Filhas de Deus
Apêndice A — Na casa de Simão
“Convidou-O um dos fariseus para que fosse jantar com ele. Jesus, entrando na casa do fariseu, tomou lugar à mesa.” Cristo não tinha um lar que pudesse considerar Seu. Aqueles que O convidavam consideravam-nO pobre demais para possuir um lar. Mas cada casa era propriedade Sua. FD 190.1
Simão julgou que, ao fazer essa festa, estivesse honrando a Cristo. Mas, embora aquilo que ele ofereceu lhe pertencesse, ao participar de sua hospitalidade Cristo deu mais do que Lhe fora oferecido. Ao sentar-Se à mesa do fariseu, comeu da provisão fornecida por Seu Pai. Escribas e fariseus eram inquilinos em Sua casa. Sua benevolência lhes proporcionava alimento e vestuário. Caso não Se houvesse tornado o fiador do homem, eles não teriam desfrutado bênçãos. E não somente as bênçãos temporais vêm dEle, mas, a todos os que O recebem, Ele dá o pão da vida. FD 190.2
Cristo comeu com publicanos e pecadores, como também com os fariseus. Quando era convidado aos seus lares, aceitava o convite. Nesse aspecto, ofendia escribas e fariseus, que pensavam que um judeu não devia esquecer-se do muro de separação que a tradição havia erigido. Mas, com Deus, não há seita ou nacionalidade. Quando era assim acusado, Cristo respondia: “Não vim chamar justos e sim pecadores ao arrependimento”. Mateus 9:13. Ele Se colocava na própria avenida em que teria acesso às pessoas que pereciam, e plantava no coração humano as sementes da verdade, sementes que brotariam e produziriam fruto para a glória de Deus. FD 190.3
Cristo nunca proporcionou luxo a Si mesmo, porém permitia que expressões de respeito e amor fluíssem para Ele. Tinha direito a isso. Nada possuía no mundo que alegasse ser Seu, mas fez o mundo e tudo o que nele há. Por amor a nós tornou-Se pobre, para que pela Sua pobreza enriquecêssemos. Assumiu a fraqueza da humanidade. Pudéssemos abrir os olhos, e teríamos visto que Ele era mais forte que o poderoso guerreiro; mas nunca Se esqueceu de que, pela avaliação do mundo, Ele era um homem pobre. FD 190.4
Sua humildade não era uma impostura. Ele era a própria humildade. “Reconhecido em figura humana, a Si mesmo Se humilhou”. Filipenses 2:7. Quando qualquer um Lhe prestava um favor, com celestial delicadeza Ele o abençoava. Não recusava a mais singela flor arrancada pela mão de FD 190.5
uma criança e a Ele oferecida com amor. Aceitava as ofertas dos pequeninos, e abençoava os doadores inscrevendo-lhes o nome no livro da vida. FD 191.1
“E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que Ele estava à mesa na casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com ungüento; e, estando por detrás, aos Seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-Lhe os pés e os ungia com o ungüento. Ao ver isso, o fariseu que o convidara disse consigo mesmo: Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que Lhe tocou, porque é pecadora”. Lucas 7:37-39. FD 191.2
Curando Simão da lepra, Cristo o salvara de uma morte em vida. Mas agora Simão duvidava se o Salvador era profeta. Por Cristo permitir que essa mulher dEle se aproximasse, por não a desprezar como alguém cujos pecados eram demasiado grandes para serem perdoados, por não mostrar que compreendia haver ela caído, Simão foi tentado a pensar que Ele não era profeta. Seu coração estava cheio de desconfiança e descrença. Jesus nada sabe dessa mulher, tão pródiga em demonstrações, pensou ele, ou não lhe permitiria que O tocasse. FD 191.3
Mas Simão não podia ler o coração do seu Hóspede. Foi, porém, a ignorância de Simão acerca de Deus e de Cristo que o levou a assim pensar. Ainda não se havia convertido plenamente do seu farisaísmo. Não percebera que, em tais ocasiões, o Filho de Deus devia agir segundo a maneira de Deus — com compaixão, ternura e misericórdia. A maneira de Simão era não fazer caso do penitente serviço de Maria. Seu ato de beijar os pés de Cristo e os ungir com o ungüento foi exasperante para seu coração endurecido. Pensou que se Cristo fosse profeta, reconheceria os pecadores e os repreenderia. FD 191.4
Lendo os pensamentos de Simão, Cristo lhes deu resposta antes que ele falasse, mostrando, assim, que era profeta de profetas. “Simão,” disse Ele, “uma coisa tenho a dizer-te. [...] Um certo credor tinha dois devedores; um devia-lhe quinhentos dinheiros, e outro cinqüenta. E, não tendo ele com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize pois: qual deles o amará mais? E Simão, respondendo, disse: Tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. E Ele lhe disse: Julgaste bem”. Lucas 7:40-43. FD 191.5
Como fizera Natã com Davi, Cristo ocultou Seu bem atirado golpe sob o véu de uma parábola. Lançou sobre o hospedeiro a responsabilidade de proferir a própria sentença. Essa maneira de apresentar a questão fez com que Simão se sentisse muito constrangido. Simão induzira ao pecado a mulher que ora desprezava. Fora por ele profundamente prejudicada. Pelos dois devedores da parábola, eram representados Simão e a mulher. Queria mostrar-lhe que seu pecado era maior que o dela, tão maior, como um débito de quinhentos dinheiros é superior a uma dívida de cinqüenta. FD 191.6
Simão começou então a ver-se sob um novo aspecto. Observou como Maria era considerada por Alguém que era mais que profeta. Notou que, FD 191.7
com o penetrante olhar profético, Cristo lhe lera o amorável e devotado coração. A vergonha apoderou-se dele, e percebeu achar-se em presença de Alguém que lhe era superior. FD 192.1
Simão havia duvidado de que Cristo fosse profeta, mas, por Seu próprio conhecimento acerca dessa mulher, Cristo deu evidência de Seu caráter profético. Suas poderosas obras davam testemunho dEle. Seus milagres, Suas maravilhosas instruções, Sua longanimidade, Sua humildade, eram evidências de Sua divindade. Simão não precisava ter duvidado. FD 192.2
“Entrei em tua casa”, continuou Cristo, “e não Me deste água para os pés”; mas com lágrimas de arrependimento originadas no amor, Maria lavou-Me os pés e enxugou-os com os próprios cabelos. “Não Me deste ósculo, mas esta mulher” a quem tu desprezas, “desde que entrou, não tem cessado de Me beijar os pés”. Lucas 7:44, 45. O lavar dos pés e o beijo de boas-vindas não eram atenções estendidas invariavelmente aos hóspedes. Era costume outorgá-las a quem se desejasse demonstrar especial consideração. Esse serviço Cristo deveria ter recebido de seu anfitrião, mas não o recebeu. FD 192.3
Cristo contava as oportunidades que Simão tivera de manifestar seu amor pelo Senhor, e o apreço pelo que fora feito por ele. Claramente, se bem que com delicada polidez, o Salvador assegurou a Seus discípulos que o coração se Lhe magoa quando Seus filhos se descuidam de manifestar gratidão para com Ele por palavras e atos de amor. Alguns podem achar que essa passagem não está mais em vigor, mas está. Escrevendo sobre mulheres que deviam ser honradas, Paulo disse: “[que tenha] exercitado hospitalidade, lavado os pés aos santos, socorrido a atribulados, se viveu na prática zelosa de toda boa obra”. 1 Timóteo 5:10. FD 192.4
Muitas necessitam de simpatia e apreço. Mas aquelas que lavam os pés aos santos devem ter santificado discernimento, para que saibam reconhecer um santo. As vestes de um mensageiro de Deus podem estar gastas e manchadas da viagem, mas ele pode ser um anjo disfarçado. Sem serem reconhecidos, anjos falam com homens, dizendo palavras que são para a alma como a água da vida. Maria era considerada grande pecadora, mas Cristo conhecia as circunstâncias que a tornaram assim. Viu que ela possuía grande aptidão para o bem. Viu a melhor fase do seu caráter e sabia que, mediante Sua graça, ela se tornaria participante da natureza divina, e purificaria a alma pela obediência à verdade. FD 192.5
Cristo poderia haver extinguido toda centelha de esperança na alma de Maria, mas não o fez. O Perscrutador do coração lera os motivos que a levaram às suas ações, e viu também o espírito que instigara as palavras de Simão: “Vês tu esta mulher?” disse-lhe. “É uma pecadora. Digo-te que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama. E disse a ela: Perdoados são os teus pecados.” FD 192.6
Os presentes, pensando em Lázaro, que fora ressuscitado dentre os mortos por Cristo, e que nessa ocasião era hóspede na casa de seu tio, começaram a indagar, dizendo: “Quem é Este que até perdoa pecados?” Mas Cristo continuou: “A tua fé te salvou; vai-te em paz”. Lucas 7:44-50. FD 193.1
Jesus conhece as circunstâncias de cada um de nós. Alguém pode dizer: Sou pecador, muito pecador. Talvez o seja; mas quanto pior for, tanto mais necessita de Jesus. Ele não repele nenhuma criatura que chora, contrita. Não diz a ninguém tudo quanto poderia revelar, mas manda a toda pessoa tremente que tenha ânimo. Não rejeitará quem se chegar a Ele, penitente e crendo. Perdoará abundantemente todos quantos a Ele forem em busca de perdão e restauração. FD 193.2
Mas conhecer a Jesus requer mudança de coração. Nenhuma pessoa não convertida, em seu natural estado de depravação, ama a Cristo. O amor de Jesus é o primeiro resultado da conversão. É dada a prova deste amor: “Se Me amais, guardareis os Meus mandamentos”. João 14:15. “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço”. João 15:10. FD 193.3
Cristo poderia comissionar os anjos do Céu para derramar as taças de Sua ira sobre nosso mundo, a fim de destruir a todos quantos estão cheios de ódio contra Deus. Poderia apagar essa mancha negra do Seu Universo. Mas assim não faz. Acha-Se hoje ante o altar de incenso, apresentando perante Deus as orações dos que desejam Seu auxílio. “Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”. Romanos 8:34. FD 193.4
Deve-se amar a Jesus e confiar nEle. A todos os que forem obedientes, Ele conduzirá para o alto, passo a passo, tão rapidamente quanto possam avançar para que, em pé ao lado do Portador de pecados, à luz que procede do trono de Deus, possam respirar o ar das cortes celestes. Ao lado de seu grande Intercessor, o pecador arrependido ergue-se acima da acusação e da contenda das línguas. “Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom? Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois. Não vos amedronteis, portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados”. 1 Pedro 3:13, 14. FD 193.5
Nenhum ser humano, mesmo unido a anjos maus, pode desacreditar os que buscam refúgio em Cristo. Ele uniu a pessoa crente à Sua própria natureza divino-humana. Em Seu ofício de mediador, Sua divindade e humanidade estão combinadas, e sobre essa união paira a esperança do mundo. — The Signs of the Times, 9 de Maio de 1900. FD 193.6