Conselhos sobre o Regime Alimentar

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Observações feitas em viagem

360. Enquanto viajava, ouvi pais dizerem que o apetite de seus filhos era delicado, e a menos que tivessem carne e bolo, não comiam. Ao ser tomada a refeição do meio-dia, observei a qualidade de alimento dada a esses filhos. Era pão branco de trigo, fatias de presunto cobertas de pimenta-do-reino, picles condimentados, bolo e conservas. As faces pálidas e doentias daquelas crianças bem indicavam os insultos que o estômago sofria. Duas dessas crianças observaram as crianças de outra família a comerem queijo juntamente com sua comida, e perderam o apetite para o que tinham ante si, até que a condescendente mãe pediu encarecidamente um pedaço daquele queijo para lhos dar, temendo que os queridos filhos deixassem de tomar a refeição. Observou a mãe: Meus filhos gostam tanto disto ou daquilo, e eu lhes dou o que querem, pois o paladar pede as espécies de alimento que o organismo requer! CRA 239.1

Isto poderia ser correto se o paladar não tivesse nunca sido pervertido. Há apetite natural e apetite depravado. Os pais que toda a vida ensinaram os filhos a tomarem alimento insalubre e estimulante, até que o apetite se perverteu, e eles então desejam comer barro, lápis de pedra, café queimado, borra de chá, canela, cravo e condimentos, não poderão alegar que o apetite pede aquilo que o organismo requer. O apetite foi educado falsamente, até que ficou depravado. Os finos tecidos do estômago foram estimulados e inflamados, até terem perdido sua delicada sensibilidade. O alimento simples e saudável parece-lhes insípido. O estômago, abusado, não efetua a obra que lhe é dada, a menos que a isso seja forçado pelos alimentos mais estimulantes. Se esses filhos tivessem sido educados, desde a infância, a só tomarem alimento saudável, preparado da maneira mais simples, conservando o mais possível suas propriedades naturais, e evitassem os alimentos cárneos, gordura e toda espécie de condimentos, seu paladar e apetite não sofreriam prejuízo. Em seu estado natural, poderia indicar, em grande proporção, o alimento melhor adaptado às necessidades do organismo. CRA 239.2

Enquanto pais e filhos comiam suas iguarias, meu marido e eu participávamos de nosso repasto simples, em nosso horário usual, 1 hora da tarde: pão integral sem manteiga, e generoso suprimento de frutas. Tomamos nossa refeição com vivo prazer, e com o coração agradecido por não sermos obrigados a trazer conosco uma mercearia para satisfazer a um apetite caprichoso. Comemos satisfeitos, e só voltamos a sentir vontade de comer na manhã seguinte. O rapaz que vendia laranjas, nozes, pipoca e doces teve em nós maus fregueses. CRA 239.3

A qualidade do alimento tomado por aqueles pais e filhos não podia converter-se em sangue bom e em temperamentos brandos. As crianças eram pálidas. Algumas tinham incômodas feridas no rosto e nas mãos. Outras estavam quase cegas, com dor-d'olhos, o que muito prejudicava a formosura de seu semblante. E outros, ainda, não tinham erupção na pele, mas afligiam-se com a tosse, catarro ou perturbações da garganta e dos pulmões. Notei um menino de três anos, que sofria de diarréia. Tinha febre bastante alta, mas parecia pensar que tudo de que carecia era alimento. Cada poucos minutos reclamava bolo, frango, picles. A mãe lhe atendia a todos os reclamos, qual escrava obediente; e se o alimento requerido não vinha tão depressa como era desejado, e os gritos e pedidos se tornavam incômodos e urgentes, a mãe respondia: “Sim, sim, queridinho, já lhe vou dar!” Posto o alimento em sua mão, ele o atirava obstinadamente no chão do carro, porque não lhe viera tão depressa como queria. Uma meninazinha estava comendo seu presunto cozido, com picles condimentado, pão e manteiga, quando notou o meu prato. Continha este alguma coisa que ela não possuía, e recusou-se então a continuar comendo. Essa menina, de seis anos, disse que queria um prato. Pensei que o que ela desejava era a bonita e vermelha maçã que eu comia; e embora tivéssemos poucas, tive tanta pena dos pais, que lhe dei uma bela maçã. Ela a arrebatou de minha mão e desdenhosamente a jogou depressa no chão. Pensei: Esta criança, se assim lhe satisfizerem as vontades, por certo causará vergonha a sua mãe. CRA 240.1

Esta exibição de teimosia era resultado do procedimento condescendente da mãe. A qualidade de alimento que ela provia a sua filha era uma contínua sobrecarga aos órgãos digestivos. O sangue era impuro, e a criança doentia e irritadiça. A espécie de alimento dada todos os dias àquela criança era de natureza a excitar as paixões de ordem mais baixa, e deprimir a moral e o intelecto. Os pais estavam moldando os hábitos de sua filha. Tornavam-na egoísta e desamorosa. Não lhe restringiam os desejos, nem lhe controlavam as paixões. Que poderão esperar de tal rebento, se chegar à maturidade? Muitos parecem não compreender a relação que o espírito tem com o corpo. Se o organismo é embaraçado por alimento impróprio, são afetados o cérebro e os nervos, e facilmente se excitam as paixões. CRA 240.2

Uma criança de cerca de dez anos sofria de calafrios e febre, e não tinha apetite. A mãe insistia com ela: “Coma um pouco deste pão-de-ló. Aqui está um bom pedaço de galinha. Você não quer um bocado destas conservas?” A criança afinal tomou uma refeição lauta, bastante para uma pessoa com saúde. O alimento que foi instada que comesse não era apropriado nem para um estômago sadio, e muito menos deveria ser tomado estando ele doente. A mãe, cerca de duas horas depois, banhava a cabeça da criança, dizendo que não entendia porque tinha tão alta febre. Tinha ela acrescentado lenha ao fogo, e agora admirava-se de que o fogo ardesse. Tivesse aquela criança sido deixada aos cuidados da natureza, e tomasse o estômago o repouso tão necessário, e os sofrimentos dela poderiam ter sido muito menores. Essas mães não estavam preparadas para criar filhos. A maior causa do sofrimento humano é a ignorância na questão de como tratar nosso corpo. CRA 241.1

Indagam muitos: Que devo comer, e como viver, para melhor gozar o tempo presente? O dever e o princípio são postos à margem, por amor à satisfação presente. Se quisermos ter saúde, devemos viver de acordo. Se quisermos aperfeiçoar um caráter cristão, devemos viver consoantemente. Os pais são, em grande proporção, responsáveis pela saúde física e moral de seus filhos. Devem instruí-los insistentemente a que se conformem com as leis da saúde, para seu próprio bem, a fim de se pouparem infelicidade e sofrimento. Como é estranho que as mães contemporizem com os filhos para a ruína de sua saúde física, mental e moral! Qual será a qualidade desse mimo exagerado! Essas mães fazem os filhos inábeis para a felicidade nesta vida, e tornam muito incerta a perspectiva da vida futura. — The Health Reformer, Dezembro de 1870. CRA 241.2