afirmou ele aos crentes de Roma, “dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo, que tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração. Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne; que são israelitas dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos Deus bendito eternamente” (Rm 9:1-5). AA 195.1
Os judeus foram o povo escolhido de Deus, por cujo intermédio Ele Se propusera abençoar toda a humanidade. Dentre eles Deus havia levantado muitos profetas. Estes haviam predito o advento de um Redentor que devia ser rejeitado e morto pelos que deveriam ter sido os primeiros a reconhecê-Lo como o Prometido. AA 195.2
O profeta Isaías, devassando os séculos e testemunhando a rejeição de profeta após profeta e finalmente do Filho de Deus, foi inspirado a escrever com respeito à aceitação do Redentor por parte daqueles que nunca haviam sido antes contados entre os filhos de Israel. Referindo-se a esta profecia, Paulo declara: “Isaías ousadamente diz: Fui achado pelos que Me não buscavam, fui manifestado aos que por Mim não perguntavam. Mas contra Israel diz: Todo o dia estendi as Minhas mãos a um povo rebelde e contradizente” (Rm 9:1-5). AA 195.3
Muito embora houvesse Israel rejeitado Seu Filho, Deus não os rejeitou. Notai como Paulo continua a argumentar: “Digo pois: Porventura rejeitou Deus o Seu povo? De modo nenhum; porque também eu sou israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. Deus não rejeitou o Seu povo, que antes conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura diz de Elias, como fala a Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os Teus profetas, e derribaram os Teus altares; e só eu fiquei, e buscam a minha alma? Mas que lhe diz a resposta divina? Reservei para mim sete mil varões, que não dobraram os joelhos diante de Baal. Assim pois também agora neste tempo ficou um resto, segundo a eleição da graça” (Rm 11:1-5). AA 195.4
Israel tinha tropeçado e caído, mas isto não tornara impossível para eles se levantarem outra vez. Em resposta à pergunta: “Porventura tropeçaram, para que caíssem?” o apóstolo responde: “De modo nenhum, mas pela sua queda veio a salvação aos gentios, para os incitar à emulação. E, se a sua queda é a riqueza do mundo, e a sua diminuição a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude! Porque convosco falo, gentios, que, enquanto for apóstolo dos gentios, glorificarei o meu ministério; para ver se de alguma maneira posso incitar à emulação os da minha carne e salvar alguns deles. Porque, se a sua rejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?” (Rm 11:11-15). AA 195.5
Era propósito de Deus que Sua graça fosse revelada entre os gentios bem como entre os israelitas. Isto havia sido claramente esboçado nas profecias do Antigo Testamento. O apóstolo usa algumas dessas profecias em seu argumento. “Não tem o oleiro poder sobre o barro”, interroga, “para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a Sua ira, e dar a conhecer o Seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da Sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? Como também diz em Oséias: Chamarei Meu povo ao que não era Meu povo; e amada à que não era amada. E sucederá que no lugar em que lhes foi dito: Vós não sois Meu povo; aí serão chamados filhos do Deus vivo” (Rm 9:21-26). AA 195.6
Não obstante haver Israel falhado como nação, havia entre eles um considerável remanescente em condições de serem salvos. Ao tempo do advento do Salvador, houve homens e mulheres fiéis que receberam com alegria a mensagem de João Batista, e foram assim levados a estudar de novo as profecias referentes ao Messias. Quando a igreja cristã primitiva foi fundada, foi ela composta desses fiéis judeus que reconheceram Jesus de Nazaré como Aquele cujo advento haviam almejado. É a este remanescente que Paulo se refere quando escreve: “E, se as primícias são santas, também a massa o é; se a raiz é santa, também os ramos o são.” AA 196.1
Paulo relaciona o remanescente de Israel a uma boa oliveira de que alguns galhos foram quebrados. E compara os gentios aos ramos de uma oliveira silvestre, enxertados no tronco da oliveira-mãe. “E se alguns dos ramos foram quebrados”, escreve ele aos crentes gentios, “e tu, sendo zambujeiro, foste enxertado em lugar deles, e feito participante da raiz e da seiva da oliveira, não te glories contra os ramos; e, se contra eles te gloriares, não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti. Dirás pois: Os ramos foram quebrados, para que eu fosse enxertado. Está bem; pela sua incredulidade foram quebrados, e tu estás em pé pela fé; então não te ensoberbeças, mas teme. Porque, se Deus não poupou os ramos naturais, teme que te não poupe a ti também. Considerai pois a bondade e a severidade de Deus; para com os que caíram, severidade; mas para contigo, a benignidade de Deus, se permaneceres na Sua benignidade; de outra maneira, também tu serás cortado” (Rm 11:16-22). AA 196.2
Devido à incredulidade e à rejeição do propósito do Céu para eles, Israel como nação perdera sua ligação com Deus. Mas os ramos que haviam sido cortados do tronco, Deus podia ligar ao verdadeiro tronco de Israel - o remanescente que havia permanecido fiel ao Deus de seus pais. “E também eles”, declara o apóstolo, falando dos ramos cortados, “se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar.” “Se tu”, escreve aos gentios, “foste cortado do natural zambujeiro, e contra a natureza, enxertada na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. AA 196.3
“E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades. E este será o Meu concerto com eles, quando Eu tirar os seus pecados. Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento. Porque assim como vós também antigamente fostes desobedientes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia pela desobediência deles, assim também estes agora foram desobedientes, para também alcançarem misericórdia pela misericórdia a vós demonstrada. Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia. AA 196.4
“Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os Seus juízos, e quão inescrutáveis os Seus caminhos! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? ou quem foi Seu conselheiro? Ou quem Lhe deu primeiro a Ele, para que lhe seja recompensado? Porque dEle e por Ele, e para Ele, são todas as coisas; glória pois a Ele eternamente” (Rm 11:26-36). AA 197.1
Assim mostra Paulo que Deus é abundantemente capaz de transformar o coração de judeus e gentios semelhantemente, e de conceder a cada crente em Cristo as bênçãos prometidas a Israel. Ele repete a declaração de Isaías concernente ao povo de Deus: “Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo. Porque o Senhor executará a Sua palavra sobre a Terra, completando-a e abreviando-a. E como antes disse Isaías: Se o Senhor dos exércitos não nos deixara descendência, teríamos sido feitos como Sodoma, e seríamos semelhantes a Gomorra” (Rm 9:27-29). AA 197.2
Ao tempo em que Jerusalém foi destruída e o templo posto em ruínas, muitos milhares de judeus foram vendidos para servir como escravos em terras pagãs. Como náufragos numa praia deserta, foram espalhados entre as nações. Por mil e oitocentos anos têm os judeus vagueado de terra em terra através do mundo, e em nenhum lugar tem-se-lhes dado o privilégio de recuperarem o antigo prestígio como nação. Malsinados, odiados, perseguidos, de século em século sua herança tem sido de sofrimento. AA 197.3
Muito embora a tremenda sentença pronunciada sobre os judeus como nação ao tempo da rejeição de Jesus de Nazaré, por parte deles, tem havido de século em século muitos judeus nobres, homens e mulheres, tementes a Deus, os quais têm sofrido em silêncio. Deus tem confortado seus corações em aflição, e tem contemplado AA 197.4
com piedade sua terrível situação. Tem ouvido as agonizantes orações dos que de todo o coração O têm buscado para uma justa compreensão de Sua Palavra. Alguns têm aprendido a ver no humilde Nazareno a quem seus antepassados rejeitaram e crucificaram, o verdadeiro Messias de Israel. Ao alcançar sua mente o significado das familiares profecias há muito obscurecidas pela tradição e errada interpretação, seu coração se tem enchido de gratidão a Deus pelo dom inaudito que Ele outorga a todo ser humano que decide aceitar a Cristo como um Salvador pessoal. AA 197.5
É a esta classe que Isaías se refere em sua profecia: “O remanescente é que será salvo” (Is 10:22, 23). Desde os dias de Paulo até o presente, Deus pelo Seu Espírito Santo tem estado a chamar tanto a judeus como a gentios. “Deus não faz acepção de pessoas” (Rm 2:11), declarou Paulo. O apóstolo considerava-se a si mesmo devedor “tanto a gregos como a bárbaros”, bem como a judeus; mas jamais perdeu ele de vista as decididas vantagens que os judeus haviam possuído sobre outros, “primeiramente”, porque “as palavras de Deus lhe foram confiadas” (Rm 3:2). “O evangelho”, declarou, “é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé” (Rm 1:16, 17). É deste evangelho de Cristo, igualmente eficaz a judeus e gentios, que Paulo em sua epístola aos romanos declara não se envergonhar. AA 197.6
Quando este evangelho for apresentado em sua plenitude aos judeus, muitos aceitarão a Cristo como o Messias. Entre os ministros cristãos há poucos que se sentem AA 198.1
chamados a trabalhar pelo povo judeu; mas aos que têm sido passados por alto, bem como a todos os outros, deve chegar a mensagem de misericórdia e esperança em Cristo. AA 198.2
Na proclamação final do evangelho, quando deve ser feito um trabalho especial pelas classes de pessoas até aqui negligenciadas, Deus espera que Seus mensageiros tomem interesse especial pelo povo judeu, o qual eles encontram em todas as partes da Terra. Ao serem as Escrituras do Antigo Testamento amalgamadas com o Novo numa explanação do eterno propósito de Jeová, isto será para muitos judeus como o raiar de uma nova criação, a ressurreição da alma. Ao verem o Cristo da dispensação evangélica retratado nas páginas das Escrituras do Antigo Testamento, e perceberem quão claramente o Novo Testamento explica o Antigo, suas adormecidas faculdades despertarão e eles reconhecerão a Cristo como o Salvador do mundo. Muitos receberão a Cristo pela fé como seu Redentor. Em relação a eles se cumprirão as palavras: “Mas, a todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no Seu nome” (Jo 1:12). AA 198.3
Há entre os judeus alguns que, como Saulo de Tarso, são poderosos nas Escrituras, e esses proclamarão com maravilhoso poder a imutabilidade da lei de Deus. O Deus de Israel fará que isto suceda em nossos dias. Seu braço não está encolhido para que não possa salvar. Ao trabalharem Seus servos em fé pelos que de muito têm sido negligenciados e desprezados, Sua salvação será revelada. AA 198.4
“Assim diz o Senhor, que remiu a Abraão, acerca da casa de Jacó: Jacó não será agora envergonhado, nem agora se descorará a sua face. Mas quando vir a Seus filhos, a obra das Minhas mãos, no meio dele, santificarão o Meu nome, e santificarão ao Santo de Jacó, e temerão ao Deus de Israel. E os errados de espírito virão a ter entendimento, e os murmuradores aprenderão doutrina” (Is 29:22-24). AA 198.5