Filhas de Deus

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Carta a uma mulher egocêntrica

A seguinte carta foi escrita para a Florida [Sra. Sidney Brownsberger], uma infeliz mulher cuja vida se desequilibrou por causa do egoísmo e da falta de autocontrole. FD 131.2

Querida irmã Brownsberger:

Escrevi-lhe algumas coisas enquanto a reunião campal estava em andamento, mas, como lhe referi algumas dessas coisas, não as mandei. Minha mente está mais uma vez pesarosa. Sinto por você a mais profunda piedade e simpatia, porque você acha que sabe tudo a seu respeito. [Você] assume a posição fixa de que ninguém a entende e de que você é peculiar quanto ao temperamento e disposição. Deveria reconhecer que o Senhor a conhece melhor do que você mesma. Por ocasião da reunião campal, senti a intensa impressão de que você devia ser abençoada, confortada e fortalecida — o que lhe traria felicidade, paz e uma genuína alegria cristã, diariamente. FD 131.3

Para que isso acontecesse, eu sabia que você precisaria ter, de si e dos seus deveres, idéias mais claras do que já teve até aqui na vida. Sabia que você deveria ser uma mulher verdadeiramente convertida, e isso é exatamente algo contra o qual você tem argumentado, como se mudança alguma pudesse ocorrer com você — você deve permanecer exatamente como é. Bem, tudo isso é uma ilusão. A menos que uma mudança muito grande ocorra com você, a menos que vença o eu e o egoísmo, a menos que esses acariciados traços de caráter sejam vencidos, você terá um caráter defeituoso, manchado, que não encontrará lugar no puro, perfeito e santo reino de Cristo. A obra está diante de você e de mim, e todos os que conquistam a vida eterna precisam vencer cada falta, cada erro, cada defeito de caráter. FD 131.4

Consegue você perceber que é egoísta, que seus pensamentos têm a permissão de centralizar-se no eu? As coisas precisam ser do seu jeito e, a menos que sejam, você se sente completamente infeliz. Seu marido é mais atencioso com você do que a maioria dos homens o é com sua esposa. Ele tem feito exatamente as coisas que você não deveria, de forma alguma, ter permitido que fizesse, pois você mesma poderia e deveria tê-las feito como sua parte do trabalho; mas, por não serem tão amenas, tão agradáveis, você alegremente deixou com ele a sua realização, quando teria sido para o seu bem fazer essas coisas sozinha. Agora tenho grande receio quanto a você. FD 131.5

Sua situação atual será usada como desculpa no sentido de colocar um grande peso sobre seu esposo. Seus marcantes traços de caráter aparecerão; seus pensamentos e simpatias se centralizarão no eu, não porque na sua situação pessoal sofra mais do que uma grande parte das mulheres, mas porque pensa mais na questão; sua imaginação se ativará, e você se esquecerá de que outros passam pelo mesmo sem uma queixa, sem esperar a compreensão dos outros, sem comodidades. FD 132.1

Você, minha irmã, tem pouco autocontrole e não exerce a forte vontade que possui para controlar seus pensamentos e sentimentos. Dá vazão aos seus sentimentos quando as coisas não a satisfazem; em resumo, você sofre de histeria. Isso é necessário? Vi que não era, mas [que] sua condição impede completamente qualquer coisa desse tipo. Você precisa dominar seus sentimentos com uma vontade firme, e nunca permitir que esses espasmos nervosos obtenham a vitória sobre você. Você pode perguntar: Como conseguir isso? Mediante um ponderado autocontrole. Seus sentimentos se melindram terrivelmente quando as coisas não saem de acordo com o seu desejo. Você não pensa em quanta perplexidade, ansiedade e aflição causa a seu esposo, e lança todo o seu peso sobre ele, como se fosse esse o seu privilégio e dever, quando é de educação que você precisa para ser auto-suficiente e altruísta, levando também os outros em consideração. Essa lição você precisa aprender. FD 132.2

Você não precisa ter um desses ataques. Você está se condicionando para que eles se tornem uma temível realidade, uma segunda natureza; e quando as dores do parto chegarem, eles lhe sobrevirão, e as condições que os produzem estarão além do seu controle. Mas você pode agora controlar essas condições e não precisa mais tê-los, assim como eu não preciso ficar assim aflita. Cabe a você mesma decidir se será uma mulher feliz ou infeliz. FD 132.3

Você deveria ser aquilo que Deus deseja — uma mulher que tem confiança em si mesma. Digo-lhe agora, no temor de Deus, que precisa atentar menos para si. Você parece achar que não lhe pode sobrevir nenhuma inconveniência ou sobrecarga, mas muitas mulheres, não mais fortes do que você, para as quais os deveres comuns da vida doméstica são tão plenamente desagradáveis quanto no seu caso, assumem bravamente esses deveres e os cumprem sem reclamar, porque lhes são dados como o seu trabalho. Atos de bondade, caridade e amor para com os outros a tornarão uma com Cristo, e tirarão os seus pensamentos de si mesma. FD 132.4

A prevenção contra a disciplina é sua, mas você não pode desfrutar integridade de caráter, que é a verdadeira santificação, a menos que se discipline firme e decididamente. Não lhe será rebaixamento fazer as muitas coisas da vida doméstica nas quais agora nem sequer toca. Deus quer que sinta a responsabilidade de ser um conforto e bênção para o seu esposo, assim como espera que ele seja um conforto e bênção para você. FD 132.5

Afaste os pensamentos de si mesma; não reclame; seja animosa. Não há razão pela qual não deva ser alegre, nenhum motivo pelo qual a gratidão não habite em seu ser, embora esteja na situação em que se encontra. Não é desgraça nenhuma ter filhos, e a mãe, por seu curso de ação, pode determinar a saúde e disposição deles. FD 133.1

Rogo-lhe que se oculte em Jesus, que seja Sua verdadeira filha, andando em amor e obediência a todos os Seus reclamos, exemplificando na vida o caráter de Jesus — terna e atenciosa com os outros, considerando-os tão bons e merecedores de comodidades, conforto e felicidade como você mesma. Isso você não tem feito. O eu tem sido colocado em primeiro lugar, e o prazer, gosto e felicidade dos outros vem em segundo. Isso não deveria acontecer, embora lhe pareça natural. FD 133.2

Se é que deva entrar no Céu, existe uma obra que Florida deve realizar por si mesma, a qual ninguém pode fazer por ela. Que tipo de Céu seria esse, caso você pudesse entrar lá com todas essas peculiaridades que você alega estarem além da possibilidade de superar? Seria necessário que o Senhor levasse o seu esposo pela morte, que lhe enviasse adversidade removendo seus filhos, que a privasse das bênçãos que agora desfruta, a fim de chamá-la à razão, refinando-a e polindo-a para que se torne altruísta, paciente, reconhecida e grata? Escrevo-lhe agora porque me foram mostradas as muitas desculpas que mulheres grávidas apresentam para a perversidade de seu temperamento, que é tentação de Satanás. Deus lhe concederá graça, se você tomar o rumo de uma cristã que segue a Bíblia. FD 133.3

Sei que você se sentirá mal com esta carta, mas não ouso retê-la. Sua tarefa, agora, é amar a Deus de modo supremo, e ao próximo como a si mesma. Seja tão compreensiva e atenciosa em relação com seu próximo como o é em relação consigo mesma. Não devemos estar tão envoltos em nós mesmos a ponto de deixarmos de nos colocar na situação de outros e tornar seu caso o nosso. Existem outras pessoas tão sensíveis quanto você, tão refinadas no gosto, com excelente intelecto, e que não gostam dos desagradáveis pequenos deveres da vida que alguém deve executar. Partilhe com elas essas responsabilidades e se esqueça de Florida, pelo interesse que tem na felicidade dos outros. Faça o que puder para aliviar o fardo de outros em qualquer função, e não se deixe envolver no egoísmo. FD 133.4

Você poderá achar que isto é severo, mas é exatamente como Deus me apresentou o caso, e por alguma razão senti Seu Espírito impelindo-me a me levantar às três horas da manhã para escrever-lhe. Mediante a fé em Cristo, você poderá tornar-se forte, autoconfiante e útil. Mas lhe digo, Florida, em nome de Jesus, que você não precisa ter esses ataques nervosos que exigem tão grande labor extra e trazem tanto temor, ansiedade e verdadeira aflição ao seu esposo. Ele não pode suportar tudo; é mortal, assim como você. Deus reivindica os talentos que lhe emprestou. Ele não pode fazer sucesso no trabalho e ter saúde e vigor mental, a menos que você, sua esposa, assuma o trabalho da sua vida e o auxilie como somente uma esposa pode fazer. Você pode ser o maior fardo que um homem vai carregar, ou pode ser uma bênção. A decisão é sua de abater e destruir a coragem do seu esposo, por suas maneiras e atitudes, ou fortalecê-lo e edificá-lo. Permita que Jesus presida o templo de sua alma, e todas as coisas, então, estarão em harmonia com Deus. FD 133.5

Não lhe escrevo porque não a amo. Escrevo porque a amo. Você é aquisição do sangue de Cristo. Desejaria que aperfeiçoasse um caráter cristão. O grande respeito com que você acaricia o eu cria uma deformidade moral. Você nunca aperfeiçoará um caráter cristão enquanto não pensar menos em si e tiver uma opinião melhor acerca dos outros. Não deveria tentar esquivar-se de encontrar obstáculos e vencê-los. Você fortalecerá tendões e músculos espirituais ao assumir responsabilidades. Você alega demais sua fragilidade e evita as próprias coisas que lhe trariam forças. FD 134.1

A religião é um princípio ativo, atuante, e proporciona a força vital suficiente para as duras realidades da vida. Nossa Alta Vocação, 333. A religião tem, inclusive, o poder de restringir e controlar o eu, de vencer pronunciadas tendências hereditárias. Tem um verdadeiro poder transformador sobre a vida, modulando o caráter. Cristo foi trabalhador; labutou pelo Seu sustento, trabalhando na carpintaria. Assim, enobreceu e dignificou até o trabalho comum. Agora, minha irmã, a inteligência e a educação nunca tiveram o propósito de tornar aborrecido, desinteressante e desagradável o labor comum. Até os deveres mais comuns da vida doméstica podem ser elevados e dignificados. FD 134.2

A religião sempre comunica poder a seu possuidor para restringir, controlar e equilibrar o caráter, o intelecto e as emoções. Tem o poder de persuadir, suplicar e ordenar com autoridade divina todas as aptidões e afetos. A religião — oh, quisera que todos compreendêssemos sua atuação! Ela nos põe sob as mais importantes obrigações. Ao nos ligarmos a Cristo, comprometemo-nos solenemente a andar como Cristo andou. Nossa Alta Vocação, 333. Quer comamos, quer bebamos ou façamos outra coisa qualquer, tudo deve ser feito com o eu fora de vista e tendo em vista a glória de Deus. Todo ato nosso exerce influência sobre os outros; portanto, cada ato e motivo deve estar sob o controle do Espírito de Deus. FD 134.3

Nossas noções, nossas peculiaridades, são inteiramente humanas e não devem ser satisfeitas ou tratadas complacentemente. O próprio eu precisa ser crucificado, não de quando em quando mas a cada dia, e o físico, a mente e o espírito precisam subordinar-se à vontade de Deus. A glória de Deus, a perfeição do caráter, eis o que deve constituir o alvo, o desígnio da nossa vida. Os seguidores de Cristo precisam imitá-Lo na disposição. Nossa Alta Vocação, 27. É-nos dado um Padrão para copiar, e nenhuma desculpa será aceita por Deus como razão para não alcançar a norma divina, por mais contrária que possa parecer à nossa natureza, aos nossos desejos e inclinações egoístas. Semelhante a Cristo, eis a divisa, não ser como vosso pai ou vossa mãe, mas semelhante a Jesus Cristo — oculto em Cristo, revestido da justiça de Cristo, possuído de Seu Espírito. FD 134.4

Todas as peculiaridades que nos são dadas como herança ou que são adquiridas por meio de condescendência ou de uma educação errônea, precisam ser de todo vencidas, cumpre resistir-lhes com determinação. O amor da estima e o orgulho de opinião, tudo precisa ser levado ao sacrifício. Nossa Alta Vocação, 27. Devem ser vencidos. Não deve haver condescendência com o inimigo da justiça. FD 135.1

O conflito será árduo e cansativo, mas Jesus é nosso ajudador; nEle e por meio dEle devemos ser vencedores, por mais severo que seja o processo. Deus não exige menos de você do que isso. Cada um dos Seus filhos deve ser como Cristo, que não viveu para agradar a Si mesmo. Devemos ter simetria de caráter a fim de estar em pé diante do Filho do homem. A graça de Deus está à espera de sua demanda. Se você pedir, Ele lhe dará graça e forças, conforme a necessidade. FD 135.2

Aquilo que você chama de sensibilidade é orgulho que não admite contradição. O eu deve ser disciplinado, guardado e controlado. A mais decorosa dignidade que se pode possuir é o domínio próprio que suportará provação. A religião de Cristo controlará e restringirá toda paixão profana, estimulará à energia, disciplina própria e operosidade até nas questões da vida doméstica, rotineira, levando-nos a aprender economia, tato, abnegação e a suportar privações sem murmurar. O Espírito de Cristo no coração será revelado no caráter, desenvolverá nobres qualidades e faculdades. “Minha graça te basta” (2 Coríntios 12:9), diz Cristo. FD 135.3

Seus desejos e vontade serão muitas vezes contrariados, mas você não deve desanimar. Jesus a ama e quer que seja feliz mesmo nesta vida, e que seja luz no mundo. Eu gostaria que você visse, e nosso povo visse, o que podem ser e o que podem tornar-se. Deus operará com os seus esforços. Testes nos virão diariamente através de provações e desapontamentos, e o verdadeiro caráter se desenvolverá. Aqueles que não suportam os vexames e as cruzes da vida acabarão por fracassar, quando lhes sobrevierem as provas mais severas. Jesus deseja que você seja feliz, mas você não pode ser feliz querendo as coisas do seu jeito e seguindo o impulso do seu coração. FD 135.4

Deus deseja que você e seu esposo deixem aos outros um exemplo digno de imitação. Você pode fazer isso; caso contrário, Ele nunca exigiria de você tal coisa. Seu auxílio está em Deus. — Carta 25, 1882. FD 135.5